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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Comentando os primeiros capítulos de Garota do Momento: Parece que Alessandra Poggi vai acertar novamente

Segunda-feira passada, estreou Garota do Momento, assinada por Alessandra Poggi, autora de Além da Ilusão, novela que tanto comentei aqui no blog.  Começo dizendo que estou gostando bastante da novela, por isso, estou atrasada com os capítulos de Corpo à Corpo.  Tenho críticas à novela?  Sim, já tenho algumas, mas como sei que outros posts virão, vou desenvolvendo mais ideias depois.  De qualquer maneira, este é um post de avaliação inicial e começará com um resumo da trama do núcleo central.

A história começa no ano de 1942, com Clarice (Carol Castro), uma jovem viúva, partindo de Petrópolis para o Rio de Janeiro com o objetivo de expor suas pinturas.  Ela deixa para trás a filha Beatriz, de 4 anos, sob a guarda da avó paterna, que cuida de um orfanato.  No Rio, Clarice conhece Juliano (Fábio Assunção), um homem rico, herdeiro da Perfumaria Carioca, que se apaixona por ela, mas a mãe do sujeito, Maristela (Lilia Cabral), não aceita o fato dele querer se casar com uma mulher que já tem uma filha.

Juliano enfrenta a mãe, mas eis que uma antiga amante, a vedete Valéria (Julia Stockler), aparece com a filha que teve com ele exigindo o reconhecimento da criança, que tem grave doença cardíaca, e compensações, ou fará um escândalo.  Juliano tem uma discussão violenta com a ex-amante e a mata por acidente. Clarice chega na hora e testemunha a cena do crime.  Transtornada, a mulher sai correndo e é atropelada por um bonde.  Maristela consegue se livrar do corpo de Valéria, enganar a mãe da vedete (Bete Mendes) e se apaixona pela neta, que tem a mesma doença de sua filha que faleceu.  Disposta a matar Clarice, ela muda de planos ao descobrir que a mulher perdeu a memória.

Maristela apaga o passado de Clarice, manda destruir seus quadros (*mas Juliano guarda alguns em seu cofre no trabalho*), arranja-lhe até uma irmã, a picareta Zélia (Letícia Colin).  Clarice só se lembra que tem uma filha e acaba sendo convencida que a filha de Juliano é sua e que a pequena se chama Beatriz, ou Bia, como será chamada por todos.  Casados, Clarice segue para os Estados Unidos, onde a menina receberá os melhores cuidados médicos.  Estamos agora em 1958, Beatriz (Duda Santos) tem vinte anos e vê no jornal uma fotografia, tirada e publicada por descuido, da mãe com Juliano.  Ela decide ir ao Rio de Janeiro reencontrá-la e tentar descobrir o motivo dela nunca ter voltado para casa.  Na capital, a jovem conhece Beto (Pedro Novaes) e se apaixona pelo moço, sem saber que ele é namorado de Bia (Maísa), a filha que sua mãe acredita ser sua.

Até o capítulo de 14 de novembro, Beatriz já tinha encontrado com a mãe e estava perplexa por não ser reconhecida, além de descobrir que há outra filha no seu lugar.  Não sei se essa rapidez toda pode gerar problemas mais para frente, porque a novela terá que inventar novos entrechos e dar mais espaço para outros núcleos.  Já li notícia, inclusive, dizendo que, em breve, Clarice irá começar a recobrar a memória.  Eu seguraria isso por mais uns bons capítulos, criando antes um laço entre mãe e filha biológica.  De qualquer forma, perda de memória é um recurso novelístico clássico e eu prefiro assim, no início da trama, ajudando a ser o seu motor, do que como uma saída capenga quando a história perde fôlego e precisa continuar.

Falando de Duda Santos, a jovem atriz está confirmando o seu talento como protagonista da novela das seis, depois de ter encantado quem não a conhecia (*como eu*) como a Maria Santa de Renascer.  Fora isso, ela é tão bonita que é difícil tirar os olhos dela.  Há quem esteja lamentando que ela não tenha sido escalada para ser Maria de Fátima do remake de Vale Tudo, enfim, eu não a queria lá mesmo, defendi e continuo defendendo, que a vilã deveria ser interpretada por uma atriz branca (*post aqui*), mas dou mais um motivo.  Como Beatriz, Duda Santos está livre para trabalhar sem a pressão de ter a sombra de Glória Pires a assombrando.  

Tenho muita pena da maioria dos escalados para o remake de Vale Tudo, muita pena mesmo, mas o peso maior deve ficar nas costas de Bella Campos.  Não quero que nenhuma atriz jovem tenha que passar por coisas como a que Adriana Esteves sofreu como Mariana na primeira fase de Renascer.  Tenho pena da Bella Campos, porque ela é muito menos madura como atriz do que Duda Santos e as então jovens Adriana Esteves e Glória Pires. Enfim, sigamos.

Maísa convence como a menina mimada que mistura expressões em inglês com português (*para traduzir depois*) e tem uma paixão doentia pelo namorado.  É um relacionamento tóxico temperado com conselhos de revistas femininas dos anos 1950-1960.  Elas pregavam que as mulheres fossem dóceis e compreensivas, Bia inclusive é levada a aceitar que Beto olhe para outras mulheres, desde que fique com ela no final.  Claro, é mais fácil falar do que fazer, especialmente, quando ela foi educada para ter tudo que quer e todos a seus pés.  A doença da moça é usada como chantagem e a família, avó e pai, terminam fazendo as vontades dela para evitarem uma crise.

Falando em pai e avó, algo inegável é que eles amam a garota, mesmo mentindo para ela.  Bia crê ser filha de Clarice com um homem que a abandonou e não ter o mesmo sangue do pai e da avó.  Vejam que, mais cedo, ou mais tarde, o mundo da personagem vai cair.  Espero que isso não resulte em Bia se tornando juventude transviada.  Tenho baixa tolerância com esse tipo de trama e ela já foi usada em Além da Ilusão.  😆 

Agora, como a foto da tia, que é a própria Maísa está na sala de estar e ela nunca se questionou sobre isso?  Enfim, a personagem de Lília Cabral é uma vilã com "v" maiúsculo, capaz de qualquer coisa e ela continua desprezando Clarice, a mulher só atura  a nora por causa do filho e de Bia.  Se precisar, se as coisas ficarem complicadas, ela vai tentar se livrar de Clarice e se livrar é isso mesmo, fazer desaparecer da face da Terra.  

Já Fábio Assunção parece difícil de engolir como filho de Lilia Cabral.  A diferença de idade entre eles é pequena e Lília Cabral não parece tão velha e Assunção não parece tão jovem.  Foi mais bizarro no primeiro capítulo, claro, quando deveriam ter usado um elenco mais jovem, mas continuo achando estranho.  E ele está bem no papel e continua bonito, só que ele aparenta ter a idade que tem e seu figurino acentua o fato dele ser o que é, um homem maduro em uma época em que se deveria passar uma ideia de austeridade que reforçasse a aura de poder.

Carol Castro vai bem como Clarice, que continua desmemoriada, mas tenho problemas com a composição da personagem.  Ela era casada com um homem negro que era professor, isso colocava a família dentro daquilo que poderíamos chamar de classe média da época.  E, sim, havia muitos professores e professoras negros.  Há um livro chamado Diploma de Brancura, que discute como, durante a Era Vargas (1930-1945), a profissão foi branqueada através da propaganda e da seleção de candidatos nas escolas normais.  

Clarice é uma mulher fina e educada, ao perder o marido, ela poderia fazer uma série de coisas, como lecionar, nem que fosse em uma escola doméstica, isso, claro, se ela mesma não fosse professora primária ou algo semelhante.  Colocá-la como lavadeira, só para que ela tivesse uns insights de sua vida anterior, com a empregada confidente, Coralina (Cilene Guedes), se perguntando como a patroa sabe isso, ou aquilo, me parece forçado.  O que quero dizer é que saber ler e escrever em um país de analfabetos era um capital simbólico grande. 

Essa situação me irrita quase tanto quanto ver o filho da vilã Constância (Patrícia Pillar) de Lado a Lado, moço branco, fino, com nível superior, ir servir balcão para aprender a ser gente.  Aliás, por causa das m####s que o Rafael Cardoso fez e ainda anda fazendo (*Ex.: 1 - 2 - 3.  podem procurar mais*), A Vida da Gente, Lado a Lado e Além do Tempo (*que eu gosto muito*) vão ficar na geladeira sem poderem ser reprisadas.   🤬

Agora, como Beatriz disse que o pai foi morto, porque a polícia imaginou que ele, por ser negro, fosse bandido, isso poderia ser usado como justificativa para que a esposa perdesse o emprego e terminasse lavadeira.  A condição tão humilde de Clarice depois da morte do marido, que era pintora nas horas vagas, precisava de maiores explicações.  A novela não deu ainda e eu duvido que dará.  Duvido mesmo.  De qualquer forma, essa parte, assim como o orfanato em Petrópolis que fica em uma mansão, são meio difíceis de engolir.  

Aliás, boa parte do elenco ter telefone é outra coisa muito estranha.  Telefone era para poucos, era caro.  Às vezes, só se tinha telefone no comércio, e todo mundo pagava para usar.  Fica parecendo coisa comum.   As duas maravilhosas fofoqueiras da trama, Aparecida (Mariah da Penha) e Conceição (Arlinda Di Baio), poderiam trocar as suas maledicências no mercadinho, na missa (*seria uma delícia*), na praia (*todo mundo parece estar em Copacabana mesmo*), como faziam, aliás, personagens de Gilberto Braga em Anos Rebeldes.  Mas é impossível não gostar das duas, elas são muito divertidas.

Retornando, parte do plano de Maristela para manter Clarice no escuro e Juliano e Bia felizes, é Zélia.  No começo da novela, ela era funcionária de Maristela e a roubava.  Descoberta pela vilã, ela ficou lhe devendo.  Zélia acabou saindo na vantagem, porque conseguiu também uma vida falsa, por assim dizer.  Só que Maristela questiona Zélia, lá em 1942, como ela tinha uma conta em banco sem a assinatura de um homem.  Há alguém na vida de Zélia, que agora é casada e no Uruguai para poder se divorciar, que certamente terá algum papel futuro na trama.  Falando em Zélia, seu figurino no primeiro capítulo foi o mais estranho de todos.  Cabelo e roupa não casavam com a época, parecia coisa de figurante de mangá no qual a autora só se preocupa com os protagonistas.  Se a ideia era fazer parecer que ela não tinha classe, não funcionou.  Agora, na fase atual, ela tem um visual vulgar que é acentuado, claro, pelo fato do comportamento acompanhar as roupas.

Falando do mocinho, porque temos que falar dele, não é?  Pedro Novaes é lindo, uma mistura agradável do pai (Marcelo Novaes) com a mãe (Letícia Spiller), e eu gosto de ver gente bonita nas coisas que eu assisto, mas ele não tinha condição de ser protagonista.  Isso fica ainda mais evidente quando ele está contracenando com gente que é boa de verdade, seja Duda Santos e Maísa, ou veteranos como Danton Mello, que faz seu pai.  Sei que ele não foi escolhido por talento, lembro de como gente como Rodrigo Santoro era ruim em início de carreira e melhorou muito, mas ele não era escalado para fazer protagonista.  A Globo tinha mais cuidado com essas coisas em outras épocas.

Beto se dividindo entre Bia e Beatriz, sendo incapaz de romper com a namorada, e meio que enrolando a protagonista dizendo que a quase ex era doente, foi bem realista. Tanto quanto Juliano perdendo a paciência com a ex-amante e batendo nela.  Quando a mocinha aceita o beijo dele sabendo que ele tinha namorada, foi complicado, não por causa dele, mas da Beatriz, mas gostei como ela se arrependeu logo e Beto se posicionou.  É exagerado esse amor arrebatador, mas é novela.  Resta saber o quanto de obstáculos eles terão que superar para ficar juntos.

Vou falar um pouquinho de outras personagens e núcleos e de outros incômodos.  Algumas tramas prometem muito e podem segurar a novela caso o drama central comece a se tornar cansativo.  Paloma Duarte está ótima como sua Lígia, mulher que queria ter uma carreira, nesse caso cantora, e foi castrada pelo marido, Raimundo (Danton Mello).  Eles ainda se amam, ou se desejam, o que deve dar na mesma nesse caso.  Conforme seria a lógica da época, ele lhe negou acesso aos filhos.  Ela não os abandonou, mas ela defende que precisava se amar primeiro.

Lígia falhou como mãe em uma sociedade que exige que a maternidade seja o centro de sua vida, que o destino de uma mulher é servir.  Sabe o dispositivo amoroso?  Houve uma cena maravilhosa esta semana em que Lígia contracena com a irmã, Teresa (Maria Eduarda de Carvalho), que explica qual é a função de uma mulher, para logo em seguida ser soterrada com uma série de exigências domésticas que a sufocam.  

Teresa carrega uma grande culpa, o acidente doméstico que marcou sua filha, Eugênia (Klara Castanho), e tem TOC (transtorno obsessivo compulsivo) com arrumação e limpeza, controle, enfim.  Espero que ela supere, que a novela trabalhe isso, mas é engraçado ver a personagem no fundo de algumas cenas na casa de outras pessoas arrumando almofadas tortas e coisas do gênero.

Voltando para Lígia, como estamos nos anos 1950, há a desculpa dela não ter tido escolha.  Casou-se no final dos anos 1930, provavelmente, muito jovem, nunca escondeu seus desejos do marido, tentou ser uma dona de casa modelo da elite carioca e falhou.  Fosse hoje, Lígia não precisaria se casar com Raimundo, sua briga, talvez, teria que ser anterior, com pai e mãe.  Eu compreendo a personagem e sua dor, também, e ver Paloma Duarte atuando em um bom papel é ótimo.  Agora, para que ela fique junto com o marido, ele deve mudar.  Por enquanto, o drama dos dois está sendo muito bem construído.

E temos os filhos de Lígia e Raimundo.  Beto é o mais velho, mas quem parece ter mais idade é Ronaldo (João Vítor Silva).  É o figurino, o bigode, o fato dele se esforçar por cumprir um papel tradicional que o fazem parecer mais velho.  O moço quer a estima do pai, o lugar do irmão, mas é visto como intelectualmente inferior e menos bonito também.  É o único que mantém uma relação com a mãe, mas é algo doentio, por assim dizer.

Celeste, a outra filha, personagem de Débora Ozório, é educada pelo pai para ser a moça modelo.  Eu gosto da atriz, a personagem é fofinha, e ela está em uma parceria ótima com a Eugênia de Klara Castanho.  Quando ela apareceu lendo Jane Eyre, imaginei que colocassem um Mr. Rochester na vida dela para bagunçar com tudo.  Para quem não conhece a história, e eu tenho resenha de muitas adaptações de Jane Eyre no blog, porque amo o livro e coisa e tal, seria um homem 20 anos mais velho e com um pasado um tanto complicado, mas não será isso, ela fará par com o outro fofinho, que é a personagem do Caio Manhente.

Edu faz parte de uma família tradicional de classe média baixa.  Tem uma mãe inteligente e bem informada, mas que se esforça para se rebaixar diante do marido.  Maria Flor, a atriz que interpreta Anita, me parece jovem demais, mas ela tem a idade adequada.  O marido, Nelson (Felipe Abib), que me parece uma versão genérica do Alexandre Nero, é o modelo acabado de pai e marido machista.  Espero que a autora segure a mão, ou cairemos em uma caricatura.  Ele faz pouco caso de Edu, que confronta o pai, porque ele não quer seguir uma carreira tradicional.  

Edu prestou vestibular para Astronomia e eu fui pesquisar para ver quando se criou o primeiro curso de Astronomia no Brasil.  Desta vez, diferentemente do que houve com a história do curso de Administração em Além da Ilusão, a autora acertou.  Foi na UFRJ, em 1958.  Enquanto isso, Guto (Pedro Goifman), o caçula, está tentando agradar o pai e se prepara para o curso de Medicina.  Já na primeira semana, Nelson se aborrece em casa e leva Guto para um bordel.  

O comportamento do rapaz com a prostituta fez com que o pessoal no Twitter começasse a aventar que ele seria gay, afinal, até agora, não apareceu nenhuma personagem LGBT+, no entanto, parece não ser o caso.  Ele está interessado em em Eugênia.  Ambas as personagens são emocionalmente frágeis, então, se o relacionamento dos dois avançar, acredito que eles irão se apoiar mutuamente.  Eugênia tem pais amorosos, mas um imenso complexo de inferioridade por causa das queimaduras que sofreu.   Ela também vive se bicando com o primo, Topete (Gabriel Milane), uma caricatura de rebelde sem causa.  Quando olho para ele só penso que parece um palhaço e não passa por alguém de mais ou menos 20 anos, porque já foi dito que ele está cursando o último ano do colegial pela terceira vez.  Ele é enteado de Zélia e os dois também vivem se bicando.  Ele parece saber uns e outros podres da madrasta.

Voltando ao Nelson, me pergunto se ele não terá outra família, isso justificaria suas longas ausências.  Ou se não seria o pai do filho de Marlene (Ana Flávia Cavalcanti), que sonha em ser química e acabou se tornando secretária de Juliano em uma cena das mais esquisitas.  Aliás, acredito que Garota do Momento seja a novela com o maior elenco negro que já vi e organizada em núcleos familiares e que se relacionam entre si.  Há gente que não tem família, caso de Glorinha, que mora na pensão da fogosa e falsa moralista Iolanda (Carla Cristina Cardoso) onde Beatriz está hospedada, mas se estabeleceu uma espécie de comunidade que se apoia.  Há o Clube Gente Fina, que é frequentado majoritariamente por negros, também.

Colocar personagens negras com família e laços de comunidade rompe com uma tradição das telenovelas de criar personagens pretas isoladas e cujo vínculo é com algum núcleo branco ou personagem branca, não raro em situação de subalternidade.  Este é o caso de empregadas domésticas, mordomos, cozinheiras, motoristas etc.  A família de Beto tem uma governanta negra, Vera (Tatiana Tiburcio), que é mãe do melhor amigo do rapaz, Ulisses (Ícaro Silva).  Ela é uma espécie de mãe substituta de Celeste e Beto (*não a vi interagindo com Ronaldo ainda*), mas está longe de estereótipos.  Já as domésticas, as que vi não são negras.  A empregada intrometida de Teresa, papel que normalmente é entregue a uma atriz negra, é branca.  

A maioria das personagens negras da trama são de classe média baixa.  Isso é bom e é, também, um mascaramento de uma situação que ainda existe.  A maioria das domésticas são mulheres negras, não secretárias, como na trama.  Enfim, mas a novela tem fugido de estereótipos e é muito interessante.  O problema é que na fuga, talvez se crie uma falsa imagem do passado.  Sei que a autora é muito competente e não vai cometer nenhuma atrocidade, mas é preciso atenção.

A cena em que Duda Santos mais brilhou, quando foi a Lei Afonso Arinos (1951), a primeira a criminalizar o racismo, foi evocada pela protagonista acusada injustamente de roubo, teve um texto que me incomodou.  Tudo parecia tão anacrônico e tão arrumadinho.  Será que que uma jovem mulher negra usaria palavras como "preconceito" em uma situação como aquela?  Não queria ver a Beatriz cair na vala comum de uma personagem irritante e fora da casinha como a Pilar de Nos Tempos do Imperador.  

E, sim, havia movimento negro no Brasil bem antes dos anos 1950.  Afonso Arinos, que era um deputado da UDN, partido de direita, não se moveu para lutar por uma lei no vazio.  Aliás, já se falou de JK e eu não ouvi o nome de Carlos Lacerda ainda.  No Rio de Janeiro, em 1958, nem as duas fofoqueiras moralistas ou Juliano terem evocado Lacerda é muito estranho.  Voltando ao racismo, uma amiga de incomodou com a fala de Juliano dizendo que não era racista, porque tinha empregados negros, convivia com pessoas de cor (*o termo era usado, mas ele não usou*), mas a fala dele era crível, mais ainda, porque não implicava em ter que ter pessoas negras casando em sua família, ou fazendo parte do mesmo mundo.  Aliás, quem mandou a real para a Beatriz foi Maristela no confronto de ontem.

Aliás, Juliano falou a mesma coisa que o Alfredo Fraga Dantas, vilão de Corpo a Corpo disse em uma novela de 1985.  É uma autodefesa usada até hoje.  Agora, a mocinha orgulhosa fazer um discurso inflamado cheio de palavras que nos soam bem aos ouvidos é que é estranho, mas a autora certamente quer dialogar com o público atual.  

O problema é a coisa soar falsa.  Por exemplo, Glorinha, que quer ser cabelereira, me parece totalmente alienígena.  Suas roupas e cabelo parecem gritar fim dos anos 1960 e, mais especificamente, anos 1970.  Posso estar errada e, de novo, sei que a história do cabelo da personagem faz parte da pauta positiva da autora, mas eu, que era uma menina de cabelo quase crespo sei bem que esse black não seria aceitável fora de círculos muito alternativos.  Imagina nos anos 1950!  O padrão de beleza negra feminina admissível era uma Ruth de Souza.

Cresci com gente no meu entorno dizendo que não se deve cortar cabelo com mulheres negras, porque elas tem mão ruim e o cabelo fica crespo.  Minha avó ficava insistindo com a minha mãe sobre isso.  Todas as mulheres e meninas negras costumavam alisar os cabelos, ou escondê-los por baixo de lenços.  E eu cresci nos anos 1980.  Era muito fantástico ver Dona Maria, que era lavadeira e mãe da minha melhor amiga, tirar seu lenço em dia de festa e exibir seu cabelo belamente trançado.  Era a única mulher negra que eu conhecia que tinha cabelos longos e não os alisava. 

Essa minha amiga querida alisa o cabelo até hoje, mas nunca aceitou que dissessem que seu cabelo era ruim.  Uma única vez a mãe dela foi chamada na escola, ela discutiu com um professor que disse que, mesmo sendo negro, não tinha cabelo ruim como o de fulana e cicrana.  Uma das meninas era ela, que perguntou o que o seu cabelo tinha feito para ele chamá-lo de ruim, que seu cabelo era bom como qualquer outro.  Eu vi, ouvi, passei por muita coisa, menos do que as mulheres que eram prontamente identificadas como negras de "cabelo ruim" para achar essa naturalização do cabelo negro, que já veio de Além da Ilusão, como algo bonitinho.  Seria melhor problematizar a coisa, porque até que chegássemos ao que temos hoje, muitas mulheres e meninas sofreram, foram humilhadas e lutaram.

E, antes de terminar, foi esquisito ver o pessoal limpando o Clube Gente Fina e ver as mulheres de salto no meio da lama.  Ali seria o momento de colocar todo mundo o mais despojado possível.  Também foi estranho ver a Beatriz de calças compridas.  Ela é uma moça de Petrópolis, interiorana.  Ela tem ideias modernas, antirracistas, feministas, acho ótimo, mas calças compridas não era coisa que toda moça usasse.  As velhas fofoqueiras criticam Ana Maria, a filha de Iolanda, quando ela sai de calças compridas, porque era coisa de moça moderna e/ou desavergonhada e, assim como negros não eram admitidos em todos os espaços, mulheres de calças compridas também passavam aperto.  Bia, que é rica, que morou nos Estados Unidos, estar com calças em casa, OK.  Glorinha, que é modernete, a gente engole, mas a Beatriz poderia passar por alguma transição.  

Figurino é fundamental na construção de uma personagem.  Poderiam esperar ela virar modelo para operar alguma transformação.  Talvez, a ideia seja criar um figurino que possa ser imitado.  As peças de Beto, por exemplo, continuam usáveis.  Mas nem sei se uma novela das seis conseguiria provocar algo assim nos dias de hoje, por mais popular que ela fosse.  Ah!  A trilha sonora da novela é boa e a abertura em animação é simpática.  Ver a Emília (Gaby Amarantos) de Além da Ilusão fazendo uma participação na novela foi legal, mas eu achei que seria maior do que foi.  E acabei de descobrir que ela vai voltar.

É isso, a novela tem acertado em muitas coisas e é gostosinha de assistir. Espero que não fiquem cobrando demais da autora, mas ela já falou da pressão por audiência. Esse imperativo vem atrapalhando várias novelas da Globo nos últimos tempos, não se tem mais a paciência de deixar a história andar, ganhar força e cativar o público.  Tudo tem que ser para ontem. Acabei escrevendo demais, o texto ficou exagerado, especialmente, esse final, mas, enfim, já foi.  Afinal, eu sabia que iria acontecer isso, mas eu não escrevo sobre novela faz tempo e detesto deixar as coisas passarem, porque eu gosto de telenovela e acredito que é importante fazer esse tipo de resenha.  Preciso comentar Corpo a Corpo, meu texto sobre Elas por Elas está no rascunho.  Estou muito atrasada mesmo.

Um comentário:

  1. Vi os 3 primeiros episódios, não tenho costume de ver novela, novela das 18h é mais complicado para mim porque é a hora que tô voltando da aula, mas eu gostei do que eu vi, agora o Pedro Novaes falando que tinha orgulho de ser um nepobaby "com talento" foi algo que me deixou meio meh

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