segunda-feira, 3 de março de 2025

Ainda Estou Aqui dá ao Brasil o seu primeiro Oscar! Minhas Considerações sobre a cerimônia.

Hoje, foi um dia histórico para o nosso cinema.  Ainda Estou Aqui (*resenha*) levou o prêmio de Melhor Filme Internacional, que eu continuo a chamar de "Estrangeiro".  Queria ter assistido na Globo, porque o comentarista era o Dalenogare, historiador e crítico de cinema, mas como não tenho antena de TV aberta, só tinha o canal do Rio de Janeiro e o desfile de Carnaval.  Acabei vendo na HBO e quem estava comentando era o Lázaro Ramos.  Foi bom, também.  Quais foram os melhores momentos da festa e os piores?  Começarei pelo ruim.

O apresentador Conan O'Brien foi péssimo do início até o fim.  Piadas fracas, algumas de muito mal gosto.  Espero que ele não retorne.   Os bombeiros que foram homenageados, poderia ter sido um momento emocionante, dada a tragédia ocorrida em Los Angeles, mas os colocaram para fazer piadas cretinas.  Foi ruim.  Os compositores da música vencedora de Emília Pérez (El Mal), Camille and Clément Ducol, cantando foi constrangedor.  O Adrian Brody que, além de ter ganho o prêmio apesar do uso de IA, não queria ter saído do palco.  Discurso longo e irritante, ainda prejudicou o walter Salles, que acabou tendo menos tempo (*o Dalenogare acabou de comentar sobre isso*).  

Erro da matéria, a atriz não tem redes sociais.  
Os ataques foram no perfil da Academia.

Por fim, a reação absurdamente machista, misógina e desrespeitosa dos brasileiros nas redes  frustrados com a vitória de Mickey Maddison por melhor atriz. Haverá um post somente para isso e eu vou linkar aqui depois (*eis  o link*).  Ele já está escrito.  De qualquer forma, Anora (*resenha*) vinha se projetando como favorito por uma série de motivos e a vitória de Maddison tinha se tornado possível depois do Bafta.  E o fato de eu preferir Fernanda Torres, de eu considerar Conclave muito mais filme que Anora, pouco importa.

Os bons momentos merecem ser celebrados e eu vou me estender neles.  Comecemos pelo nosso Oscar, o que veio para Ainda Estou Aqui.  Merecido, coroamento do trabalho da Fernanda Torres, Walter Salles, Selton Mello, elenco, equipe e quem estava a frente da campanha.  Mesmo com Fernanda Torres não levando melhor atriz, algo que já era esperado por quem acompanha o Oscar e as premiações, ela é a alma do filme.  O agradecimento de Salles à Eunice Paiva e às Fernandas, foi maravilhoso.  

Fora isso, o filme, que não é panfletário, mas puxa as cordinhas certas, vem se prestando a despertar reflexões sobre a Ditadura Civil-Militar e mesmo discussões sobre justas reparações.  Está no STF a discussão sobre considerar ocultação de cadáver crime continuado e não coberto pela Lei da Anistia.  Há ainda dois assassinos de Rubens Paiva vivos, fora outros tantos desaparecidos, menos visíveis.  Ainda Estou Aqui fez com que o trabalho de Eunice Paiva, depois de formada em Direito, se tornasse visível, ela foi pioneira da luta pelos direitos dos povos originários.  O filme consegue fazer com que ela e seu trabalho sejam conhecidos para além do seu papel de Antígona moderna e viúva de Rubens Paiva. Ainda Estou Aqui serve, também, para pressionar  a punição dos golpistas do 8 de janeiro.  Além de comemorar, precisamos gritar "Não vai ter Anistia".  E convém lembrar, também, que sem Comissão da Verdade, um dos feitos da corajosa presidenta Dilma, esse filme não existiria.  Pensem em tudo isso.

E, pessoal, foi algo inédito, a primeira premiação do Brasil em um Oscar.  A primeira.  Uma grande vitória.  Momento histórico.  Vamos comemorar?  Tem gente que parece que está pensando no que não foi ganho (*porque perdido não foi*) e, não, na vitória merecida.  E ver o povo comemorando em vários lugares do Brasil foi lindo, também.  A vida presta e nós vamos sorrir.  Sorriam!

A vitória de Flow (*resenha*) foi linda, também.  O filme da Letônia é muito bom e ele consegui levar Globo de Ouro e Oscar.  conseguiu prêmio no Annie Awards (*o Oscar da Animação*), também.  Foi tão bonito.  O diretor se recusou a colocar diálogos, de tornar os bichinhos mais humanos e deu certo.  E Robô Selvagem até merecia um prêmio, mas não foi injusto.  E, lá na Letônia, estão festejando muito, assim como aqui.

Agora, o momento mais importante da festa de longe foi o prêmio de melhor documentário para o candidato palestino Sem Chão (No Other Land).  Dirigido por um coletivo formado por dois palestinos e dois israelenses (Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor) e falando da violência contra os palestinos na Cisjordânia.  Basel Adra e Yuval Abraham foram os porta-vozes do grupo e fizeram discursos muito pertinentes.  Detalhe, o filme não tem distribuição nos Estados Unidos (*1 - 2 *).  E vou destacar o que ficou para a história.

“Estamos fazendo este filme juntos, um grupo palestino-israelense de ativistas e cineastas, porque queremos impedir a expulsão em andamento da comunidade de Masafer Yatta e resistir à realidade do Apartheid em que nascemos, de lados opostos e desiguais."  "Fizemos este filme, palestinos e israelenses, porque juntos nossas vozes são mais fortes. Vemos uns e outros a destruição atroz de Gaza e de seu povo, que deve acabar.” “A política externa deste país está ajudando a bloquear esse caminho [da paz]”, disse, entre aplausos. “Vocês não percebem que estamos interligados? Meu povo só estará verdadeiramente seguro se o povo de Basel for verdadeiramente livre e seguro.  Não há outro caminho.” (Abraham Yuval).

“Há cerca de dois meses, me tornei pai, e minha esperança para minha filha é que ela não precise viver a mesma vida que vivo agora — sempre temendo a violência dos colonos, as demolições de casas e os deslocamentos forçados que minha comunidade, Masafer Yatta, enfrenta todos os dias sob a ocupação israelense.”  “Sem Chão reflete a dura realidade que temos suportado por décadas (...) Pedimos ao mundo que tome ações concretas para acabar com essa injustiça e interromper a limpeza étnica do povo palestino.”  (Basel Adra)

No momento em que estamos assistindo um genocídio em andamento em Gaza, destruição e mortes na Cisjordânia, e que o presidente dos Estados Unidos fala em transformar o território Palestino em um resort, esta vitória é importante.  Se a vitória de Ainda Estou Aqui é emocionante para o Brasil (*talvez, para o México, também, por motivos de Emília Pérez*), a de Sem Chão é mensagem para o mundo.

Enfim, foi uma esta memorável por esses três momentos em especial, para quem qusier saber a lista completa dos vencedores, ela está aqui.  E eu esqueci de apontar as omissões no in memoriam.  Além de norte-americanos, houve o esquecimento de Cacá Diegues, diretor brasileiro recém falecido, e que teve sete de seus filmes indicados pelo Brasil para concorrer ao Oscar.  É isso por agora.

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