terça-feira, 25 de março de 2025

No Dia Nacional do Orgulho Gay, Globo separa Guto e Vinícius em Garota do Momento

Eu só assisto uma novela atualmente, Garota do Momento.  É uma novela das seis de nosso tempo, com todas as limitações que a teledramaturgia atual tem, agravada pelas limitações impostas ao horário.  Infelizmente, no caso da Rede Globo, quem comanda a área de teledramaturgia é Amauri Soares que, em entrevista recente, disse que  não quer agradar todo mundo.  Não sei bem que ele quer agradar e/ou adular, só sei que a audiência patina, ainda que a liderança permaneça e a qualidade das novelas da emissora despencaram, inclusive com redução de investimento financeiro cada vez mais evidente.  

Muito bem, Amauri Soares negou em sua entrevista qualquer censura da cúpula da emissora à tramas que envolvessem personagens LGBTQIAPN+.  Quem acompanhava a novela Vai na Fé, e fiz vários posts sobre a trama, sabe que em pleno Mês do Orgulho, houve ordem para  cortar beijos do casal Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman).  Mesmo com a novela indo bem na audiência, houve ordem para que os cortes acontecessem com o intuito de não irritar uma (*suposta*) audiência conservadora evangélica.  Escrevo suposta, porque acredito que essa fatia que eles querem agradar, largou as novelas da emissora faz tempo.  Sei que posso estar me baseando em evidências anedóticas (*minha família*), mas eles são representativos da forma como os evangélicos médios veem a Globo.  No caso dos meus pais e irmão, eles continuam assistindo os telejornais, ou seja, eles não são estão no espectro mais radical do grupo, mas conheço exemplares dessa parcela, também.  Esses nem os noticiários consomem.

Ainda que sempre lembrem do casal de mulheres, o que está acontecendo em Garota do Momento parece ser uma repetição da separação de outro casal de Vai na Fé.  Yuri (Jean Paulo Campos) e Vini (Guthierry Sotero), foram separados  de uma forma muito semelhante ao que estão fazendo com Vinícius (Elvis Vittorio) e Guto (Pedro Goifman).  Aliás, olha a coincidência de nomes, porque Vini é apelido de Vinicius, imagino.  Em Vai na Fé, Vini recebeu uma bolsa de estudos nos Estados Unidos e deixou Yuri para trás.  Yuri, que tinha superado várias travas para entender seu desejo por alguém do mesmo sexo, acabou se envolvendo e casando com a personagem interpretada por Mel Maya.  Yuri era bissexual, ou se tratou de uma "conversão"?  Não houve discussão sobre isso.  O rapaz perdeu relevância na novela.

Vinicius de Garota do Momento também foi para os Estados Unidos.  A família Tijucana do rapaz, que o tinha colocado fora de casa ao descobrir sua orientação sexual, afinal, estamos em 1958, decidiu acolhê-lo.  Inventou-se que o pai estava com câncer e iria se tratar nos Estados Unidos.  O pai, que nunca tinha aceitado a paixão do rapaz pela dança, aceitou pagar um curso para ele.  Ir para os Estados Unidos seria a chance para que a família fosse restaurada.  Sem querer me desviar, imagino quão caro seria para alguém ir se tratar nos Estados Unidos nos anos 1950.  A Tijuca era e continua sendo um bairro de classe média, não é lugar de ente rica, ainda que as pessoas possam ter níveis socioeconômico médio acima do de outros bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro.  Mas em uma novela na qual todo mundo tem telefone, isso não deve ser um problema.  

O fato é que ao retirarem Vinicius da novela, temos a interrupção da história de amor dos rapazes e joga fora todo o percurso que Guto tinha feito até se compreender.  Eles vão continuar namorando por carta.  Vinicus retornará à trama?  Guto terá um novo amor?  O adolescente, que está concluindo o colegial, vai se interessar por uma garota como Yuri? Eu não duvidaria. O fato é que Amauri Soares jogou toda a responsabilidade por qualquer censura para os autores das telenovelas.  Se você quiser comprar, bem, é com você.   E, claro, os pobres dos atores estão tendo que defender os rumos tomados pela trama.

A cena de despedida  dos dois foi ao ar hoje.  Ainda não assisti ao capítulo, mas achei de um grande mau gosto terem colocado a separação no ar logo no Dia Nacional do Orgulho Gay.  Parece um replay das várias pequenas censuras em Vai na Fé ocorridas exatamente no Mês do Orgulho LGBTQIAPN+.  O fato é que vivemos um momento de backlash (retrocesso), no qual os direitos das minorias estão sob ataque e, agora impulsionados pelo governo Trump, empresas se sentem cada vez mais estimuladas a ignorá-las, ou mesmo excluí-las.  Na Globo, o processo começou bem antes, quando Amauri Soares assumiu a emissora.   

Hoje, Luccino e Otávio de Orgulho & Paixão, um dos meus casais favoritos das telenovelas, não existiriam.  E deixo link para uma thread sobre sobre os últimos vinte anos de casais do mesmo sexo em novelas da Globo.  A pessoa diz que nada mudou.  Eu, historiadora feminista, afirmo que mudou, sim.  Tivemos avanços e retrocessos.  A gente não pode acreditar que direitos ganhos não podem ser tomados, eles podem, são e estão sendo.  Peguem fotos do Afeganistão ou do Irã nos anos 1970 e comparem com os nossos dias.  Sim, a maioria das mulheres não usava minissaia, praticava esportes, ou estava envolvida em atividades divertidas com o sexo oposto, mas, HOJE, nenhuma delas pode fazer isso.  Não há escolha.  Direitos não caem do céu, eles são fruto de muita luta e de negociações, mas eles podem ser perdidos rapidinho e sob os mais diferentes argumentos.

0 pessoas comentaram:

Related Posts with Thumbnails