domingo, 19 de maio de 2024

Comentando o segundo e o terceiro episódios da nova temporada de Bridgerton : Querem nos vencer pelo cansaço de que Colin é irresistível e que Penelope uma desastrada

Assisti ao segundo e ao terceiro episódio desta temporada de Bridgerton e lá vai uma nova resenha.  Antes que alguém acredite que eu estou odiando a série, não é o caso, se fosse, eu já teria largado e iria terminar de assistir X-Men '97, porque tenho que resenhar, também.  Eu gosto de Bridgerton e mesmo que tenha fica do muito ofendida com a piadinha sobre Jane Austen no primeiro episódio (*resenha aqui*), não pretendo largar.  Agora, é fato que esta temporada tem problemas de coerência que se manifestam o tempo inteiro e que o roteiro poderia ter evitado, porque bastava revisar mesmo.  De que estou falando?

O livro original se passa em 1824, Penelope (Nicola Coughlan) estaria com 28 anos e solteira.  Ela é, portanto, uma solteirona (spinster).  Na série, ela debutou faz três anos, se vocês se recordam da primeira temporada, a mãe apresentou as três filhas juntas e Penelope, que tinha 17 anos, poderia, e até deveria, esperar um pouco mais.  Se vocês conhecem  Orgulho & Preconceito (*um livro que retrata a sua própria época*) devem lembrar do horror de Lady Catherine De Burgh ao descobrir que todas as irmãs de Elizabeth Bennet estavam "no mercado matrimonial" ao mesmo tempo, sem que a mais velha sequer estivesse casada.  Logo, o que Portia (Polly Walker) fez era possível no início do século XIX, mas não era o mais comum, tampouco, o mais desejável.

Penelope não seria ainda considerada uma solteirona ainda.  Ela seria uma wallflower, isto é, "uma pessoa tímida, especialmente uma menina ou mulher, que tem medo de se envolver em atividades sociais e não atrai muito interesse ou atenção" (Cambridge Dictionary).  A wallflower é uma candidata a ser spinster, sem dúvida, e ela vai ficando nos cantos do salão, perto da parede até parecer parte da decoração.  Francesca (Hannah Dodd), que é igualmente tímida, adverte Penelope, lá no primeiro episódio, sobre o risco de se tornar uma wallflower.

Muito bem, Penelope é tratada pela mãe como a sua filha com menores possibilidades de um bom casamento, agora, repito, aos 19 anos, ela não seria solteirona.  Na sequência mais torturante para a protagonista no episódio 2, ela é chamada de solteirona por várias mulheres e jovens, porque está usando Colin Bridgerton (Luke Newton) para conseguir um marido.  Eloise (Claudia Jessie) falou demais e um segredo dividido por seu irmão se espalhou.  É uma parte excelente do episódio, bem dirigida, com boas atuações, mas entendem que a premissa da coisa toda é em si absurda?  Penelope é uma jovem que, na Inglaterra da época, estava apta a se casar.  

Pensem, por exemplo, nas irmãs Bennet, que não pertencem à alta nobreza ("the ton") como esse povo de Bridgerton. Jane tem 22 anos, Elizabeth tem 21.  Ninguém em nenhum momento de Orgulho & Preconceito sugere que elas seriam velhas para casar, mas as possibilidades de um bom casamento seriam baixas, porque elas não tem um dote significativo.  Penelope pertence a uma família com título, ela certamente tem melhores perspectivas que qualquer das irmãs Bennet, ou a maioria das personagens de Jane Austen. 

Aliás, falando da família de Penelope, já que não comentei nada sobre ela na primeira resenha.  Portia conseguiu virar a mesa no final da segunda temporada e assegurou o título e propriedades do marido, desde que uma de suas filhas, e ambas as irmãs de Penelope já aparecem casadas, tenha um filho homem.  No entanto, há duas coisas perturbando a paz das Featherington, uma é uma investigação sobre o documento que estabeleceu as regras de sucessão, outra, é o fato das duas irmãs de Penelope não parecerem tão empenhadas em produzir um herdeiro.  Parte do humor desses primeiros episódios gira em torno delas.

Voltando para Penelope, o episódio dois reforça o estereótipo da gorda desastrada.  Nada sinalizava que Penelope o fosse nas temporadas passadas e tenta potencializar o valor do treinamento dado por Colin.  Mais uma vez, a ênfase em tornar o protagonista masculino da tenmporada um exemplo de masculinidade e o melhor partido do momento vai de cena forçada em cena forçada.  Colin passou poucos meses viajando, no livro, foram anos.  Em pouquíssimos meses, ele deixou de ser um pastel e virou um expert em sedução, super experiente com as mulheres.  🙄

Como a série mostra isso?  Temos Colin flertando com as debutantes.  Temos o rapaz na cama com duas mulheres.  Temos Colin desfilando em várias cenas do terceiro episódio sem gravata, com a camisa meio aberta, e meio que replicando o que o Duque de Hastings na primeira temporada.  Não sei por vocês, mas eu nunca gostei dessa história de ator sem gravata em Bridgerton, mas, fora isso, Regé-Jean Page tem muito mais apelo para mim que Luke Newton.  Mas cismaram que Colin é irresistível, mesmo que ele não vá herdar quase nada e não tenha título e a série investe pesado nisso.

O segundo episódio é o da humilhação de Penelope que, até para não despertar suspeitas, tem que se fazer alvo de um panfleto muito ferino de  Lady Whistledown.  Colin, sentindo-se mortificado e culpado, porque contou para Eloise do seu plano com Penelope, vai até a casa da moça se desculpar.  Ele suborna a criada de Penelope, e nesta temporada essas empregadas que acompanham as moças parecem ser item fundamental, antes mal apareciam, para falar com ela à noite escondido.  Ela lhe pede um beijo, porque não quer morrer sem ser beijada.  E, bem, esse beijo como ato de compaixão, mexe com Colin.

A partir daí, temos cenas bem engraçadas, clichês, mas muito interessantes de Colin delirando com Penelope, mas ainda sem entender, ou aceitar bem o que está acontecendo.  E, quando finalmente ele parece que vai se mover, Lord Debling (Sam Phillips) cruza seu caminho.  A personagem, que foi criada para a série, é um nobre excêntrico, por ser  ecologista e vegetariano (*e eles existiam na época*), e mostra grande gentileza por Penelope, quando ela estava ferida.  Como ele precisa se casar, Cressida (Jessica Madsen) e Penelope passam a disputá-lo mostrando quem é mais naturalista, por assim dizer.


No episódio 3, Penelope é colocada, mais uma vez, em um papel ridículo, ao tentar ganhar o interesse de Debing derrotando Cressida, porém, a coisa é revertida depois, quando ela abre seu coração para o sujeito e se desculpa pela forma como agiu.  Ela lhe conta do que gosta e como passa seu tempo.  O homem, então, lhe explica que não busca uma companheira que seja igual a ele, pois as conversas à mesa de jantar iriam ser muito chatas.  

Em poucas cenas, Debling me pareceu muito mais interessante que Colin.  E ele tem algum problema com os parentes que não foi ainda explicado.  Obviamente, Penelope ficará com Colin, mas salvo se Debling for um canalha, picareta ou doido, ele ganhou a minha afeição. Quer dizer, usar bota em uma ocasião formal não é algo que o credencie, mas o figurino desta temporada parece mais zoado que nas anteriores.

Outra personagem introduzida nesse episódio 3, que mostra a moda do balonismo, e que foi criada para série é Lady Tilley Arnold (Hannah New), uma viúva ousada e dona de si.  Com ar de femme fatale e vestindo um figurino, maquiagem e cabelos dos anos 1950, ela está na série para seduzir Benedict, cujo papel até agora se reduziu a fugir de debutantes.  Ao que parece, a temporada 3 vai investir na heteronormatização definitiva do Benedict (Luke Thompson) da adaptação para afastar de uma vez por todas o que ficou sugerido na primeira temporada.  O fato é que achei Lady Tilley muito forçada, mas vai que as coisas mudam.

Cressida Cowper também tem um figurino peculiar.  Antes, ela tinha somente cabelos muito extravagantes, agora, é tudo, e a moça parece personagem de um filme de ficção científica.  Está divertido de se ver e me lembra o que fizeram em Reis Malditos (2005), mas com um resultado melhor.  Ainda preferia um figurino mais perto do realista, mas Cressida me diverte.  Cressida está recebendo uma atenção particular nessa temporada.  Estão dando camadas para a personagem e mostrando que ela não é somente a loira rica e malvada.  Ela nem é tão rica, nem é tão malvada e tem uma família horrível.  Se Penelope é chamada de solteirona, Cressida, que debutou no mesmo ano, é pressionada pela mãe a conseguir um marido, ou seu pai vai lhe comprar um.  

Vejam que ela deveria também, por razões de coerência, ser chamada de solteirona, mas não é.  O que a diferencia de Penelope?  Ela é magra.  Só pode.  Enfim, Cressida e a mãe parecem estar com sua renda cortada como uma punição pela incompetência da moça em conseguir um bom partido.  Esta questão era fundamental para as boas famílias, afinal, não era uma boa opção ficar solteira e moças da classe social retratada na série não poderiam ter uma ocupação, pois seria vergonha para elas e, consequentemente, para suas famílias.

Falando em regras, o amigo boxeador do duque, Mr. Mondrich (Martins Imhangbe) e que deu um golpinho na última temporada e virou dono de um clube para cavalheiros, ganhou uma história própria e que está sendo desenvolvida as margens da trama principal.  Sua esposa, Alice (Emma Naomi), tinha uma parenta distante com título e ela deixa tudo para o filho mais velho dos dois.  O menino será barão de alguma coisa e a vida da família muda radicalmente.  

Eles ficam um tanto perdidos, e não poderia ser diferente, há certa fascinação, mas há o choque, também.  E passam a se esforçar para seguir regras, descritas pela governanta da grande propriedade herdade pelo filho, como dormir em quartos separados (*como se fosse algo obrigatório...*) até que Benedict lhes dá uma dica meio errada, de que regras só valem para os solteiros, os casados podem fazer o que quiser.

Ninguém pode fazer o que quiser, um dos temas da temporada, pelo que percebi, é o quanto um indivíduo precisa se dobrar as imposições sociais.  Gente muito rica e influente pode até esticar a corda, mas, mesmo esses, precisam se dobrar em algum momento às convenções sociais, especialmente, se querem pertencer à alta sociedade.  Os Mondrich certamente não precisavam se constranger muito, mas, logo no final do episódio, o ex-boxeador é advertido de que voltar a trabalhar não é algo aceitável, porque nobres não trabalham.

De fato, gerenciar terras não é visto como trabalho, nem viver de investimentos, a questão é trabalhar com as próprias mãos.  Agora, Mr. Mondrich não é o barão, ele é o pai do portador do título.  De resto, algo que já escrevi antes, gente como Benedict e Colin deveriam ter uma ocupação seja na política, no clero, na marinha ou exército, ou no Direito.  Filhos mais novos, via de regra, e não acho que papai Bridgerton, morto aos 38 anos, teve tempo de planejar seu testamento, herdavam quase nada.  Por isso mesmo, Colin, que não tem título, que herdará muito pouco, não seria um bom partido, muito pelo contrário.  

Voltando lá para Orgulho & Preconceito, o Coronel Fitzwilliam, primo do Mr. Darcy, é filho de conde, mas avisa que, por ser caçula, precisa casar bem, ele pode até sonhar com uma Elizabeth Bennet, mas ele precisa casar com uma moça que tenha um dote de muitas milhares de libras.  Sim, eu sei que o problema é do material original, a série não está se afastando dos livros aqui, Julia Quinn não se preocupou em pensar nessas coisas.

Caminhando para o final, Eloise começa a se mostrar menos dura com Penelope, ainda que não queira dar o braço a torcer.  E ela se sente culpada, claro, pela indiscrição.  Francesca consegue, com a ajuda de Lady Danbury (Adjoa Andoh), virar o diamante da rainha aumentando seus prospectos de um excelente casamento.  Só que a moça, tímida e reservada, só quer um marido que a respeite e uma casa para chamar de sua.  Ela quer fugir das multidões e isso inclui famílias grandes, ainda que amadas.  Não sei qual o caminho que ela vai seguir até o fim da temporada.  E aparece o irmão de Lady Danbury, ele parece estar na série para balançar o coração de Lady (Violet) Bridgerton (Ruth Gemmell).

Acho que é isso. Não tivemos nem Anthony (Jonathan Bailey), nem Kate (Simone Ashley), neste episódio.  Que pena!  Falta um episódio desta primeira leva.  Continuo gostando de Bridgerton, adoro a Nicola Coughlan, mas esperamos tanto pela terceira temporada e eu esperava um pouco mais de cuidado da parte da produção com a coerência do roteiro.  Está um tanto aquém do que eles poderiam fazer.

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