Acompanho dois perfis no Twitter (@DoomScroling e @ask_aubry) que repostam absurdos postados pela extrema-direita cristã fascista (que muitas vezes não ousa dizer o nome) norte-americana. Coloquei três prints de um tópico começado por uma figura chamada @godlywomanhood. É uma senhora de 50+ que defende que mulheres tem um destino estabelecido por Deus, serem esposas, mães e donas de casa e somente isso. Cheguei nela, porque um dos perfis que sigo repostou um post da tal mulher defendendo que alguém que lhe pediu conselho não denunciasse o marido por estupro marital, que ela perdoasse e esquecesse. Enfim, mas eis que ela fez um post que me chamou a atenção, falando de escola e como elas não são feitas para meninos:
"As escolas feminizam os meninos, fazendo-os sentar-se em cadeiras a maior parte do dia; ler, escrever e coisas que as meninas gostam. Os meninos PRECISAM correr, pular, criar e construir. Eles são construídos de forma diferente das meninas. As escolas foram feitas para meninas, não para meninos. Traga seus meninos para casa e deixe-os ser meninos!"
Pergunto-me então, o que os meninos vão aprender. Marcenaria? Serem ferreiros? Camponeses? Estão pensando em qual tipo de educação? Uma medieval, talvez? Li um artigo sobre educação dos camponeses na Idade Média que ponderava que para uma família de artesãos, ou camponeses não fazia muito sentido enviar seus filhos e filhas para a escola, a educação deles não precisava ser formal, por assim dizer. Para quê um garoto filho de um camponês precisaria aprender latim, por exemplo? Até tropecei em um artigo sobre educação na Inglaterra medieval enquanto escrevia este texto, que afirma que somente um dos filhos de um servo, isto é, um camponês que não era livre, poderia ser mandado para a escola, desde que fosse se tornar padre. Isso só teria mudado no século XV, quando essa condição foi suspensa.
E, sim, havia escolas públicas básicas em algumas cidades medievais. Poderiam ser mantidas pela municipalidade, pela igreja, por gente rica, isso variava muito. Mas uma família camponesa, mesmo se não tivesse que pagar taxas, teria que arcar com o alojamento de seu filho na cidade, era dispendioso enviar alguém para a escola. Ainda assim, há farto material de famílias camponesas inglesas do século XIV pedindo permissão ao senhor para enviar um de seus filhos para a escola na cidade próxima. O senhor poderia, ou não, permitir, se deixasse aquele menino certamente estaria destinado a ter uma certa ascensão social, seja como padre, ou outra profissão que exigisse uma educação formal. Esses meninos meninos que esta senhora diz que precisam ser retirados da escola, irão estudar e aprender o quê? Não faço ideia.
Pois bem, que tipo de escola tínhamos na Idade Média (500-1500 AD)? Eram horas sentado lendo, escrevendo, aprendendo a contar e por aí vai. Temos fontes – escritas e imagéticas – suficientes mostrando que o modelo de escola, todos sentados em fileiras ou em círculo, seus livros e anotações nas mãos, não mudou muito. Então, o que incomoda essas pessoas na escola? A bronca é somente com a escola pública? Nas particulares seria diferente? Passemos ao segundo comentário, percebam a bandeirinha de Israel, o significado em um perfil é o mesmo que temos por aqui, a pessoa diz que lecionou por vinte e cinco anos em uma escola pública:
"Lecionei em escolas públicas, alunos do 5º/6º ano por 25 anos, esta é uma afirmação 100% verdadeira. Salve seus meninos, tire-os das escolas públicas. As escolas públicas são totalmente contra a masculinidade. Quanto mais masculino um menino, mais ele é discriminado hoje na escola."
O terceiro comentário é somente aplauso, mas o quarto é uma pérola e sinaliza o que incomoda essas pessoas DE VERDADE. A autora do post não o contestou, ele já tinha alguns likes e somente duas pessoas mostraram indignação e ele continua lá postando mais material do mesmo calibre para pior. Segue o post e há muito na imagem a se comentar:
"😂Isso foi o que aconteceu nas escolas o dia todo"
Olhando a imagem, ela é muito rica. Há um rapaz branco, identificado como ariano, ele é obrigado a engolir “O Diário de Anne Frank” e há outros materiais que falam de Holocausto, tolerância, e coisas que incomodam uma fatia desse público dito conservador em cena. O professor, parece ser negro, mas se você atentar bem, ele tem o nariz adunco e os pequeninos olhos (*olhos de porco*), que as ilustrações nazistas colocavam nos judeus. A ilustração grita antissemitismo e, claro, racismo em todos os detalhes e pode ser inserida dentro da produção de material antissemita que bebe nesse passado nazista e circula na internet nos nossos dias. O que a escola pública, e estou mantendo a terminologia usada por eles, deve estar fazendo de errado, então, deve ser ensinar sobre Holocausto, tolerância e que todos são humanos. Talvez seja isso. E, repito, já se passaram horas e a dona do post não fez nada.
Mas, enfim, defendendo o homeschooling somente para garotos, ou sabe-se lá o que essas pessoas estejam querendo, lembrei do documentário Felicidade aparente – Os Segredos da Família Duggar e como explicam que o primeiro impulso à educação domiciliar veio nos anos 1960, quando da luta pelos direitos civis. Era preciso livrar as crianças brancas, meninos e meninas, do contato com pessoas inadequadas, afinal, as escolas públicas estavam deixando de ser segregadas e ensinando conteúdos que colocavam em questão ideias racistas e que admitiam que a cidadania era para todos. Ensinar a um menino que as mulheres são seres humanos como eles são deve ser realmente muito ofensivo.
Mas este pessoal que quer tirar os meninos da escola é mais radical, ou alucinado, não sei, porque há uma corrente mais pé no chão e que se fia em supostas descobertas científicas que defende salas de aula separadas, meninos de um lado e meninas do outro. A ideia é que homens e mulheres são seres naturalmente diferentes e que aprendem de formas distintas. Colocá-los juntos traria prejuízos ao aprendizado de ambos, mas, claro, especialmente, dos meninos. Este tipo de proposta tem adeptos nos Estados Unidos, onde as escolas públicas já tendiam a ser coeducacionais em meados do século XIX, e há experimentos em andamento em estados como a Flórida, principalmente.
Eu lembro de ter lido sobre a questão quando fazia Sociologia da Educação, eram textos de sociólogos australianos, eles defendiam escolas separadas, mas para o benefício das meninas, porque em ambientes seguros e com o estímulo necessário, elas poderiam desenvolver suas plenas potencialidades. Defendo a coeducação como forma de ensinar igualdade e respeito, mas os textos que li na licenciatura não eram norteados em ideias obscurantistas, mas em dados quantitativos e qualitativos coletados no sistema educacional britânico e australiano por mais de uma década. Agora, o que temos é o uso (pre) conceitos para segregar meninos e meninas para, supostamente, garantir que meninos sejam meninos e meninas sejam meninas. Se existe ideologia de gênero, ela está em ação exatamente aqui.
De qualquer forma, é a primeira vez que vejo alguém defendendo que a escola é para meninas e que os garotos devem ser tirados do ambiente escolar convencional. Ler, escrever, sentar para estudar é coisa de menina. Tantos séculos excluindo e cerceando o direito das mulheres À educação formal e, agora, essa. Esse povo é muito estranho e perigoso, também, claro.
1 pessoas comentaram:
Valéria, não sei se vc viu mas a Panini vai lançar Mr. Villain’s Day Off ainda em 2024 é um josei e eu achei o anime uma graça
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