Terminei de assistir a primeira leva de episódios da terceira temporada de Bridgerton, a próxima estreia no longínquo 13 de junho. A ideia da Netflix de dividir a temporada pela metade foi uma novidade que não sei se me agradou, mas entendo a estratégia que é manter o interesse do público e as pessoas especulando sobre o que virá depois. Os vídeos e textos sobre a série continuam saindo e eu atrasei esta resenha (*já fiz duas: 1 - 2*), porque estava assistindo e lendo coisas sobre a série, em especial, em relação ao figurino, que deu uma grande guinada nesta terceira temporada.
No quarto episódio, finalmente Colin entendeu que ama Penelope e que precisa se posicionar rapidamente, ou ela se casará com outro, neste caso, Lord Debling, personagem inventada para a série. Como pontuei na resenha anterior, eu gostei de Debling, ele é sincero e, se não tiver um lado oculto, seria um marido bem adequado para qualquer mulher do período que Bridgerton supostamente parece representar.
Sim, supostamente, porque a série de TV, não os livros, que fique claro, se passam na Inglaterra da Regência, na década de 10 e 20 do século XIX, mas em um universo alternativo no qual o racismo morreu, mas, curiosamente, o patriarcado, o capitalismo e o classismo seguem firmes e fortes. Veja, e esta explicação é para quem está lendo o primeiro dos meus textos, eu não tenho problema algum com adaptações, agora, eu sempre vou me fixar em discutir as escolhas, porque elas podem dizer muito sobre o que um produto midiático deseja passar como mensagem, ou mesmo sobre a incompetência de quem está no comando de uma série, filme ou animação.
Na resenha anterior, por exemplo, pontuei que considero falhas de roteiro grosseiras chamarem Penelope de "spinster" (solteirona), quando ela, no máximo, poderia ser chamada de "wallflower", isto é, aquela debutante que vai ficando para trás, na parede, sem ser tirada para dançar. Penelope, aos 19 anos, não é solteirona, mas tem perspectivas realmente baixas de casamento. Por isso, a cena em que sua mãe a empurra para Lord Debling é uma das melhores e mais realistas da temporada.
Portia, que é muito sensata e luta pelas filhas com unhas e dentes, vide a temporada anterior, aconselha Penelope, que é sua filha menos querida, a agarrar com unhas e dentes a proposta de Debling. Se a moça aceitasse, teria um marido bem apessoado, relativamente jovem e gentil e teria dinheiro (*se os roteiristas não esqueceram, Penelope, mesmo que em segredo, já tem grande fortuna, afinal, ela é Lady Whistledow*) e autonomia, porque seu marido estaria sempre viajando e confiaria a ela a administração de suas propriedades e bens. Em uma sociedade na qual os casamentos era arranjados, e, não, por amor, como no tipo de literatura na qual Bridgerton se insere, Penelope seria afortunada.
Só que a nossa protagonista ama outro e Debling, que está me saindo uma das melhores personagens da temporada, percebe isso e se ressente. Não sabemos como irão desenrolar a questão nos próximos episódios, mas o sujeito não ter se fingido de cego o faz ganhar pontos comigo. Eu ainda estou com o marido de Vidas Passadas atravessado na minha garganta, por assim dizer. Não consigo ver as qualidades que muita gente parece observar naquele filme. Retornando, Colin estraga o quase noivado de Penelope que, pelo menos nesse quarto episódio, não foi mostrada como desastrada. E temos, claro, a cena da carruagem.
Como não me segurei, eu fui atrás do livro. Achei em *.pdf, porque vontade de pagar por ele, não tenho. Eu comprei os livros 1 e 2 e não me sinto inclinada em gastar dinheiro com os outros livros da Julia Quinn. A cena da carruagem é quando Colin se declara. Só que há uma mudança substancial na sequência dos acontecimentos, quando Colin e Penelope se pegam dentro da carruagem (*e a sequência foi boa! 🔥🔥🔥*), ele já sabia que ela era Lady Whistledown e a sequência funciona, também, como uma forma de fazerem as pazes.
O fim da sequência também é diferente. Depois de quase fazerem sexo dentro da carruagem, com Penelope, pelo menos no livro, tentando mostrar para Colin que tem interesse e não é passiva, o que a torna diferente de Daphne e Kate nos seus respectivos livros, eles param na casa dela e Colin estende a mão e pergunta se ela casaria com ele, ou não. E vai para pedir a mão da moça para a mãe dela. Claro, as coisas não acabam saindo como o esperado, mas Colin age de forma honrada.
Na série, ele diz a mesmíssima frase, mas eles estão parados na frente da casa dele e é à noite. Ele a chama para entrar com ele na mansão dos Bridgerton. Enfim, o que vai acontecer? Ele vai arruinar Penelope? Só para usar os termos da época, engravidá-la (*porque duvido que ela não tenha um filho homem antes das irmãs, que estão em uma disputa neste momento*) e ela vai ficar sofrendo nos próximos capítulos? E escrevo isso, porque, bem, ele ainda não descobriu que ela é Whistledown. Imagino que ele vá armar um escândalo. Sei lá... Espero que conduzam bem a coisa, mas eu duvido.
De resto, falando de Colin, o episódio foi um pouco mais feliz ao mostrar que, sim, ele amadureceu. Nas primeiras duas temporadas, ele era um garoto, agora, ele é um homem. Só que no afã de parecer com a média dos rapazes de sua época, talvez lembrando o Anthony antes de encontrar Kate, ele estava escondendo o verdadeiro Colin, que é um sujeito sensível e gentil, não um "rake", isto é, "um homem, principalmente aquele que é rico ou de posição social elevada, que vive de forma imoral, principalmente fazendo sexo com muitas mulheres". Mas, como ele não sabe ainda o segredo de Penelope, ele terá uma recaída, eu imagino.
Já Benedict, continua metido em situações que enfatizam a sua heterossexualidade (*seu caso com Lady Arnold deslanchou*) e o quanto ele seria um bom partido para qualquer mulher. Pensando bem, ele, ou Colin, não são partido ideais, mas são bons partidos, porque caso um deles tenha filhos homens e Anthony não tenha nenhum, ou caso o irmão mais velho morra sem descendência, o título passaria para o segundo mais velho. A longo prazo, poderia ser uma aposta interessante para certas famílias nobres. E, bem, o drama dos Mondrich ilustra bem isso.
Por mais absurdo que possa parecer, um título de nobreza poderia cair no colo de alguém de repente. Aliás, este é um dos dramas centrais de Downton Abbey, só para citar um excelente exemplo ficcionalexemplo. O primo distante que é o único parente homem e, portanto, herdeiro de um título de nobreza. No caso dos Bridgerton, com tantos filhos, a coisa nem precisaria ir tão longe.
E o outro destaque do episódio foi Cressida. Acredito que uma das coisas realmente interessantes desta temporada é como estão dando camadas para a menina rica e má. Cressida tem uma família horrível que deseja que ela se case logo. Era custoso manter uma moça nesse mercado matrimonial e ele ia perdendo valor conforme o tempo passava. No livro E o Vento Levou, há toda uma reflexão sobre o esforço que é empenhado na educação de uma jovem para que ela se torne uma noiva desejável e seja exposta por uma temporada ou, no máximo, duas. Mais que isso, seria algo ruim. Claro, E o Vento Levou está quarenta anos à frente de Bridgerton e o Sul dos Estados Unidos é uma roça se comparada com a Londres da alta nobreza, mas a percepção da coisa não é muito diferente, não.
Cressida é intimada pela mãe a arrumar um marido o mais rápido possível, porque seu pai está impaciente e já diminuiu inclusive a verba a ser empenhada em novos vestidos, ela teria que repetir roupas se não cumprisse logo com o seu dever. E, pior ainda, o pai a estava ameaçando com um marido bem mais velho e escolhido por ele. A situação de Cressida é muito realista, por assim dizer, e o figurino cada vez mais exagerado e absurdo da moça meio que é usado para refletir essa situação de opressão. Ela precisa aparecer, se destacar. Obviamente, em uma situação realista, ela se vestiria com mais apuro e na última moda (*é assim no livro*), mas é Bridgerton, e o figurino dessa terceira temporada aloprou geral.
Outro destaque em relação à Cressida é a casa dela. Quem ficou responsável pela direção de arte conseguiu criar um ambiente opressor, fechado, de cores pesadas, muito diferente da ambientação geral das outras casas. Quando Eloise vai visitá-la, a Brigerton que não controla a língua, diz que a casa parece um museu. Com a chegada do pai de Cressida, Eloise é meio que expulsa e ouve de longe o pai dizendo que não quer que Cressida fique de amizade com "the Bridgerton girl". Fiquei pensando no significado disso. Eloise é um mal exemplo? Sem dúvida é. Perto de Eloise, Cressida teria menos chances de arrumar um marido, porque o nome Bridgerton seria mais atraente? Enfim, o fato é que Cressida desobedece.
A surpreendente amizade entre Eloise e Cressida é algo importante na temporada. Não queria que fosse algo passageiro, que Eloise rompesse com Cressida depois de fazer as pazes com Penelope, ou que a outra retornasse totalmente para o lado do mau. Aliás, uma das grandes discussões é como as mulheres são atiradas umas contra as outras nessa busca por um bom partido. Há quem esteja torcendo por um casal Eloise e Cressida. Pode acontecer? Sem dúvida. Talvez heteronormatizem Benedict e joguem Eloise como representante da diversidade. O problema é que isso iria acabar com a excelente discussão da amizade entre mulheres e, claro, usar a moça que se revolta contra o patriarcado para ser a lésbica da série é um clichê. Vamos ver o que acontece.
E temos Francesca. A mudança de atriz trouxe um ar tão diferente para a personagem! Ruby Stokes era rechonchuda, tinha um ar ainda bem juvenil (*Francesca ainda estava longe de debutar*) e, nas suas poucas cenas, tinha uma atitude bem diferente da Francesca de Hannah Dodd. A nova intérprete tem um tipo de beleza que associamos à aristocracia, à riqueza. A típica princesa mesmo. Quanto ao desenvolvimento da personagem, vi algumas discussões sobre a possibilidade da jovem, pelo menos na forma como é apresentada na série, ser neurodivergente, podendo estar dentro do espectro autista.
A personagem tem hiperfoco (*a música*), ela tem dificuldade em estar no meio de gente desconhecida, parece ter baixa tolerância aos barulhos. Pensem que em uma casa como a dos Bridgertons, a algazarra é constante, além disso, há as festas. Francesca pode ser simplesmente tímida. Parece que este é o caso dos livros. Mas pode ser que a produção da série queira inserir este tom de diversidade através da personagem. O autismo como transtorno só foi diagnosticado no século XX, mas ele certamente estava conosco desde que os seres humanos estão circulando por aí. Então, pessoas que eram TEA nível 1, conseguiam aos trancos e barrancos, como muita gente nos dias de hoje, aliás, se inserir na sociedade, se tornando funcionais, mas ao custo de algum sofrimento.
Enfim, Francesca só quer casar logo, para sair do circuito dos bailes e ter sua própria casa onde será a senhora e poderá viver em paz com sua música. E ela parece ter encontrado um homem, Lord John Stirling, Conde de Kilmartin (Victor Alli), que a compreende e que ama a música e o silêncio como ela. Eles se conhecem enquanto fogem para a área externa de um dos bailes, porque querem o silêncio e a tranquilidade. E foi bonitinha a cena em que ele lhe presenteia com a partitura com a música que ele gostou, mas com as correções sugeridas por ela. E depois tivemos outra cena bem simpática, com Francesca maravilhada e tocando a música em seu piano em plena madrugada.
Enfim, mas como a rainha quer empurrar a moça para o tal Lord Samadani (David Mumeni), imagino que ainda teremos algum drama antes que a moça e Kilmartin se casem, porque ele se tornará marido dela, se os livros forem seguidos. Agora, será que vão introduzir o tal primo dele que se apaixona por Francesca e que será o par da moça no livro dela? Sim, é um spoiler, mas as coisas podem ser mudadas no seriado, o amor da vida de Francesca não é bem o John Stirling, mas o primo dele, que irá conhecê-la poucas horas antes do casamento.
Ah, sim! Voltando para a família de Cressida e para Benedict, uma teoria que está correndo é que Sophie, a amada do segundo filho Bridgerton talvez já esteja na história. Grace Gorman, cabelereira da série, fez uma postagem no Instagram sobre uma das perucas da mãe de Cressida e observou, como quem não quer nada, que o nome dela é Araminta. Pois é, este é o mesmo nome da madrasta má de Sophie, a mulher que condena a filha do marido à condição de criada. Se assim for, seria uma boa surpresa se Sophie aparecesse ainda nesta temporada, mesmo que de relance, em alguma cena na casa de Cressida.
Para terminar, porque está ficando longo, muito longo. Assisti a live da Modista do Desterro sobre Bridgerton, li a entrevista com o figurinista (costume designer) da temporada (John Glaser) e outras matérias sobre o figurino (*1 - 2 *), saiu o primeiro post do Frock Flicks sobre o tema e ainda olhei o vídeo da Karolina Żebrowska sobre o que vimos até agora de figurino na série. Sou levada a concordar com praticamente tudo que a Żebrowska colocou e vou comentar agora.
Já no título, Karolina Żebrowska coloca que o figurino de Bridgerton está fora dos trilhos nessa terceira temporada. O que ela pontuou de muito importante é que a liberdade criativa dada ao figurinista foi usada para criar uma situação na qual não sabemos mais em qual época da História (*a da Inglaterra*) a série se passa. Sabe quando esticam demais a corda? O figurino nunca havia sido realista, e nem precisa ser, vejam bem, não é disso que eu falo, mas ele colocou em cena tantas silhuetas e tantas ideias que não parece mais Regência, ou não é Regência o tempo inteiro. Em alguns momentos, o figurino de Cressida, por exemplo, parece sair de um filme de ficção científica. O exagero tem função na narrativa, eu escrevi lá em cima, porém o desvio não é somente com ela.
As roupas de Kate, por exemplo, não parecem com nada. Seu vestido de baile tinha um tecido lindo e qualquer coisa que a Simone Ashley colocar no corpo vai vai ficar bem, porque ela é muito bonita, mas não tem como ver virtudes naquele vestido. A Żebrowska apontou outra coisa que eu pensei, também, quando a Kate anda de braço com a sogra, ela está em uma roupa que parece feita para uma grávida. Aliás, que temporalidade zoada parece ter Bridgerton, não é mesmo? A primeira temporada se passa em 1814. Daphne casa e tem um filho. A criança está um bebê grandinho na segunda temporada. 1815? Certo? E o Colin viajou de novo, o figurinista fala dos ridículos seis meses que o tornaram um homem. Daí, a Żebrowska mostra que um dos programas de baile desta temporada, uma tela congelada, com a data de 1815. Foi erro? Deveria ser 1816. Se fosse 1817, melhor ainda.
Enfim, eu entendo a vontade da produção de dialogar com outras épocas, a live da Modista pontuou bem que a produção está antenada com as tendências da moda de nosso tempo, além disso, há a influência do cinema dos anos 1930-1950 nos cabelos, do figurino dos anos 1930, das silhueta dos anos 1960 na Eloise (*inspiração em My Fair Lady*). Agora, há o excesso de laços, os cold shoulders (*que eu acho horríveis*), e o spencer que a Francesca parece estar usando quase o tempo inteiro. Se queriam colocá-la com a peça em tweed poderiam variar pelo menos a cor, um pouco do corte, enfim, parece que ela está sempre com a mesma peça.
A Karolina Żebrowska parece ser a única pessoa que vi reclamando do vestido verde e preto da Penelope, mas ela fez uma boa reflexão sobre a peça. A protagonista queria causar forte impressão, deixar de ser uma wallflower sem graça, mas ultrapassou os limites. A partir dai, Penelope escolhe cores menos fortes e vai se aproximando da paleta de cores dos Bridgerton, os tons azuis. E houve também uma boa análise em outro artigo sobre como as roupas da Penelope e como elas vão expressando não somente as mudanças da personagem, amadurecimento, mas, também, seus estados de humor. Aliás, nada no figurino de Penelope, Cressida e Eloise parece ser por acaso.
É isso. Me estendi demais. Terminando, ainda não se retrataram sobre Emma de Jane Austen. Sim, a piada não foi boa e soou ofensiva e redutora mesmo. E Kate e Anthony não apareceram neste quarto episódio, também. Eu gosto deles, a segunda temporada é minha favorita e que queria vê-los em ceninhas pequenas que fosse. Agora, é esperar o resto da temporada. Tomara que ela valha a pena.
P.S.: Durante a madrugada, acabei engrenando a leitura de Romancing Mister BridgertonRomancing Mister Bridgerton e é preciso deixar um elogio, provavelmente, um texto virá ainda, porque é um bom livro. Um casamento que não é forçado, uma mocinha que não parece estar perdida na sua primeira vez e uma explicação muito plausível para Benedict e Colin não terem que fazer absolutamente nada na vida. Realmente, dos três livros da série que li, este é o único que merece elogios. E fiquei imaginando o quanto algumas mudanças feitas na série acabaram por jogar fora coisas legais que estão na obra original. E estou com pensando o que vai ser de Cressida, se ela vai continuar ali, meio que tentando se tornar uma pessoa melhor, ou se irá assumir o papel que tem no livro. Esperemos.
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