Hoje, faleceu Sílvio Santos. Desde semana passada, sabia que ele estava morrendo. As filhas postando fotos inéditas com ele já sinalizava que era coisa de horas, ou dias. Meu post não será longo, o faço para reconhecer o óbvio, ele era um comunicador genial, o maior de nossa história, capaz de ações agressivas de marketing e de fazer escolhas que pareciam loucas, mas que, no fim das contas, acabavam funcionando. Estava ouvindo a CBN enquanto dirigia de volta do trabalho (*apliquei prova hoje*) e o comentarista estava recordando que foi Sílvio Santos que topou dar um talk show para Jô Soares, algo que a Globo lhe negava por não acreditar no formato. O humorista e apresentador lhe agradeceu publicamente o apoio. Aliás, neste momento, todos falam dele e a Globo, a emissora rival, teve, mais uma vez, a primeira foi da época de seu sequestro, que lhe dedicar muitos minutos de sua programação.
Agora, se Sílvio Santos foi genial como comunicador, foi, também, alguém que lambeu as botas de ditadores, lembro bem do programa que ia ao ar todos os domingos relatando a semana do presidente. Eu era criança à época, minha memória mais recuada é de Figueiredo. Sílvio Santos não era somente situacionista, me parecia que havia simpatia da parte dela para com certas personagens tenebrosas de nossa história recente. Também foi alguém que não se mostrou muito disposto a rever suas ideias racistas, machistas e que, mesmo dando espaço à travestis e mulheres trans em sua programação mais nobre, volta e meia deslizava na homotransfobia. E, sim, Sílvio Santos viveu tempo suficiente para conseguir refletir sobre suas ideias e tentar mudar.
Ainda será necessário que se faça uma biografia séria sobre Senor Abravanel, seu nome verdadeiro, com o devido afastamento que não se deixe cair na imagem que ele mesmo conseguiu construir para si mesmo, começando com a sua saga empreendedora impecável de camelô a mega empresário. O retrato do trabalhador incansável e vitorioso se presta a apagar o fato dele ter se metido em uma fraude bilionária, fora outros negócios meio escusos em seu currículo. É preciso, também, escarafunchar essas ligações perigosas e sujas entre o dono do Baú e os podres poderes brasileiros sem perder de vista que ele adulou todos os presidentes desde os ditadores até a redemocratização.
Falando de forma mais pessoal, minha relação com Sílvio Santos sempre foi complicada. Eu adorava Domingo no Parque, seu programa infantil que tinha algo de sádico, mas nunca gostei do fato de minha mãe nos obrigar a assistir toda a programação de domingo da TVS e, mais tarde, do SBT. Era proibido mudar de canal. Era Igreja de manhã, Sílvio Santos à tarde, Igreja à noite, Sílvio Santos de novo até a hora de dormir. Isso por anos e anos e anos. Como minha mãe considerava como ritual obrigatório familiar sentarmos todos juntos para assistir os programas do Sílvio Santos, houve momentos em que odiei de verdade o apresentador. Hoje, superei isso, mas não tenho nostalgia desses tempos. E meus pais assistem aos programas dele domingo à noite até hoje. Eles vão sentir falta, mas se continuarem reprisando programas antigos, certamente eles irão assistir.
Ainda nesse plano pessoal, foi graças a Sílvio Santos que eu assisti muitos animes. Candy Candy e Gênio Maluco, quando a Record lhe pertencia, Heide, Marco, Speed Racer, Angel, a Menina das Flores, Honey Honey e Rei Arthur, que foi peça fundamental para que eu me interessasse por História e me tornasse professora da disciplina. Spectreman e Ultraman também assisti na TVS. Conheci Peanuts como Snoopy na programação do SBT. E houve Chispita, novela mexicana que era fenômeno quando eu era criança e o SBT continua apostando até hoje na formação de um público infantil de telenovela, o que é muito importante, já que novela é algo central na TV brasileira (*mas convém não ignorar os problemas da teledramaturgia infantil do canal*). Mais recentemente, só pude assistir Dona Beija de maneira integral, porque o SBT comprou a novela da Manchete e a exibiu.
Aliás, Sílvio Santos nunca deixou as crianças na mão, mal ou bem, sua emissora sempre exibiu desenhos animados e eu poderia listar vários outros que eu assisti criança, adolescente, ou mesmo adulta. Infelizmente, muitos dos seriados icônicos dos anos 1980, não consegui ver porque se domingo era dia do Sílvio Santos, durante a semana, as novelas e o Jornal Nacional eram inegociáveis para os meus pais. Pássaros Feridos, pro exemplo, só fui assistir muito mais tarde. Fora isso, durante muito tempo, eu tinha que dormir depois da novela das oito.
Concluindo, reconhecer que Sílvio Santos é o maior comunicador da história desse país não me impede de apontar que ele era reacionário em alguns aspectos, um bajulador de presidentes (*TODOS eles*), além de um malandro que fez de tudo para conseguir ser o empresário de sucesso que foi. Espero que as filhas, que ele fez questão de colocar para trabalhar na empresa, não destruam o legado do pai, porque isso significa, também, colocar em risco os empregos de muita gente.
bonito isso. tem coisas que são maiores do que a rivalidade entre emissoras. e o próprio Silvio foi muito grande na Globo durante uma época. enfim. bonito e também o fim de uma era
— Larissa M. (@larissajmar) August 17, 2024
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A homenagem de todos os canais Globo ao Silvio Santos. pic.twitter.com/HgtiiUeIUu
— Sérgio Santos (@ZAMENZA) August 18, 2024
3 pessoas comentaram:
" a semana do presidente. Eu era criança à época, minha memória mais recuada é de Figueiredo. Sílvio Santos não era somente situacionista, me parecia que havia simpatia da parte dela para com certas personagens tenebrosas de nossa história recente. "
A bajulação pra Collor... https://youtu.be/N2hnO2vtRBo aniversário.... em 1992... detalhe... foi em agosto.. na porta do impeachment....
Collor nasceu dia 12/8...
"mas nunca gostei do fato de minha mãe nos obrigar a assistir toda a programação de domingo da TVS e, mais tarde, do SBT. Era proibido mudar de canal. Era Igreja de manhã, Sílvio Santos à tarde, Igreja à noite, Sílvio Santos de novo até a hora de dormir. Isso por anos e anos e anos. Como minha mãe considerava como ritual obrigatório familiar "
Isso foi uma postura autoritária... lamentável isso....
" graças a Sílvio Santos que eu assisti muitos animes. "... reconheço esse feito dele... inclusive também assisti ! ... exemplo Street Fighter Victory... Dragon Ball. etc.
"as novelas e o Jornal Nacional eram inegociáveis para os meus pais" época da TV tinha essa chatice... pessoal tinha que disputar a TV... isso era um saco.. ainda bem que a internet, streaming etc surgiram e acabou com essa situação complicada...
"além de um malandro que fez de tudo para conseguir ser o empresário de sucesso que foi. "
Dizem que ele passou perna em Manoel de Nóbrega (pai de Carlos Alberto)...
Repare que hoje ... a TV aberta quase não atrai ninguém mais...
Ótimo texto sobre essa grande figura da telecomunicação brasileira. Por ser bem mais novo que você (pelo que parecekkkk), creci com um Silvio bem mais comedido e pouco interessante para uma criança entre 7 e 11 anos, momento em que mais me recordo de ter contato com a programação do SBT na casa da minha avó. O que mais tive familiaridade foram suas polêmicas e episódios de preconceito no fim da vida, então quando recebi a notícia, não pude ligar menos...
Apesar desse desprendimento emocional, ver textos como os seus me faz lembrar como esses empresários da televisão podem ser figuras multifacetadas, principalmente para os que creceram os assistindo. Novamente, um execelente texto. Decobri o Blog esta manhã e sem dúvidas seguirei acompanhando.
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