terça-feira, 3 de setembro de 2024

Sasaki e Miyano se torna alvo da onda de banimento de livros de bibliotecas escolares nos Estados Unidos

O Conselho das escolas públicas do distrito de Brevard, na Flórida, proibiu o primeiro volume do mangá Sasaki e Miyano (佐々木と宮野), de Shou Harusono, das bibliotecas escolares.  A reunião ocorreu no dia 27 de agosto e considerou que o mangá, que é shoujo e mostra o  romance entre dois adolescentes, traz conteúdo inapropriado.  O ANN colocou o vídeo de toda a reunião na matéria.  

Membros do conselho argumentaram que "a orientação sexual não deve ser encorajada, sugerida ou implantada", que as crianças não devem ser "expostas a conteúdo obsceno, explícito e inapropriado para sua idade" e que "não havia valor em disponibilizar livros homossexuais na escola".  O mangá, que é publicado aqui pela Panini, tem classificação para adolescentes e é inócuo, por assim dizer.  Segundo o ANN, o conselho sugeriu que Sasaki e Miyano fosse substituído por mangás shounen como Chainsaw Man (チェンソーマン), To Your Eternity (Fumetsu no Anata e/不滅のあなたへ) e The Seven Deadly Sins (Nanatsu no Taizai/七つの大罪), entre outros.

Citando a matéria do ANN: "A presidente do conselho, Megan Wright, se opôs ao conteúdo do livro devido ao seu foco em um relacionamento romântico, bem como ao formato de leitura japonês, que é  da direita para a esquerda. O Comitê de Revisão de Livros do distrito havia recomendado anteriormente manter o livro após determinar que ele não violava o Estatuto 847.012 da Flórida, mas o conselho votou 3 a 2 a favor da proibição do livro."

A Florida tem leis cada vez mais estritas sobre o material que pode estar nas bibliotecas escolares, por exemplo, conteúdo que pareça sugerir algo de sexual, que discuta papéis de gênero, que fale de diversidade sexual etc. podem ser banidos.  Sasaki e Miyano é leve, mas qualquer material descrevendo relações que não sejam heteronormativas está no alvo das autoridades, afinal, a perseguição aos LGBTQIAP+ é bandeira dos grupos que se intitulam conservadores e que dizem defender as crianças e adolescentes.  

Enfim, um relatório da Pen America deste ano, citado em uma matéria da BBC, apontou que "De acordo com um relatório divulgado em abril pela Pen America, uma organização sem fins lucrativos que defende a liberdade de expressão, a Flórida teve 3.135 proibições de livros registradas de julho de 2021 a dezembro de 2023 — o maior número do país.".  O banimento de livros por pressões de reacionários é uma constante nos Estados Unidos nos últimos anos e foi assunto de um documentário que competiu ao Oscar em 2024, The Abcs of Book Banning (*espero conseguir assisti-lo*).

No caso de Sasaki e Miyano é a questão homossexual que chamou a atenção do conselho, fosse um romance heteronormativo, não haveria problemas.  Chainsaw Man, um dos sugeridos, tem mais conteúdo sexual do que Sasaki e Miyano, fora a violência, que geralmente é motivo para a desqualificação de um mangá.  E não é crítica, é constatação.  De resto, mesmo clássicos da literatura vem sendo retirados das bibliotecas, a matéria da BBC cita vários deles e eu já fiz outros posts sobre o tema.  Exemplo, aqui.  

Como tudo de ruim que acontece nos Estados Unidos é imitado aqui, já tivemos vários incidentes de perseguição de livros no Brasil.  Um dos casos mais escandalosos foi O Avesso da Pele, de Jefferson Tenório.  Já outro que passou batido, porque foi em uma cidade só, tem a ver com as questões feministas.  Os dois volumes de poesias sobre mulheres cientistas braasileiras das mais diferentes áreas, chamado "Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas", escrito por Flávia Martins de Carvalho, juíza no Tribunal de Justiça de São Paulo e juíza-ouvidora do STF (Supremo Tribunal Federal),  foi retirado das bibliotecas escolares de São José dos Campos (SP).  E qual foi o motivo?

O vereador Thomaz Henrique (PL) acusou os livros de promoverem doutrinação ideológica e apologia ao aborto por citar Débora Diniz e Marielle.  O alvo de maior crítica foi a antropóloga Débora Diniz, que teve que sair do Brasil por sofrer várias ameaças de morte e foi alvo de fake news do próprio Bolsonaro, pois ela milita pela descriminalização do aborto faz décadas.  Comprei os livros e são muito bonitinhos.  Não se fala em aborto em nenhum lugar dos dois volumes, fala-se em direitos reprodutivos, somente isso, e de uma forma bem simplificada, afinal, é uma obra para um público infanto juvenil.  O Ministério Público mandou que os livros fossem retornados para as bibliotecas escolares, mas não sei se a ordem foi cumprida pela prefeitura.

O fato é que esse tipo de ação não é nova, não é, no caso dos Estados Unidos, direcionada aos mangás, mas pode atingir quadrinhos, porque houve antecedentes, como Maus e Persepólis.  Aqui, no Brasil, houve gente perseguindo Will Eisner, quando a responsabilidade era de quem colocou o livro no lugar errado, e a versão em quadrinhos mais recente do Diário de Anne Frank.  Pode ser ignorância, pode ser pânico moral, pode ser elitismo, mas, em nosso tempo, é, também, agenda política reacionária.  

Nos Estados Unidos, é comum que se façam fogueiras de livros.  Aqui, no Brasil, poderemos chegar a isso em breve... ou voltaremos a ter, porque quadrinhos já foram queimados no Brasil nos anos 1940 e 1950, só que era coisa de líder religioso do interior, principalmente. Mas a estratégia, agora, é, antes de queimar, retirar das bibliotecas, fizeram isso no governo Bolsonaro e continuam fazendo em estados governados por bolsonaristas. A sociedade civil precisa se organizar para conter essa onda reacionária,

1 pessoas comentaram:

Em 2020 a FEBAB fez uma campanha sobre o tema no Brasil, infelizmente ela não teve continuidade, mas algumas informações ainda estão no site oficial
http://febab.org.br/censurado/

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