Dia 30 de março foi exibido nas TVs japonesas o filme cocoon ~ Aru Natsu no Shoujo-tachi Yori ~ (cocoon ~ある夏の少女たちより~) , baseado no mangá de Kyou Machiko lançado entre 2008 e 2010 na evista Elegance Eve. Se eu for procurar, encontro o post do Shoujo Café de quando ele foi lançado. Trata-se de um mangá histórico inspirado em fatos reais, a experiência vivida por um grupo de colegiais e suas professoras, as Himeyuri Gakutotai (姫百合学徒隊), destacadas para auxiliar as tropas japonesas que estavam engajadas na Batalha de Okinawa (01/04-22/06/1945). As meninas deveriam prestar apoio médico e vieram de duas escolas de elite de Okinawa, a Okinawa Daiichi Girls' High School e a Okinawa Shihan Women's School. Algumas trouxeram seu material escolar e uniformes, porque lhes asseguraram que elas iriam continuar estudando.
A maioria delas morreu no fogo cruzado entre japoneses e norte-americanos, de fome, de doença, de exaustão. Várias cometeram suicídio empurradas pela propaganda estatal que aterrorizava os cidadãos comuns. Os norte-americanos eram monstros, ou bárbaros, e iriam cometer massacres e estupros em massa. Não houve massacres, mas houve estupros, inclusive cometidos pelos próprios soldados japoneses, que acreditavam que não tinham o que perder, afinal, iam morrer, ou não reconheciam que a população de Okinawa era tão japonesa quanto eles. Uma tragédia, enfim. Mas vamos ao resumo da história:
San e Mayu são duas estudantes que vivem em Okinawa durante os últimos meses da Guerra do Pacífico. Mayu veio de Tokyo e tornou-se a melhor amiga de San, mas ela guarda um segredo, que é revelado somente no final do filme e do mangá (*a autora coloca uma nota na última página explicando que se inspirou em um caso real.*). Junto com suas colegas de classe, as duas amigas são convocadas para o esforço de guerra como enfermeiras para soldados feridos. No anime, antes disso, elas aparecem fazendo outros trabalhos no esforço de guerra, como cortar árvores e construir abrigos. Quando ordenadas a morrer por seu país, as integrantes restantes do grupo escapam apenas para enfrentar o ambiente hostil de um paraíso tropical que se tornou um campo de batalha infernal.
O anime modificou um pouco o mangá, e eu não li o quadrinho, passei os olhos por cima depois de assistir ao anime, mas a parte das meninas na escola, a vida normal, foi retirada. Da mesma maneira como a frase de uma idosa dita no final, quando uma das protagonistas, a que sobreviveu, está em um campo de prisioneiros "No fim das contas, o inimigo nos tratou melhor que os nossos". Isso, a autocensura da NHK não iria deixar passar. Mas o filme continuou muito pesado, o anime mais triste desde que eu vi desde que assisti O Túmulo dos Vaga-Lumes (火垂るの墓/Hotaru no Haka). E é preciso deixar claro que cocoon tem somente uma hora de duração, com mais tempo, vai saber... Ele destroça com a gente de tal maneira que eu fiquei meio sem reação.
Entre cocoon e Gen Pés Descalços (はだしのゲン/Hadashi no Gen) , acho que o primeiro me impactou mais. A mensagem, no entanto, é a mesma. Trata-se de uma obra pacifista e que expõe a falta de empatia do governo japonês e dos militares pelo seu próprio povo. O discurso patriótico transforma as meninas em peças descartáveis em uma guerra perdida. O cocoon do título faz referência aos casulos de bichos da seda, que são fervidos. Os bichos são mortos de uma forma terrível para que se aproveite a seda. No filme, a protagonista decide que vai viver, mesmo que não possa voar. Bichos da seda têm asas, mas não voam. Sim, aprendi coisas sobre bichos da seda assistindo o anime.
Ao longo do filme, San, que era tímida e insegura, passa pelo trauma e pela necessidade de se tornar forte. Já Mayu faz o possível para garantir que San sobreviva. As demais meninas que são personagens, as gêmeas, Hina-senpai e Tamaki não verão o final do conflito. Elas são vítimas inocentes da violência da guerra e do descaso de quem deveria zelar por elas. A pátria quer seu sacrifício e aceita a sua morte, elas são descartáveis, como são os soldados. Minha única crítica ao filme é não explicar que, lá no final, estamos vendo um campo de prisioneiros. Há os japoneses de todas as idades, ainda que a maioria absoluta dos adultos sejam mulheres, e um soldado norte-americano, mas nada é dito.
Mesmo com tanta violência, o anime é muito bonito. Belamente desenhado e com inspiração do Estúdio Ghibli, porque há gente que se formou e/ou trabalhou no estúdio na produção. As paisagens, o hospital que fica no interior de uma caverna, o mar, o farol no cabo que as meninas não conseguiram alcançar, tudo é muito bonito. O passar do tempo, marcado pela decadência física das meninas e pelos frascos de medicamentos que vão desaparecendo dos armários, você não precisa recorrer aos letreiramentos preguiçosos para indicar as coisas. O mangá original tem um traço simples, quase rabiscado. O anime pega o character design Kyou Machiko e o transforma em algo que nos enche os olhos, mesmo sem ser exuberante. As opções artísticas da obra também são poéticas. Não vemos sangue, por exemplo, ainda que vejamos a violência. O sangue vira pétalas de flores que se espalham pelo ar, que descem pelos cursos de água.
Enfim, eu realmente não esperava que cocoon fosse ser tão impactante. Pretendo ler o mangá o mais rápido possível. As scanlations estão no Bato.to e o especial animado pode ser baixado sem problema. Espero que ele fique disponível em algum streaming no futuro, porque ele é muito interessante e bem executado. Tendo somente uma hora, poderia facilmente ser exibido em sala de aula. espero que apareçam legendas em português para ele logo. E as Himeyuri ganharam monumento e museu, n~~ao que essas homenagens sejam compensação pelo sacrifício de duas vidas.
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