Foi uma semana complicada e o blog está com muita coisa atrasada, mas queria registrar umas coisinhas sobre o filme Além Estou Aqui. Saiu uma entrevista no Globo com Eliana, a filha de Rubens Paiva que foi presa junto com a mãe. Na minha resenha, eu comentei que a menina, porque ela tinha 15 anos somente, foi silenciada pela mãe. Segundo a entrevista, que é muito pesada, somente agora, mais de cinquenta anos depois, ela conseguiu falar livremente sobre o que viveu e sentiu.
Se você viu o filme, a entrevista complementa lacunas e mostra o quanto ele pegou muito leve, leve demais, eu diria. Sim, eu sei, o foco foi na mãe, mas mesmo nesse aspecto houve omissões incríveis. Eliana conseguiu sair de casa quando os agentes estavam lá, ela recebeu a incumbência de avisar um tio. Logo, a prisão da garota, que teria sido ameaçada por um dos agentes, não foi gratuita como no filme. Inclusive, outras pessoas, adolescentes até, foram presas, também, porque o telefone de casa estava grampeado. O filme não mostra o que fizeram com ela. Pela entrevista, Eliana, a menina de 15 anos, passou o terror nas 48 horas que esteve na prisão, abuso sexual incluso.
Tendo em vista o que ela passou, não me espanta o bloqueio e os esquecimentos. Outra coisa, ela fala da impossibilidade de viver o luto, de nunca ter enterrado o pai. Algo que eu, Valéria, considera muito, muito cruel, é negar a alguém o direito de enterrar os seus, vide a peça Antígona de Sófocles, de viver o luto. É um dever ancestral sepultar (*ou seja qual ritual, seja*) seus entres queridos. Enquanto isso não pé feito, é como se a pessoa continuasse aqui, sem estar. É o que eu considero mais odioso na ditadura. Quantas famílias ainda estão esperando e sofrendo, mesmo que, racionalmente, saibam que essas pessoas partiram, ou foram arrancadas desse mundo.
Outra coisa, os avós não aparecem no filme, mas ficaram cuidando dos netos menores, eles não ficaram somente com a empregada; já quem quem tirou o carro de Rubens Paiva, com recibo, inclusive, do estacionamento do DOPs foi a irmã de Eunice. No filme, a personagem de Fernanda Torres simplesmente sai dirigindo o automóvel sem prestar contas a ninguém. Não comentei na resenha, mas fiquei meio de cara com aquilo. De qualquer forma, darem recibo de retirada do carro de um cara que, a rigor, o Estado negava que tivesse passado pelo lugar é muita burrice. E, sim, essas burrices acontecem.
O filme é obra de ficção, que fique claro, e foi baseado nas lembranças de um menino de 10 anos (*ao que parece*), mas o relato da Eliana me deixou com um gosto muito amargo na boca, porque fez o filme parecer muito superficial. Não ruim, vejam bem, mas, comparativamente, muito menos violento e mais comedido do que poderia ter sido. Enfim, comecei a ler o livro ontem, vamos ver o que está lá, porque é a base do filme. Quando terminar, resenharei o livro, também. A imagem de abertura do post é um dos cartazes norte-americanos do filme.
Valéria, eu postei no Twitter essa entrevista da Eliana sem explicar, mas ela é de 2012. Não é de agora, não. Nada do que você falou fica invalidado, porém achei melhor avisar.
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