Hoje, é Dia Internacional das Mulheres. Data importante, que se originou no início do século XX da luta das mulheres trabalhadoras por redução da jornada de trabalho, melhores salários e direito de voto. Não era uma data de celebração e nem deveria ser ainda hoje. Flores, bombons, perfumes e batons não compensam salários desiguais, nem o medo da violência. Todos os dias, basta abrir qualquer portal e encontrar pelo menos uma notícia de feminicídio. Aqui, em Brasília, tivemos mais um hoje. Nenhuma novidade, segundo a Ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, vivemos uma pandemia de feminicídios. Em 5 anos foram mais de 7 mil. A maioria dos crimes foram perpetrados por companheiros, ou ex-companheiros.
Esta semana, houve a descoberta do corpo da adolescente Vitória, ela tinha idade para ser minha filha. A brutalidade do seu assassinato é chocante, mas alguém teve a ideia infeliz de chamar de crime passional, algo que não está previsto no código penal brasileiro. Durante muito tempo, o uso dessa terminologia servia para atenuar um crime cometido por um homem "preso por forte emoção" ou "que amava demais". Isso não existe, trata-se via de regra de feminicídio. Um homem se sente dono de um mulher, tão dono que tem o direito de tirar-lhe a vida. E, sim, eu sei, e não vou descrever, há a suspeita de que a garota foi morta pelo atual namorado de um ex de Vitória. Pouco importa, ela foi morta por ser mulher e com grande crueldade. A vida das mulheres vale muito pouco, ou vale menos, mas a gente deve sorrir quando recebe um "Feliz Dia da Mulher", sim, normalmente, no singular, porque somos todas iguais.
Só tem dia quem não tem dia nenhum, quem é pouco importante, ou invisível, no resto do ano. E acompanhar as notícias pelo mundo não é melhor. Na sua ânsia de perseguir minorias políticas, sexuais ou étnicas, o governo Trump vem combatendo qualquer coisa que ligada ao que se chama de DEI (Diversidade-Equidade-Inclusão). A última foi ordenar que as Forças Armadas retirassem das suas páginas oficiais e redes sociais qualquer referência às mulheres, negros, latinos, LGBTQIAPN+, ou que pareçam com isso, porque quem está a frente dessa caça às bruxas é gente inepta. Por exemplo, além de mandar retirar fotos de mulheres pioneiras em determinadas áreas das Forças Armadas, fizeram busca por palavras, uma delas "gay", que pode ser sobrenome no país. Deram sumiço nas fotos do Enola Gay, o avião que atirou a primeira das bombas atômicas no Japão.
Ao apagar a História das Mulheres na Nasa, nas Forças Armadas e em todo lugar que puderem, os membros do governo Trump-Musk não estão fazendo muito diferente do Talebã, que proíbe mulheres de falarem em público e mostrarem o rosto, a grande diferença, talvez, é que no Afeganistão, mulheres não podem mais estudar além do ensino básico e nem atuar profissionalmente. O objetivo é negar que existimos, que somos seres humanos completos, que podemos sonhar, que somos tão capazes quanto os homens em todas as áreas possíveis. Daqui alguns anos, os mesmos que mandaram apagar irão dizer "Onde estão as mulheres? Elas nunca contribuíram para nada (*complete com o campo da ciência, política, forças armadas etc. que desejar*). O progresso da humanidade dependeu somente dos homens (*bancos, cis, hetero*)." Como escreveu minha orientadora de doutorado, Tânia Navarro-Swain, "O que a História não diz, não existiu.".
Nenhum direito nos foi dado, todos foram conquistados por gerações de mulheres, das classes trabalhadoras, principalmente, mas, também, das elites, que foram para as ruas, se organizaram em associações e partidos, fizeram greves, foram presas e submetidas à torturas e humilhações. Repito, NADA foi dado. E digo outra coisa como historiadora, não existe evolução quando se aplica às sociedades humanas. Podem usar como exemplo o Afeganistão, o Irã, o Iraque, ou o direito ao aborto nos Estados Unidos. Se piscarmos, direitos básicos nos serão tirados. É sempre muito mais fácil vender os direitos das mulheres, basta uma crise e os discursos de "volta para o lar" será usado contra as mulheres de classe média, que as mulheres proletárias perderão sua licença maternidade.
Não se enganem o que vem com muito custo pode nos ser tirado. Gilead não é mais uma distopia, O Conto da Aia é uma possibilidade concreta e os discursos reacionários se multiplicam, inclusive conseguindo apoiadoras. Há mulheres que não percebem que elas não pertencem à classe dos homens, tanto quanto um escravizado não pertence à classe social de seu senhor. A depender da sua cor de pele e classe social, talvez, você não se veja irmanada com a operária, a faxineira, a balconista, com a mulher negra, ou a mulher trans, mas se o projeto de tomada de direitos das mulheres se concretizar (*começando pelos Estados Unidos*), vocês logo descobrirão que são mulheres, também.
Sim, estou ranzinza, mas são muitas notícias ruins todos os dias e essa forma ingênua e vazia de marcar o 8 de março me deixa muito irritada. Há anos em que a coisa é mais ou menos pesada. Este ano está sendo um dos piores, eu acredito.
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