Ontem, circulou no Facebook esse meme aí de cima. Achei engraçado, comentei e repassei. Enfim, é o curioso é que nas versões antes da Disney não tinha beijo, um dos criados do príncipe que estava carregando o caixão de vidro da Branca de Neve tropeçava e o pedaço da maçã preso em sua garganta se soltava. Obviamente, é igualmente esquisito o príncipe pedir que os anões lhe deem o cadáver da moça, ele poderia querer lhe dar um túmulo digno, ou admirar a beleza que, mesmo na morte, parecia não se desgastar. É um conto de fadas e tem várias versões.
Contudo, há algo importante, na versão da Disney, Branca de Neve e o príncipe tinham se conhecido antes, lá no início do filme. Lembram? O pobre príncipe não tem nome, e o da Cinderela também não tem, o primeiro a ter esse direito foi o Felipe da Bela Adormecida, mas ele canta um dueto com Branca de Neve e, bem, ele a guarda na lembrança. Aliás, o que as pessoas esquecem é que filmes de princesa são sobre ELAS, não sobre ELES. E a Disney é muito clara sobre isso desde as suas origens.
Quanto a beijar defuntos, Romeu beija o cadáver de Julieta, ou melhor, o que ele acreditava que era o cadáver da moça, já que ela estava em estado catatônico. E Julieta beija o cadáver do amado em busca de uma gota do veneno que o matou, antes de pegar o punhal do moço e enfiar no coração. "Abençoado punhal, eis a tua bainha! Cria ferrugem em meu peito!" Adoro essa frase, eu li com 13 anos e ela ficou gravada na minha mente. Enfim, dentro da lógica desses amores extremos literários não há problema nenhum envolvido no ato de beijar o/a amado/a morto/a.
De qualquer forma, acredito mais que na ideia do amor que vence a morte, porque no filme de 1937 o príncipe e a Branca de Neve se conhecem antes, eles já se amavam, eles já estavam destinados. O casamento por amor é algo do século XIX (*amor sem casamento, ou que tem que estar fora do casamento, é coisa da Idade Média*) e que a Disney abraça intensamente. Em todas as releituras dos seus contos de fada, salvo no desenho da Cinderela (*algo que é modificado no live action*), é concedido à mocinha o direito de conhecer e se apaixonar pelo príncipe antes do desfecho matrimonial. O que pode parecer até reacionário hoje, era muito libertador em tempos passados. Em 1937, muitas meninas, porque em muitos casos o eram, conheciam seus noivos-maridos à distância, ou mesmo no altar.
Estabelecido isso, não vejo nada de abusivo, ou incômodo, nesses beijos de animações de princesa da Disney. O príncipe beija o cadáver da Branca de Neve, a moça por quem estava apaixonado, como alguém que está reverenciando uma santa no altar. Em A Bela Adormecida, que eu amo, Felipe beija Aurora, a quem ele conhecera previamente na floresta sem saber que era sua prometida, e a beija sabendo que poderia quebrar o feitiço que a mantinha dormente. Não há nada de abusivo em nenhum dos casos e o conhecimento prévio, a ideia de quebrar o feitiço, cria uma noção de consentimento, ou urgência que, no caso na primeira versão da Bela Adormecida não existia.
Para quem não sabe, a versão europeia mais antiga da Bela Adormecida, de Giambattista Basile, na qual ela se chama Talia, o príncipe não beija somente a moça encontrada na floresta, ele a estupra. Porque, bem, o que um homem faria com o cadáver de uma bela mulher no meio de uma floresta, não é mesmo? Mas fiquem calmos, tudo termina bem, não sem antes ficar muito pior, e os dois vão viver felizes para sempre, porque a vilã da história é a mãe do príncipe e não o belo estuprador. Então, não me peçam para ver problemas na animação da Disney, por favor, nem para ver algo de revolucionário em Malévola, mas vamos voltar para a Branca de Neve.
Enfim, em 2024, teremos dois filmes live action (*que eu saiba*) da Branca de Neve. O da Disney, nasce cercado de polêmicas, seja por ter escolhido Rachel Zegler, de West Side Story, que não é "branca como a neve", para o papel, por cortar os anões, e pelas falas polêmicas da atriz. Entre outras coisas, ela chamou o príncipe original de stalker e afirmou que “Faremos uma abordagem muito diferente daquela que muitos estão presumindo só porque tem um cara no elenco. Não é de forma alguma uma história de amor, o que é maravilhoso”. Ela disse também que Branca de Neve será sobre liderança feminina. Eu só acho que aquele filme (*ruim*) Branca de Neve e o Caçador já foi sobre isso.
De qualquer forma, não sei se as falas da moça ajudam o filme e ele pode ser uma história de amor e, ainda assim, ter uma heroína interessante. Será que será mesmo Branca de Neve ou outra coisa na linha Malévola? Não sei. Devo assistir no cinema com a Júlia e estou aguardando o primeiro trailer para dar mais opiniões. Agora, eu realmente achei antipáticas as falas da moça, que é a estrela do novo Jogos Vorazes, então deve ampliar seu fandom, ou que é bom para a Disney.
Mas há outro Branca de Neve a caminho e ele lançou trailer este ano. Estrelado pela atriz e youtube conservadora (!!!) Brett Cooper, que foi envelhecida pela maquiagem que lhe colocaram, porque ela é bem novinha, como a Rachel Zegler. A produção se chamará Snow White And The Evil Queen (Branca de Neve e a Rainha Má). A produção não deve ir para os cinemas, mas direto para o streaming, ou, talvez, a rede "conservadora" nos Estados Unidos banque um lançamento como um material anti-Disney, porque o Jeremy Boreing, co-fundador do Daily Wire, rede de streaming e sites conservadores que produziu o filme, anunciou o projeto com um comunicado confirmando os objetivos políticos do material, isto é, estimular a lucrativa guerra cultural norte-americana:
“Em vez de contar histórias sobre a verdade atemporal, sobre o que eram os antigos contos de fadas, a nova 'Branca de Neve' da Disney é um pedido de desculpas pelo passado e exporá as crianças às mentiras populares, mas destrutivas, do momento atual (...) [Branca de Neve] É uma história sobre uma princesa e um príncipe, sobre beleza e vaidade, sobre o amor e seu poder de nos ressuscitar da morte para a vida. É a nossa própria adaptação de um antigo conto de fadas."
Se ainda tivermos mundo no ano que vem, imagino que vão querer aplicar um golpe tipo O Som da Liberdade, e inventar que o público estava sedento por uma abordagem "atemporal" do conto de fadas (*como se ele só tivesse uma versão*) e está lotando os cinemas, quando, na verdade, há uma máquina por trás do sucesso. E falo da farta distribuição de ingressos gratuitos e da cooptação de religiosos para alavancar um material que tem o selo e aprovação de magnatas da comunicação, políticos reacionários e empresários ávidos por ganhar ainda mais dinheiro. De qualquer forma, um filme barato e com um impulsionamento não-orgânico se paga muito fácil e recomendo um vídeo antigo do Gay Nerd sobre o avanço do Cinema Conservador Cristão.
Falando nisso, o Youtube me sugeriu um vídeo de uma influenciadora conservadora cristã sobre por qual motivo o live action da Branca de Neve será um fracasso. Sim, já há vídeos assim aos montes. Ela dá três motivos para o fracasso: a mocinha não ser branca como a neve, algo fundamental na história, diferentemente, do que foi com a Pequena Sereia; o fato de tirarem os anões e os transformarem em outra coisa; e a ideia de que não será um filme de amor.
As críticas que ela levanta são até coerentes, eu concordo em vários pontos, vide o que pontuei acima das falas da protagonista, mas a partir daí ela cai naquela vala comum de crítica à "cultura woke" e os comentários, que são muitos, vão nessa linha e dão boas vindas a uma voz feminina que pode se juntar a outros canais de reacionários que tratam da cultura pop. Obviamente, não vou dar o endereço do vídeo, se vocês quiserem, encontram fácil. E é bom escrever que a Disney já avisou que muito desse barulho é por nada, mas é preciso esperar para ver o resultao.
E ela fazia questão de usar muitos termos em inglês desnecessários, e sei que isso é algo que pode ocorrer com todo mundo, eu mesma às vezes lembro de um termo em inglês e não do mesmo em português, mas quando ela reclamou que acabaram com a BRODERAGEM dos Sete Anões, passou dos limites. Ela poderia usar "amizade", "camaradagem", mas o broderagem para mim se remete a outra coisa. E, sim, acho que a culpa é da minha mente deturpada, mas eu não consegui manter a linha de raciocínio depois disso.
De resto, uma das grandes preocupações da moça, que deve ser antifeminista, porque tudo tem que vir em um pacote fechado esses dias, é que o filme da Disney deve vilanizar os homens. E ela cita outras produções que (*supostamente*) fazem isso, como o novo Mulan (*cujos problemas estão em outro lugar*) e Capitã Marvel. E que vão negar o amor e a família que a Branca de Neve merece e deseja. Como se a Branca de Neve da Disney tivesse família mostrada depois dos créditos do filme. Aliás, essa ausência de qualquer coisa que remeta a possibilidade do sexo, porque para ter filhos e filhas, normalmente é desse jeito, é algo que existe para agradar os conservadores, aqueles de antigamente, porque os de agora, não sabem disso, ou só se importam seletivamente com a questão. E falei disso lá na resenha da Barbie, que nunca se casou, ou teve filhos desde sempre.
E depois que conheci a versão russa/soviética da Branca de Neve, na qual além de ter o príncipe, ela mora, sabe-se lá quanto tempo, com SETE CAVALEIROS bonitões (ESCÂNDALO), nem perco muito tempo discutindo essa história de beijo em cadáver, ou borderagem de Sete Anões. E ignorem a piada ruim, porque a animação é de altíssima qualidade e passou na TV Cultura, tem no Youtube dublada. Está abaixo:
Concluindo, porque já me estendi e nem terminei de editar o Shoujocast, para mim, a melhor versão live action de Branca de Neve é a com a Sigourney Weaver como rainha má. Branca de Neve na Floresta Negra tem mais de 30 anos e continuará sendo muito mais interessante e subversivo do que qualquer filme supostamente woke que se faça hoje. A Branca Neve do filme começa como uma mocinha irritante e mimada; a rainha tem nuances; o príncipe termina sendo seduzido pela rainha má; os anões não são anões (*um é, na verdade*), mas sujeitos marginalizados pelos mais diferentes motivos e que se escondem na floresta, que, na Idade Média, era um lugar de liberdade.
Claro, que este filme é uma produção para o público adulto, ou que quer tê-lo como consumidor privilegiado, enquanto o Branca de Neve da Disney precisa ser um produto para toda a família com todas as limitações que isso acarreta. De qualquer forma, espero ansiosamente o trailer desse novo Branca de Neve da Disney para tecer opiniões sobre o que a empresa pretende nos oferecer de isca, porque é muito comum que o vídeo promocional seja melhor do que o filme pronto nos últimos tempos.
3 pessoas comentaram:
Ótimo texto. Confesso que depois do que a Disney fez com o live action da Mulan ando com o pé atrás para todas essas produções de live actions da Disney. No geral, continuo achando a existência deles bem desnecessária, não sei se é mais barato produzir uma versão livr action e surfar na fama posterior da obra ou produzir novas animações, imagino que seja primeira alternativa. Não gostei que tiraram os 7 anões, quanto atriz aos meus olhos ela é branca, mas sei o que esse pessoal quer dizer quando exige alguém branca como neve. Sinceramente não devo assistir essa versão, a não ser que o trailer me agrade. Por conta da pandemia e desses lançamentos em streaming, que eu não tenho, percebo que estou bem atrasada nos lançamentos da Disney, não assisti aquele Raya e o Dragão, aquele da Família Madrigal, Coco, estou bem atrasada nos lançamentos das animações Disney. Sei que ano que vem teremos um novo filme de princesa, pretendo comentar o trailer? Não lembro se já teve post no blog sobre. Vamos esperar para ver como vai ser esse novo Branca de Neve. Vou procurar essa versão com Signeour Weaver, adoro ela.
"O pobre príncipe não tem nome, e o da Cinderela também não tem, o primeiro a ter esse direito foi o Felipe da Bela Adormecida,"
Na série "Fábulas" da DC/Vertigo o autor aproveitou esse detalhe pra fazer dele um personagem só, simplesmente "Príncipe Encantado", ex-marido das 3. Cada uma delas esteve casada com ele em períodos diferentes, mas não conseguiram ser "felizes para sempre".
Nunca tinha ouvido falar desse A Floresta Negra. Parece interessante.
De tantas versões dessa história, acho divertida a versão do Tarsem Singh com a Lily Collins e a Julia Roberts: Espelho, Espelho Meu.
Postar um comentário