Sábado passado, assisti Wicked e minha resenha está atrasada, MUITO atrasada. Gosto muito de musicais, mas confesso que só fui saber da existência de Wicked quando o filme foi anunciado. Também não conhecia o livro de Gregory Maguire, que serviu de inspiração para a peça musical. Uma simples pesquisa na internet, no entanto, é capaz de mostrar o quão popular Wicked é nos Estados Unidos e que o filme, mesmo sendo em duas partes, foi recebido positivamente e já se tornou um dos favoritos a indicações no Oscar. Eu gostei de Wicked, as músicas são muito boas e Cynthia Erivo e Ariana Grande estão excelentes, mas leiam minha resenha como um texto de quem não tem nenhuma ligação emocional com o material, porque eu não tenho mesmo. E vamos para o resumo, estou usando o do Ingresso.com:
"Wicked é o prelúdio da famosa história de Dorothy e do Mágico de Oz, onde conhecemos a história não contada da Bruxa Boa e da Bruxa Má do Oeste. Na trama, Elphaba (Cynthia Erivo) é uma jovem como outra qualquer do Reino de Oz, mas incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter descoberto seu verdadeiro poder. Sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda (Ariana Grande), uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro, que só quer garantir seus privilégios e ainda não conhece sua verdadeira alma. As duas iniciam uma inesperada amizade; no entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que pode perpetuar no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam."
Assisti O Mágico de Oz (1939) acho que umas duas vezes, sei que assisti outras produções baseadas no livro, mas nunca o li. Quando comecei a organizar esta resenha, fui descobrindo que O Mágico de Oz (1900) é somente o primeiro de uma série de livros escrita por L. Frank Baum e que outros autores e autoras já produziram material no universo criado por ele. Wicked, o livro de Gregory Maguire é somente um deles (*e é o primeiro de uma série*) e tem uma abordagem adulta. Qualquer artigo sobre Wicked vai enfatizar que o musical se afasta bastante do livro, o que não é incomum em casos como esse. Um musical é uma releitura do livro e do filme de 1939, já o filme é uma releitura da peça musical. Resumindo, Wicked, o filme, é um derivado de um derivado.
Quando comentei no Twitter que não gostei do filme ser dividido em duas partes (*e não gostei mesmo*), alguém deixou um comentário dizendo que não dava para adaptar o livro em um filme só. Bem, não é uma adaptação do livro, mas do musical. Já no Facebook, um ex-aluno que ama o musical veio pontuar no Facebook que se cortassem uma música sequer do espetáculo da Broadway, os fãs iriam ficar furiosos. OK, só tenho a dizer que dado o sucesso de público e crítica do filme, materializando-se em enorme retorno econômico, dividir em duas partes não teve impacto nenhum. Só espero que a segunda parte não atrase e eu consiga assistir no cinema novamente.
O filme é centrado na relação entre Elphaba e Glinda, começando com a bruxa boa explicando as origens da malvada. A primeira música do filme, "No One Mourns The Wicked", algo como "ninguém lamenta a morte dos perversos", mostra os habitantes de Oz celebrando a morte da "vilã". Glinda se mostra visivelmente incomodada pela celebração, mas atende ao pedido e conta a história de sua "amizade" com Elphaba.
Segundo o relato, Elphaba nasce de um adultério e seu estigma (*resultado da traição/pecado da mãe?*) parece ser sua pele verde, que causa repulsa ao pai e à mãe. Sua irmã menor, Nessarose (Marissa Bode), também não se enquadra nos padrões de normalidade e perfeição de OZ, ela é PCD (*assim como a atriz que a interpreta*), e o pai, que é governador de uma província de Oz, culpa Elphaba por sua condição, afinal, ele obrigou a mãe a tomar um "remédio" que garantisse a normalidade da segunda filha. O excesso do medicamente, segundo Elphaba conta para Glinda mais tarde, causou prematuridade da menina, sua deficiência e a morte da mãe.
Elphaba só recebeu genuíno amor de sua babá, que é um animal falante. Em OZ, há animais comuns e animais com consciência. Uma das questões centrais do filme é como esses seres, outrora ajustados à sociedade de OZ, estão sendo demonizados e perseguidos. Trata-se de uma "caça às bruxas" visivelmente inspirada no Macarthismo, perseguição aos supostos comunistas e aos LGBTQ+ promovida nos Estados Unidos no início dos anos 19. Essa política de medo e de busca pela "normalidade" são as referências mais fortes em Wicked, acredito, e, não, o nazifascismo. Obviamente, não haveria Macarthismo, sem fascismo, que fique claro, mas muita gente esquece desse momento tenebroso da história dos EUA e que pode ser revivido com as políticas prometidas por Donald Trump.
Enfim, Elphaba, que sentiu na pele a discriminação, afinal. ela é verde, se posiciona ao lado dos animais e estabelece uma relação próxima com um dos últimos professores animais de Shiz, Dr. Dillamond (Peter Dinklage). Ele é professor de História e o filme estabelece uma discussão muito pertinente sobre a importância de conhecer o passado, neste caso, que animais e humanos já conviveram harmonicamente. Criar um inimigo é uma das formas mais eficazes de conseguir garantir a união de um povo através do medo para que ele siga cegamente um líder carismático. No caso do filme, é o Mágico de Oz (Jeff Goldblum), que é um picareta, algo que é sabido por qualquer um que tenha tido qualquer contato com materiais ligados ao mundo de OZ. E a coisa nem é escondida, o próprio Mágico irá enunciar isso.
Enfim, Elphaba tem poderes desde a infância, ela não tem controle sobre eles e tenta escondê-los. Ela não iria estudar em Shiz, foi levada pelo pai até a instituição simplesmente para garantir que sua irmã fosse acomodada e se sentisse segura, É a descoberta das suas capacidades que faz com que Madame Morrible (Michelle Yeoh), responsável pela disciplina de feitiçaria, mexesse seus pauzinhos para que Elphaba ficasse na universidade. Apesar de todo esforço de Glinda, a professora não vê mérito nela, pelo menos, não pela sua capacidade de fazer magia. Em um ambiente hostil, que lembra um filme high school e, não, uma universidade, Elphaba tem como único consolo o apoio de Madame Morrible e sua identificação com o Doutor Dillamond.
Isso, claro, até que a relação dela com Glinda, com quem divide o quarto, se torna amizade. Glinda, que era Galinda, mas adota esse nome como uma forma vazia de parecer simpática aos direitos dos animais (*o Doutor Dillamond pronunciava seu nome assim*), é a princesinha da escola. Modelo de beleza e carregando nos ombros a exigência de sempre parecer perfeita. Ela não é má, ela só foi educada para ser fútil e normal, no sentido de não desviar das expectativas de classe social (*ela é rica*) e de gênero (*roupa impecável, pele e cabelos perfeitos, aparentando sempre gentileza etc.*). Elphaba também quer ser normal e a convivência com Glinda, vai fazer com que ela, pelo menos por algum tempo, se esforce para se enquadrar. Sua pele, no entanto, já é uma marca de diferença incontornável.
E Ariana Grande está perfeita no papel de Glinda. Ela é muito, muito simpática, ela canta e dança muito bem. Fora isso, à despeito da presença de Jonathan Bailey (*falo dele daqui a pouco*), há uma química muito grande entre Ariana Grande e Cynthia Erivo. Sim, elas são amigas, mas se o roteiro quisesse, elas poderiam ser mais que isso e seria totalmente crível.
O bonitinho no Jonathan Bailey entra na história para ser o objeto do desejo de todo mundo. Ele é o príncipe Fiyero, um playboy que já foi expulso de várias outras instituições de ensino. Como ele é perfeito e maravilhoso (*em "Dancing Through Life", sua música de apresentação, ele seduz todo mundo é um dos pontos altos do filme*), Glinda acredita que o príncipe é seu parceiro ideal e meio que toma posse dele. Só que Fiyero termina se encantando por Elphaba e descobrimos que ele não é tão superficial quanto ele quer parecer diante dos olhos da sociedade.
E temos uma música lindíssima cantada por Elphaba quando ela descobre que o ama. Em "I'm Not That Girl", ela canta "Ele poderia ser aquele garoto/Eu não sou aquela garota". Homens como Fiyero ficam com mulheres como Glinda. Usei "homem" e "mulher", porque o elenco do filme é bem adulto, mas a música em si me parece coisa pensada para ser cantada pela mocinha adolescente esquisita do filme high school. Pelo menos nessa primeira parte do filme, mesmo sendo uma universidade o cenário principal, as interações são bem juvenis.
Fico me perguntando se ele descobre que não é um imbecil ao se aproximar de Elphaba, ou se ele estava fingindo que era um idiota por algum motivo... Não busquei spoilers, deixa chegar o outro filme. Descobrir que Jonathan Bailey canta foi maravilhoso, agora, ele me parece velho demais para fazer Fiyero. Lindo e talentoso do jeito que ele é, ainda assim não há jeito dele parecer ser novinho como a personagem deve ser. Vê-lo como Fiyero, tentando parecer um quase adolescente, é como ver o Oscar Isaac como Poe Dameron, piloto esquentado e tolinho que só poderia ser convincente de verdade se interpretado por um ator mal saído da adolescência, como um Tom Holland (*na época*). Sei que é necessário suspensão de descrença, mas é complicado.
No fim das contas, Elphaba é acolhida e traída por Madame Morrible. Ela tem poderes, ela pode não parecer "normal", mas ela é útil ao Mágico de Oz e o final do primeiro filme ocorre na capital. Só que Elphaba não aceita se submeter, não quer pertencer a um mundo corrupto. Nasce a Bruxa Má do Oeste (Wicked Witch of the West). Já Glinda, não tem a coragem de romper, mesmo tendo as mesmas informações que Elphaba. Só que ela não parece ter poderes, quero ver como vão explicar o fato dela se tornar Glinda, a boa. Pelo tom melancólico de Glinda ao contar a história de (ex)amiga, colocando sobre Elphaba os estigmas que a propaganda do Mágico de Oz criou, talvez ainda exista salvação para ela. Já Madame Morrible, bem, me pergunto se ela tem poderes de fato, ou é uma picareta como o Mágico de Oz.
Idina Menzel e Kristin Chenoweth, que originalmente fizeram Elphaba e Glinda na primeira montagem da Broadway (2003), fazem uma bela aparição em uma peça teatral, quando as protagonistas estão visitando a capital de Oz. Quando temos a peça dentro do filme, imaginei que fosse uma homenagem e foi.
Caminhando para o final, Wicked é um filme inclusivo, porque temos em tela todos os tipos de pessoas em cena. É a pele de Elphaba que marca a sua diferença, porque ninguém é verde. O Sociocrônica tem um vídeo recente sobre essa questão, de como cores de pele diferentes (*nesse sentido bizarro: verde, vermelho, laranja etc.*) são códigos para se discutir o racismo sem chocar a audiência e driblando a censura, não que Wicked não esteja consciente daquilo que deseja comunicar, obviamente. Com toda a diversidade, porém, há padrões a serem atingidos e Glinda é esse padrão e para se manter nele, ela precisa se esforçar. Por isso mesmo, temos aquela cena clichê do espartilho.
Falando de figurino, Shiz é universidade, mas tem uniforme escolar (!!!). E há uma diversidade de roupas para se ajustar a gostos e identidades de gênero diferentes, eu imagino. Glinda usa suas próprias roupas (*e o vestido peixe do baile é absolutamente LINDO*), assim como Elphaba, mas o resto do elenco está uniformizado. E parece ser uma tendência, algo que eu vi no novo filme de Jogos Vorazes, gente usando saia em cima de calça. É feio, não sei quem acha que isso fica bem em tela, mas não fica, não. Em Jogos Vorazes, o vermelho meio que disfarça, mas em Wicked não tem como.
Mas o filme certamente será indicado ao Oscar de melhor figurino, que, no geral, é muito bonito. Além disso, ele está indicado na categoria filme de fantasia para o cinema no Sindicato dos Figurinistas, premiação que serve de prévia para o Oscar. Deve ser o favorito, aliás. O figurinista do filme é Paul Tazewell e há uma matéria no site Instyle no qual ele explica o conceito do figurino filme, em especial, da personagem Glinda, em Wicked.
O filme deve ser indicado a vários prêmios Oscar, não é favorito, e ser em duas partes não ajuda, mas é um dos queridinhos do momentos. Filme, atriz coadjuvante, design de produção, figurino etc. Se vai ganhar, ou o que vai levar, já é outra história. Talvez, esperem a segunda parte para premiarem Wicked em alguma categoria de atuação e roteiro, mas vai saber.
Enfim, é isso. Gostei das músicas, gostei do elenco, achei o filme bem construído e me manteve atenta o tempo inteiro. Há compromisso com a diversidade e pautas feministas. Ótimo. Agora, não tenho elo emocional com Wicked para dizer que fiquei empolgada. Se eu tivesse levado minha filha, minha intenção inicial era essa e até aceitaria ver dublado se ela fosse comigo, duvido que ela aguentasse as quase três horas de filme. Cortar em duas partes pode ter sido, sim, a melhor escolha. De qualquer forma, Vamos esperar a segunda parte de Wicked para ver se ele se torna um dos meus musicais favoritos.
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