sábado, 9 de novembro de 2024

Com a vitória de Trump, Movimento coreano 4B ganha adeptas nos Estados Unidos

Como vocês já devem saber, afinal, trata-se da eleição mais importante do mundo, Donald Trump venceu Kamala Harris.  Não quero me esticar aqui, mas foi, sim, uma vitória robusta, tanto no voto, que para as regras de lá é algo pouco relevante, quanto no colégio eleitoral, que é o que legalmente conta de verdade.  Junto com Trump, retorna ao poder gente que tem, sim, o objetivo de confiscar direitos civis, em especial, os reprodutivos, das mulheres.  

Por exemplo, um dos memes mais frequentes a circular nesse aspecto traz um homem com uma camiseta escrita "Her body, my choice.", enfatizando que o corpo é feminino, mas a escolha é dos homens.[1]  Se Trump abraçar, e não acredito que o faça integralmente, as propostas dos grupos reacionários que o apoiaram, implantando a Projeto 2025, o retrocesso será geral e, no caso específico das mulheres, as possibilidades de aborto seguro nos Estados Unidos serão ainda mais reduzidas.  O movimento 4B está parecendo atraente para jovens mulheres que tiveram contato com ele pela internet.

Enfim, o que é mesmo o movimento 4B? Segundo um artigo que traduzi em abril, o movimento 4B nasceu na Coreia do Sul, como uma reação à misoginia local.  Os 4 Bi (*4 nãos*) significam quatro princípios “Bihon” (sem casamento heterossexual), “bichulsan” (sem parto), “biyeonae” (sem namorar homens) e “bisekseu” (sem relações sexuais heterossexuais).  Seria uma resistência semi-organizada, porque se iniciou e continua como uma onda na internet, que se volta contra uma sociedade heteronormativa e de um patriarcado cada vez mais violento, porque é reativo.

A partir daqui, vou citar diretamente o artigo "Não a homens e a filhos: veja o movimento que ganhou atenção em redes sociais após vitória de Trump", publicado no The Washington Post por Kelly Kasulis Cho e Kelsey Ables.  Não consegui quebrar o paywall do original, então, estou trabalhando com o texto do Estadão, que diz bem no final que tudo foi traduzido por IA.  Olha, usar como apoio, OK, mas tudo?!  Enfim, cito o artigo e volto no final: 

"Embora para alguns os princípios do 4B possam parecer radicais, para Michaela Thomas, uma artista de 21 anos que vive na Geórgia(EUA), o 4B é simplesmente uma forma de “mostrar às pessoas que as ações têm consequências”. Michaela tomou conhecimento do 4B online há mais ou menos um ano, disz [sic] ela, e atribui o recente aumento de interesse ao fato de os homens jovens votarem em candidatos republicanos.

“Os homens jovens esperam sexo, mas também querem que não tenhamos acesso ao aborto. Eles não podem ter as duas coisas”, diz ela, referindo-se à postura antiaborto de muitos líderes republicanos. “As mulheres jovens não querem ter intimidade com homens que não lutam pelos direitos das mulheres; isso mostra que eles não nos respeitam”, acrescentou.

Dados da pesquisa de boca-de-urna mostram que 55% dos homens votaram em Trump na eleição de terça-feira, enquanto 53% das mulheres votaram na vice-presidente Kamala Harris.

Sunyoung, professora da USC, [2] diz que, embora na Coreia do Sul as disparidades econômicas tenham impulsionado o movimento 4B, nos Estados Unidos parece ser mais o “conflito político e a divisão entre os gêneros que está dando impulso ao 4B”.

“Trump estava apelando explicitamente para os eleitores homens jovens” durante sua campanha, disse. Enquanto isso, “as mulheres americanas veem que os homens jovens estão votando nesse candidato conservador que está ameaçando sua autonomia corporal”.

Nas horas que se seguiram à vitória de Trump, as mulheres jovens passaram a compartilhar nas mídias sociais postagens que desmembravam o movimento 4B. Como conceito, as “greves sexuais” remontam pelo menos à antiga peça grega “Lysistrata”, na qual as mulheres juraram não fazer sexo para protestar contra a Guerra do Peloponeso. Nos Estados Unidos, a cantora Janelle Monáe sugeriu uma greve em 2017. A atriz Julia Fox disse que está celibatária há mais de dois anos em resposta à derrubada de Roe.

Breanne Fahs, professora de estudos sobre mulheres e gênero na Universidade Estadual do Arizona, disse que, após a eleição, “as mulheres jovens não confiam que seus direitos reprodutivos estejam garantidos e, por isso, estão se voltando para novas formas de afirmar sua agência e recuperar o senso de controle sobre seus corpos”.

Ela observou que o 4B está “em toda parte” no momento e apontou uma série de desafios enfrentados pelas mulheres, como as pressões nos relacionamentos pessoais “para acomodar os desejos e as fantasias dos homens” e questões mais amplas, como o aumento da misoginia.

“Não deveríamos nos surpreender quando esses tipos de colisões catastróficas produzem nas mulheres uma recusa geral em seguir os papéis tradicionais de gênero”, disse ela.""

Voltei!  Espero, sim, que as mulheres se mobilizem de tal forma que, na próxima eleição, a câmara e o senado norte-americano possam ter outra configuração.  Obviamente, movimentos radicais (*neste caso, que apontam que a origem do mal é o patriarcado*) tendem a parecer assustadores para certos segmentos e Trump não irá poder competir a uma nova eleição, pois a 22ª Emenda (1951) proíbe.  Das duas uma, ou ele vai tocar terror mesmo, e vender os direitos das mulheres nunca foi um problema, ou vai arrumar um jeito de passar por cima da lei. 

Dito isso, espero que as norte-americanas sejam bem sucedidas e o que começou como #MeToo e ganhou uma face coreana muito fundamentada na própria realidade sul coreana possa ajudar a criar uma reação nos Estados Unidos ao backlash que estamos testemunhando faz alguns anos.  E, depois de montar o post, joguei "4B USA" no Google e achei artigos sobre o tema em vários veículos e deixo o link para o The Guardian, The New York Times, USToday, NPR e Al Jazeera.


[1] O autor da frase "Her body, my choice." é um tal Nick Fuentes.  Ele, que é latino, se autoproclama incel e é supremacista branco, misógino, homofóbico e antissemita.  Novinho, ele é uma espécie de Nicholas Ferreira norte-americano.
[2] 
Sunyoung Park é professora associada de línguas e culturas do Leste Asiático e estudos de gênero e sexualidade na Universidade do Sul da Califórnia, em Dornsife.

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