Cartunista reflete sobre a evolução dos quadrinhos coreanos e pede reconhecimento da indústria (Artigo Traduzido)

Estava procurando matérias sobre umas coisas absurdas que andam acontecendo na Coreia do Sul relacionadas à violência contra as mulheres e acabei tropeçando nessa entrevista do The Korean Times  com artista Shin Il-sook, atual presidente da Associação de Cartunistas do Japão.  Traduzi a matéria e mantive o máximo da estrutura original.  Não acrescentei nenhuma imagem, por exemplo.  O que eu fiz foi negritar as falas de Shin e buscar a página da Associação da Cartunistas da Coreia além das obras da artista que são citadas na matéria.  Depois da tradução, lá no final, colocarei meus comentários.

A cartunista Shin Il-sook, que também atua como presidente da  Associação de Cartunistas da Coreia (KCA/Korea Cartoonist Association), posa durante uma entrevista recente com o The Korea Times em um café em Goyang, província de Gyeonggi. Foto do Korea Times por Baek Byung-yeul

A Associação de Cartunistas da Coreia planeja criar uma cerimônia semelhante à do Oscar

Por Baek Byung-yeul

O cenário dos quadrinhos coreanos, antes ofuscado pelo mangá japonês, passou por uma transformação significativa. Desde os anos 2000, a ascensão dos webtoons — plataformas digitais para quadrinhos — permitiu que os quadrinhos coreanos, agora amplamente conhecidos pelo termo nativo "manhwa", estabelecessem uma identidade distinta no cenário global.

Shin Il-sook, a primeira mulher presidente da Associação de Cartunistas da Coreia, é uma figura fundamental neste gênero em evolução. Em uma era em que a arte sequencial é apreciada não apenas na versão impressa, mas também online por meio de dispositivos móveis e PCs, sua liderança marca um momento significativo na transformação da indústria.

Uma cartunista experiente, renomada por seus populares manhwas, como "Four Daughters of Armian" e "Lineage", Shin expressou profundo respeito por seus colegas cartunistas coreanos. Ela reconheceu os esforços dedicados tanto dos artistas quanto dos funcionários da indústria que apoiam e promovem seu trabalho.

História do manhwa coreano

"Antes dos anos 2000, os criadores de manhwa coreanos enfrentavam severa perseguição, com os quadrinhos sendo rotulados como mídia prejudicial que influenciava negativamente os jovens. No entanto, acredito que a cena recente de manhwa do país está encontrando seu próprio caminho, afirmando fortemente sua presença no mercado global por meio de plataformas online", disse o presidente ao The Korea Times em uma entrevista recente.

O mercado de quadrinhos coreano sofreu inicialmente devido a uma percepção negativa do manhwa, exacerbada quando o governo permitiu a importação da cultura pop japonesa em 1998, inundando o mercado com mangás japoneses. No entanto, o advento de plataformas de quadrinhos online em portais como Naver e Daum no início dos anos 2000 proporcionou um novo espaço para os cartunistas mostrarem seu trabalho, levando ao ressurgimento da indústria.

"No final da década de 1990, quando muitos quadrinhos japoneses foram oficialmente importados para o mercado coreano, o manhwa da Coreia perdeu sua identidade. O mercado de quadrinhos coreano, que era centrado em revistas de quadrinhos, literalmente entrou em colapso, e muitos cartunistas ficaram desempregados. Parecia que a era dos quadrinhos estava acabando, mas começou a reviver por meio dos quadrinhos digitais", disse Shin.

Refletindo sobre os últimos 20 anos da cena de quadrinhos da Coreia, ela observou que os cartunistas foram compelidos a se adaptar ao mercado de plataforma online, uma transição que, paradoxalmente, permitiu que um número maior de artistas estabelecesse uma presença no cenário global.

"A recente listagem da Webtoon Entertainment, que opera o Naver Webtoon, na bolsa de valores Nasdaq dos EUA (em junho), foi possível porque a Coreia expandiu exclusivamente o mercado de webtoon", disse Shin.

"Vendo como a cena de quadrinhos da Coreia cresceu significativamente sem muito apoio governamental ou ajuda externa, acho que isso mostra o quanto os coreanos amam quadrinhos. Parece que os coreanos têm grande destreza manual e um forte desejo de criação."

Seen é uma página do quadrinho de fantasia do cartunista Shin Il-sook, "Four Daughters of Armian". Capturado de Gobooky Books

Necessidade de prêmios

Refletindo sobre o propósito da associação, a presidente explicou que ela existe para defender os direitos e interesses dos cartunistas locais. Ela observou que muitos cartunistas e profissionais da indústria ainda não têm o reconhecimento que merecem.

Ela destacou as condições de trabalho dos cartunistas, especialmente as agendas exaustivas que muitos enfrentam, muitas vezes trabalhando mais de 10 horas por dia.

"Muitos cartunistas lutam com problemas de saúde. Na era do webtoon, ficou mais fácil para os cartunistas estrearem. Tudo o que eles precisam é de talento. No entanto, produzir um episódio por semana não é fácil. Autores coreanos e japoneses administram essas agendas exaustivas, mas não há muitos autores no Ocidente que podem produzir um episódio por semana", disse ela.

A Korea Creative Content Agency entrevistou 710 cartunistas ativos em 2021 e descobriu que os criadores de webtoons gastam uma média de 10,5 horas por dia e 5,9 dias por semana em seu ofício. Notavelmente, 40,9% desses criadores trabalham 12 horas ou mais por dia, e 36,6% relataram trabalhar sete dias por semana.

Para aliviar os desafios enfrentados pelos cartunistas, a associação negociou com plataformas de webtoon para estender o período de pausa remunerada para criadores de uma semana para duas semanas anualmente, a partir deste ano.

"Estamos gradualmente prestando mais atenção à saúde de nossos cartunistas. Só de poder tirar duas semanas de folga por ano dá a eles um espaço de respiração muito necessário", disse Shin.

Para lançar mais luz sobre a indústria, a associação está planejando estabelecer uma cerimônia de premiação para reconhecer realizações excepcionais em quadrinhos, semelhante ao Oscar. Provisoriamente chamado de Prêmio Manhwa da Coreia, este evento deve ocorrer em 3 de novembro do ano que vem, alinhando-se com o Dia Nacional do Manhwa criado pelo governo, que comemora uma manifestação de 1996 de cartunistas defendendo a abolição da censura em quadrinhos.

"Como presidente, meu objetivo é criar prêmios para os manhwa como o Oscar. Precisamos de um prêmio que abranja todas as plataformas, dando prêmios a autores populares, editores competentes de webtoon e plataformas que alcançam excelentes resultados", disse Shin. "Pretendemos finalizar os detalhes da premiação, as categorias e prêmios em dinheiro até o final deste ano."

A vantagem de uma artista veterana

Na Kakao, uma plataforma de webtoon e web novels da Kakao Entertainment, "Kaya" obteve mais de 28 milhões de visualizações, destacando o apelo duradouro e o sucesso de Shin na era digital.

Shin acredita que desenhar manhwa com uma caneta é fundamentalmente o mesmo que criar webtoons com ferramentas digitais, afirmando que a essência de criar um trabalho atraente permanece constante, apesar das mudanças tecnológicas. Ela enfatiza que boas histórias podem cativar leitores em qualquer época.

"Você pode pensar nisso como apenas trocar de equipamento", disse Shin. "Embora as ferramentas tenham mudado, o ato de desenhar continua o mesmo. A essência da criação de arte ainda é importante, e você não precisa ser um especialista em ferramentas digitais imediatamente. Você pode aprendê-las passo a passo."

Capa do webtoon ou quadrinho online da cartunista Shin Il-sook “Kaya”/Capturada da plataforma Kakao

Ela acrescentou: "Mesmo na era do webtoon, boas obras não são esquecidas. Existem apenas obras boas e obras não tão boas. A diferença é por qual plataforma os leitores as veem, mas as emoções que sentem permanecem as mesmas."

Enquanto atua como presidente da organização de cartunistas, Shin está trabalhando em seu próximo projeto, que, como muitos de seus trabalhos anteriores, é inspirado por seus sonhos.

"Eu tiro meus temas de sonhos que realmente tenho. 'Four Daughters of Armian' também foi inspirado por um sonho e o próximo trabalho que estou formulando está mais próximo de uma versão de um sonho que tive antes de desenhar 'Armian'", disse ela, acrescentando que seu próximo trabalho também será um manhwa com uma narrativa ambientada em um cenário de fantasia.

Ela encorajou aspirantes a cartunistas a priorizar a originalidade, dizendo que mostrar seu mundo único aos leitores é a coisa mais importante.

"Os jovens podem acreditar que se tornar um cartunista popular e ganhar muito dinheiro é o objetivo final, porque geralmente estão com pouco dinheiro", disse Shin. "No entanto, acredito que o valor mais importante para ter sucesso como cartunista é desafiar a si mesmo a criar obras excepcionais que reflitam seu universo único, influenciando assim os leitores."

Quem é Shin Il-sook?

Nascida em 1961, Shin Il-sook estreou em 1984 com o manhwa de fantasia "Princess of the Lion".

Desde então, ela publicou uma série de quadrinhos de sucesso apresentando mulheres fortes enfrentando seus destinos em cenários de fantasia, o que era incomum em quadrinhos femininos naquela época. Shin publicou "Four Daughters of Armian", seu maior sucesso e o que ela considera seu trabalho mais valioso, em 1986 e o ​​concluiu em 1996. Este manhwa de fantasia, frequentemente abreviado como "A4" pelos fãs, narra as jornadas de vida de quatro princesas no reino fictício de Armian.

Ela publicou "Lineage" em 1993, que também foi transformado em um popular RPG online, e em 2017, ela publicou o webtoon, "Kaya", provando sua popularidade inabalável na era digital.

Shin foi nomeada presidente da Associação de Cartunistas da Coreia em janeiro de 2020 e iniciou seu segundo mandato em 2023, que continuará até janeiro de 2026.

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Não vou mentir dizendo que entendo e conheço o mercado de quadrinhos coreanos. Eu me concentro no Japão, meus conhecimentos de Coreia do Sul são bem limitados, agora, algo que fica evidente na matéria é a precarização do trabalho de quadrinista. Vejam que eles estão lutando por DUAS SEMANAS de FÉRIAS REMUNERADAS e vendo isso como OK. Imagino só por aí que isso seja meio que normal na Coreia do Sul. Outra coisa são as longas jornadas. Dez a doze horas de trabalho, seis ou sete dias por semana. Pensem no desgaste.

 

Agora, é evidente no texto uma culpabilização do Japão por uma quase morte do mercado de quadrinhos coreanos. Não fui procurar, mas me pergunto o quão vigoroso ele era antes da invasão japonesa permitida, porque nas entrelinhas está que antes chegavam de forma pirata. Obviamente, e isso aconteceu no Brasil, a invasão de quadrinhos estrangeiros e, no nosso caso, foram os norte-americanos, acabou por tirar espaço dos artistas nacionais. 

Isso ocorreu lá nos anos 1960, quando se estava discutindo cotas e outras coisas.  Ainda assim, em nosso país, ninguém vende mais quadrinhos do que Maurício de Sousa.  Obviamente, nosso mercado é restrito e isso tem a ver com a nossa economia, também.  Quadrinhos já foram muito baratos, hoje, estão cada vez mais elitizados.

 

Por outro lado, a vinda dos quadrinhos estrangeiros influenciou os artistas nacionais. No Brasil, por exemplo, a influência dos mangás é positiva, basta ver a quantidade de meninos e meninas produzindo sua arte. Eu duvido que não ocorreu o mesmo na Coreia do Sul, porque eu percebo bem a influência do shoujo mangá quando abro um sunjeong manhwa, o texto só pontua o que há de ruim. E essa de que ambientes de fantasia não eram comuns nos quadrinhos femininos, só se for lá na Coreia do Sul, não é mesmo?

De resto, muito bem apresentada a importância da internet para a divulgação das obras de novos autores e autoras. Aliás, é importante no Brasil, também. É isso. Acho que são os meus comentários.