Kanata Kara (彼方から), de Kyoko Hikawa, é um isekai publicado entre 1993 e 2003 na revista Lala. Ele é contemporâneo de Fushigi Yuugi (1991-1996), que teve animação, e Anatolia Story (1995-2002), Amakusa 1637 (2000-2006), por exemplo, só para citar três séries shoujo que tem premissa semelhante. Como fui olhar Kanata Kara? Bem, conhecia o mangá, nunca tinha lido nada dele, mas alguém sugeriu a semelhança com Hoshifuru Oukoku no Nina (星降る王国のニナ), não vi nenhuma significativa, nenhuma mesmo, mas comecei a ler o volume #1 perto da meia noite e só fui dormir depois de terminar. Mas vamos ao resumo desse começo da série:
Um dia, caminhando para casa da escola, Noriko, uma simples colegial, acaba sendo pega em um atentado terrorista. Em vez de ser explodida em pedaços, ela se vê transportada para outro mundo; um mundo em que a escuridão parece estar aumentando, enquanto os poderosos dos vários estados locais procuram desesperadamente por um ser conhecido como o Despertar, que dizem que irá acordar o Demônio do Céu. Ela acha esse novo mundo perigoso e assustador, mas Noriko não tem escolha a não ser se juntar ao homem misteriosamente poderoso que ela encontra ao chegar. O enigma deste mundo e seu papel nele se revelarão gradualmente, mas o mais importante primeiro: Noriko deve aprender a língua deles!
O que mais me pegou nesse início de Kanata Kara foi exatamente isso, Noriko não fala a língua do lugar. Ela entende rapidamente que é questão de sobrevivência conseguir se comunicar. Noriko passa a prestar atenção e começa a captar palavras como "água" e verbos que poderiam facilitar a sua comunicação, especialmente, com Izark, o guerreiro solitário que a resgata e protege dos perigos da floresta onde Noriko se materializa e de todos os que querem ter acesso a ela. Sabemos quase nada de Izark, mas, em um determinado momento do volume #1, ele diz em pensamento que precisa matar Noriko. Obviamente, ele não conseguirá, o destino dos dois, como na maioria dos mangás do tipo, está selado desde o seu primeiro encontro.
Se vocês quiserem spoilers, o mangá já tem quase trinta anos, Izark é o demônio, ou, assim, ele acredita. Por isso, sofreu com o ostracismo e leva uma vida solitária. Estar com Noriko irá causar transformações nele. No final do primeiro volume, trata-se do gancho mesmo que termina o capítulo, ele começa a passar mal, quando Noriko vai ajudá-lo, ele repele a moça.
Enfim, Kanata Kara é um mangá interessante, ele recebeu o maior prêmio da ficção científica japonesa, o Seiun, na categoria mangá em 2004. Sim, mangás de fantasia são, em alguns casos, considerados ficção científica especulativa. O pessoal da Literatura certamente explicaria melhor que eu. Há gêneros que são considerados fantasia pura, como Senhor dos Anéis, ou Guerra dos Tronos, e outros que, por motivos que muita gente, como meu marido, acha absurdos, acabam caindo ou em ficção científica social ou em ficção científica especulativa, o que eu acredito que seja o caso de Kanata Kara. De qualquer forma, nada vi de ciência nesse primeiro volume.
O traço de Kyoko Hikawa, que é da mesma geração de Chiho Saito, é típico dos anos 1990. Mesmo em sua obra de sucesso mais recente, Otogimoyou Ayanishiki Futatabi (お伽もよう綾にしき ふたたび), ela mantém a fidelidade ao que fazia nos anos 1980 e 1990. E ela tem um traço bem limpo e dinâmico. Não é nada de encher os olhos, mas ela sabe desenhar bem batalhas. Há muita luta nesse primeiro volume, seja de Izark contra criaturas e homens que querem capturar Noriko, ou matá-los, seja entre os grupos de cavaleiro montados em dragões que aparecem em cena com o intuito de capturar "o Despertar".
Falando de Noriko, apesar de ser repetido em mais de um momento pela menina, seja falando, ou em pensamento, que ela é uma "colegial comum", ou seja, a nossa mocinha de shoujo preferencial, que não é nem particularmente bonita, ou inteligente, ou seja, ela poderia ser qualquer leitora, Noriko está acima da média. A compreensão da necessidade de se comunicar e que precisa se mesclar ao lugar em que está, abrindo mão de roupas e objetos que podem denunciá-la como estrangeira, é algo que aponta para um tipo de inteligência que é incomum em muitas protagonistas de shoujo.
Noriko entende rapidamente que Izark quer ajudá-la e aceita o seu comando, seja trocar suas roupas, ou se livrar da pasta da escola, ou mesmo dividir o mesmo quarto com ela, sem aquela resistência burra que aparece em muitos mangás. É necessário, ela quer viver. Eu não fui atrás de spoilers, portanto, não sei se Noriko ficará nesse mundo, ou voltará para casa, afinal, ela tem mãe, irmão caçula e pai escritor de livros de fantasia. Ela tem amigas, ela gosta da escola.
Fechando, antes mesmo de ser transportada para o outro mundo, Noriko tinha sonhos e as amigas diziam que ela se deixava influenciar pelas coisas que o pai escrevia. A menina imagina que os sonhos possam se remeter a alguma vida passada. O humor que existe no primeiro volume está ligado às amigas perguntando ao policial depois que a bomba explode, se não sobrou sequer um pedacinho de Noriko. Como ela pode ter desaparecido? Outra piada é que o comerciante que Izark salva de ladrões cede roupas para eles, inclusive roupas femininas para que Noriko retire as de homem que o guerreiro lhe fez usar, mas cobra pagamento. Se não fosse Izark e Noriko, ele teria morrido, mas comerciante e comerciante!
Enfim, é isso. Espero continuar lendo, mas o meu tempo é bem comprimido, mas fato é que Kanata Kara me surpreendeu positivamente e é lembrado com carinho até hoje, vide esse café colaborativo de 2022. O fator linguístico normalmente fica fora da ficção científica e dos mangás. Todo mundo parece falar a mesma língua. E, claro, queria ver como a relação de Noriko e Izark se desenvolve e se ela fica nesse mundo alternativo ou volta. De resto, é bom ver que houve um tempo em que essa porta ficava aberta, em que os isekai não envolviam sempre a morte e a falta de perspectiva em relação ao Japão atual. E, se quiserem mais sobre essa discussão, fiz Shoujocast sobre isso.
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