terça-feira, 4 de março de 2025

Mickey Madison fica com o Oscar de Melhor Atriz e desperta uma onda absurda de ódio.

Fernanda Torres não ganhou o Oscar, Demi Moore, também, não.  A vencedora foi a jovem Mickey Madison, que já tinha ganho o Bafta, derrotando Moore, e estava no filme queridinho da noite, Anora.  Torres nunca foi favorita, a não ser nas fantasias de algumas publicações norte-americanas e no coração de muitos brasileiros.  E isso nada tem a ver com ser melhor ou pior que qualquer atriz.  O Oscar, independentemente das mudanças recentes, a festa do cinema norte-americano e a língua inglesa continua sendo a preferencial.  O Brasil tinha chances reais de levar o prêmio que levou, Melhor Filme Internacional.  Este é meu primeiro ponto.

Logo depois da premiação de Mickey Madison, começou um papo estranho de que a vitória da jovem atriz era uma repetição do filme A Substância estrelado por Demi Moore.  Na película, que critica a objetificação feminina,  a atriz mais velha é descartada em favor de sua "réplica" mais jovem. Madison seria uma versão jovem e para consumo masculino, enquanto Moore e Torres não tinham mais "valor" aos olhos masculinos.  E essa coisa se alastrou pela internet e até gente que eu acho muito coerente e produz material bem legal embarcou com os dois pés.  Hoje, seguindo na mesma linha, uma das bobagens que eu tive que ler em um jornal importante foi que o Oscar prefere premiar novinhas como melhores atrizes. E usou esse termo mesmo, NOVINHA

Esse pessoal foi ver as vencedoras dos últimos anos?  Fui eu na Wikipedia e peguei os últimos onze anos de premiação (2014-2024). Fiz o cálculo das idades e coloquei em uma lista.  Ela está abaixo: 

  • Julianne Moore (53 anos)
  • Brie Larson (25 anos)
  • Emma Stone (27 anos)
  • Frances McDormand (59 anos)
  • Olivia Colman (44 anos)
  • Renée Zellweger (49 anos)
  • Frances McDormand (61 anos)
  • Jessica Chastain (43 anos)
  • Michelle Yeoh (59 anos)
  • Emma Stone (34 anos)
  • Mikey Madison (24 anos)

Em dez anos, somente três atrizes com menos de 30 anos venceram o Oscar, por outro lado, quatro atrizes com mais de 50 anos foram vitoriosas.  O fato é que tem aumentado o número de filmes que oferecem papéis para atrizes mais velhas, ainda que, lá uma vez ou outra, alguém seja escalada no lugar errado, coisa que aconteceu mais de uma vez com Jennifer Lawrence.  E eu aposto que se eu fizesse uma amostragem de 20 anos, iria dar mais ou menos a mesma coisa. 

Outro ponto que muitos não consideraram é que a Academia tende a rejeitar filmes de terror.  Era a chance de Demi Moore, verdade ela ganhou muita coisa, o filme recebeu várias indicações importantes (*inclusive para a diretora*), mas perder o Bafta foi um sinal de que uma parte dos votantes da Academia poderia rejeitá-la e as apostas em Madison cresceram ali.  De resto, Cynthia Erivo é mais atriz que a Demi Moore e nem estava cotada, apesar de indicada.

A parte mais feia, no entanto, foram os ataques à jovem atriz feitos por brasileiros.  Em Anora, Madison faz o papel de uma prostituta. Para muita gente, mesmo (*dita*) progressista, esse aspecto poderia ser usado contra a moça. Começaram a diminuir o trabalho da atriz, ofendê-la com palavras de baixo calão e com moralismos absurdos, afirmar que Anora era soft porn, que seria "filme de puta", seja lá o que isso for.  Assisti Anora ontem.  Vou fazer a resenha e tenho críticas ao filme, no entanto, é inegável que Mickey Madison fez muito bem o papel que lhe entregaram.  E tirar a roupa em um filme, ter cenas de sexo em uma película, falar palavrões, não a torna uma atriz pior, tampouco uma mulher vulgar ou o que valha.  

Também fizeram as comparações cretinas entre Anora e Shakespeare Apaixonado, Gwyneth Paltrow e Mickey Madison.  Gente, a indicação de Fernanda Montenegro, em 1999, já foi a vitória.  Não havia como vencer ali, o Oscar não era feito para celebrar uma latina.  A campanha avassaladora de Shakespeare Apaixonado se impôs e tirou as chances de filmes melhores, assim como a de A Vida é Bela, que impediu que qualquer película pudesse disputar em pé de igualdade o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.  Pela lógica do Oscar de então, se houvesse justiça, a premiada como melhor atriz seria Cate Blanchett.  É preciso superar 1999, compreender como funcionava o Oscar na época e que as mudanças dos últimos anos não foram suficientes, mas já possibilitam furar a bolha.  Ainda assim, continua sendo um prêmio para o cinema norte-americano e/ou preferencialmente em língua inglesa.

O que eu posso questionar é se não era cedo demais para Mickey Madison ser premiada, pois, agora, vão exigir muito mais dela.  Um prêmio Oscar pode virar uma maldição e não seria a primeira vez.  E injustiças acontecem o tempo inteiro.  Eu acredito, por exemplo, que a Emma Stone não deveria ter ganho nenhum dos seus prêmios Oscar. Ano passado, Lily Gladstone deveria ser a vitoriosa, não Stone por Pobres Criaturas, no ano do já esquecido La-La-Land, tínhamos Isabelle Huppert, Ruth Negga, Natalie Portman e Meryl Streep no páreo. Pensem nisso.  E eu aposto que Anora terá destino semelhante ao de La-La-Land, o esquecimento. "Ah, foi o filme que ganhou naquele ano, né? Tinha esquecido que ele existia."

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