Anteontem, assisti o último filme da franquia The Hunger Games, Jogos Vorazes – A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes). Não pude ver no cinema e esperei sair no Prime. Não me decidi ainda se gostei do filme, ou não. Apesar de possuir quase duas horas e meia de duração, os eventos parecem acelerados demais, as informações um tanto confusas, fora as contradições com a história original, seja dos livros, seja dos filmes. E, sim, eu li todos os livros, assisti os filmes e há um post com links para todas as resenhas para facilitar a minha vida. Enfim, vamos ao resumo do filme:
Estamos 64 anos antes dos eventos da série original de Jogos Vorazes, quando Katniss e Peeta, representantes do Distrito 12, triunfaram na Arena contra todas as expectativas. Coriolanus Snow (Tom Blyth) tem 18 anos e está se formando na Academia, a escola de elite da capital de Panem como primeiro de sua classe. Pobre por conta da guerra, órfão de pai e mãe e passando severas necessidades junto com a prima e a avó, Snow sonha em receber o Prêmio Plinth por seu desempenho acadêmico, o que lhe permitiria ir para a universidade e sustentar sua família com dignidade. O reitor da Academia, Casca Highbottom (Peter Dinklage), frustra suas expectativas. Ele odiava o pai de Snow e transfere seu rancor para o rapaz.
A única chance de Snow é conseguir ser o melhor mentor da décima edição dos Jogos Vorazes. Ao que parece, a organizadora dos jogos, Dr.ª Volumnia Gaul (Viola Davis), vê potencial em Snow e suas sugestões para tornar os jogos, que correm o risco de serem cancelados, um espetáculo mais interessante, lhe agradam. No entanto, ele recebe como tributo a representante do Distrito 12, o mais pobre de todos. Só que Lucy Gray Baird (Rachel Zegler) parece ter algo de especial e se Snow conseguir fazer com que ela desperte a atenção da audiência e atraia patrocinadores, talvez, ainda que remotamente, ele consiga atingir seus objetivos. Só que Lucy Gray não fascina somente a audiência, ela desperta sentimentos em Snow que podem o desviar de seus objetivos de vida.
Para quem não conhece os originais, acredito que seja preciso explicar algumas coisas, a série Jogos Vorazes, publicada entre 2008 e 2010 por Suzanne Collins, é uma distopia que se passa em um país chamado Panem, que ocupa parte da América do Norte. Em Panem, há a Capital e treze distritos. Dez anos antes do início deste filme, cujo livro foi lançado em 2020, houve uma rebelião, que obliterou o Distrito 13 e resultou na criação dos Jogos Vorazes. Todos os anos, para marcar a derrota da rebelião contra a Capital, são organizados jogos inspirados nas arenas romanas e nos modernos reality shows, nos quais dois jovens de cada um dos doze distritos são sorteados. Chamados de tributos, eles precisam ter entre 12 e 18 anos e irão lutar até a morte na arena para o divertimento dos cidadãos da Capital e para lembrar aos distritos o preço alto que eles tem que pagar pela sua insubmissão. Normalmente, os vencedores vêm dos Distritos 1, 2 e 3, os que tem melhores condições de vida, e muito raramente do paupérrimo distrito 12.
Entre as coisas confusas do filme, destaco a que mais me deixou intrigada. O pai de Snow, o General Crassus, era um traidor? O ódio de Casca Highbottom e o fato da família do protagonista ter ficado na miséria me sinalizavam isso, no entanto, parece que ele morreu lutando com os rebeldes. Peguei spoilers dos livros, mas não queria usá-los, o filme deveria me explicar tudo o que eu precisasse saber. Enfim, por qual motivo, então, a família Snow ficou naquela condição miserável? Eles deveriam ter sido compensados de alguma forma pelo heroísmo do patriarca. Estranho. Será que entendi errado? E por qual razão Casca Highbottom odeia tanto Snow? E os alunos não sabiam que ele era o criador dos jogos? Ele não é o diretor da Academia?
Algo que parece ter sido consertado em relação ao original, e que eu pontuei em uma das minhas resenhas do livro 2, acho, é a política de compensação para causar desunião nos distritos. A inspiração óbvia da sociedade de Panem é Roma, mas a autora original, parecia não entender que os romanos não foram tão dominantes por mil anos usando somente da força e do terror. Então, temos a família de Sejanus Plinth (Josh Rivera), amigo de Snow, que sendo do distrito 2, ficou do lado da Capital durante a revolta e recebeu a cidadania.
Se a ideia de uma política de compensação parece fazer sentido, a confraternização entre Peacekeepers (*os soldados da Capital*) e a população do Distrito 12 não é. Estando a guerra tão recente, rebeldes ainda a solta, é muito, muito estranho, que os soldados pudessem ir se divertir nos bailes da população local. Até consigo imaginar que a Capital oferecesse diversão segregada para seus soldados, mas a confraternização que vemos no filme, não. Aliás, no original parecia que não havia diversão alguma para os habitantes do Distrito 12, que mais parecia um grande campo de trabalho. Essa familiaridade inventada neste filme está em contradição com a lógica da série.
Escrevi um monte de coisas e não falei dos protagonistas. Lucy Gray é uma personagem carismática, pela correria do filme, suas origens não são muito bem explicadas. Seu povo "o Bando" (*the Covey no original*) era formado por artistas nômades que terminaram, por causa da guerra, confinados no Distrito 12. Ainda assim, eles não são submetidos ao duro regime de trabalho dos demais moradores. A política da Capital nesse pós-guerra parece mais flexível do que nos filmes e livros originais.
E quem vai guiar Snow para que ele escolha o lado sombrio, por assim dizer, é a doutora Volumnia Gaul. E isso não é spoiler, afinal, sabemos que Coriolanus Snow é o vilão de Jogos Vorazes mesmo. Enfim, Gaul vê potencial nele e o submete a uma versão particular dos Jogos Vorazes, ela vai guiando, manipulando e moldando Snow até que ele revele o que tem de pior e consiga se tornar digno de se tornar seu pupilo. Para isso, ele terá que deixar para trás qualquer escrúpulo e trair as pessoas que ama, ou pensou amar.
Volumnia Gaul é a única personagem desse filme que lembra os habitantes da Capital nos filmes originais. Sua roupa é colorida, seu cabelo chamativo, seu rosto mostra que ela passou por intervenções estéticas. Ela destoa da monotonia calculada do figurino, maquiagem e cabelos das demais personagens. A Capital deste filme é cinzenta, escura, os cidadãos se vestem com um figurino inspirado nos anos 1940. Tudo parece econômico. Tigris (Hunter Schafer), prima de Snow, e a avó dos dois (Fionnula Flanagan) usam roupas coloridas, porque a moça é uma estilista e cria a partir dos materiais que tem em mãos, ainda assim, o figurino é claramente inspirado nos anos 1940, no mundo de restrições impostas pela 2ª Guerra Mundial. Já o uniforme da Academia junta calças e saias em uma mistura estranha, a cor é bonita, mas não ficou lá tão visualmente interessante.
Caminhando para o fim. Os Jogos em si conseguiram ser bem apresentados. Mas imagino que muita coisa foi mutilada do livro original para que coubesse mais coisas no filme. A adaptação precisava apresentar personagens, falar dos Jogos e ir da Capital para o distrito 12, tentar nos convencer com o amor de Lucy Gray e Snow, mostrar como o rapaz optou pelo mal. Coisa demais para um único filme, enfim. Ainda que considere A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes um filme razoável, ele não conseguiu me impactar em nenhum momento.
De resto, continuo considerando contraditório escrever um livro ou produzir um filme sobre a juventude de Snow, mais coerente seria construir uma série mostrando sua ascensão de forma completa, se acham que a personagem vale o esforço. E consegui recuperar o post de quando o filme foi anunciado e mantenho o que eu escrevi lá: "Suzane Collins poderia contar outras histórias sobre Panem, que não precisávamos de uma humanização de Snow.". Depois de assistir ao filme, meio que preciso olhar o livro, porque ficaram tantas lacunas que eu tenho curiosidade em saber o quanto o filme se afastou da obra original e truncou a história da conversão ao mal, porque é mal mesmo, de Coriolanus Snow. É isso.
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