Começo avisando que se você não é maior de idade, pule esse post, porque ainda que eu não vá colocar nada gráfico, ele não é para você. Enfim, tropecei em vários sites comentando que 6 de setembro é o Dia do Sexo. Segundo matéria do Zero Hora, a data foi criada em 2008 em uma campanha publicitária e a ideia seria associar 06/09 à posição sexual 69, que eu não irei explicar o que é, mas você descobre jogando no Google.
Muito bem, faz umas duas semanas que descobri que a produtora da Erika Lust fez uma minissérie inspirada nos livros de Jane Austen e em Bridgerton chamada Ashford Manor. Ela saiu no final do ano passado. Lust é uma diretora e produtora de material pornográfico que se diz feminista (*e não vou usar este post para discutir isso, mas o link anterior é uma entrevista dela em português*) e que busca apresentar roteiros com alguma qualidade, elencos diversos e ângulos que fogem do que seria o pornô comum pensado para o público masculino. E, sim, ela entrega o que promete, já olhei vários materiais da Lust Cinema e se tornou uma referência em seu nicho.
A diretora de Ashford Manor, no entanto, não é Erika Lust, mas Inka Winter. Eu consegui baixar todos os quatro episódios e passei os olhos neles e queria comentar algumas coisas. O resumo da série com informações do IMDB é a seguinte:
Nesta divertida homenagem ao trabalho de Jane Austen, ambientada na Era da Regência, Ashford Manor segue Annabel (Nicole Kitt) e sua amiga Beatrice (Jasmine Tea) em sua busca pelo amor e pelo despertar sexual. Elas estão passando algumas semanas com uma tia na propriedade que dá nome à série, a Ashford Manor, trata-se do último ano antes que ambas debutem na sociedade e se coloquem no mercado de casamento.
A aventura começa naquele recanto idílico quando Katherine (Nolina Nyx), amiga de Beatrice, chega para visitar com seu marido Philip (Dillon Diaz) e seu amigo Graf Willhelm (Jonte). Será que a tensão crescente entre Annabel e Wilhelm se transformará em romance? Enquanto isso, Beatrice e Katherine exploram seus afetos uma com a outra... e compartilham suas aventuras com Philip.
São dois episódios focados em Beatrice e dois em Annabel. No primeiro episódio, as duas moças externam suas ansiedades e inseguranças em relação ao futuro e temos a chegada dos visitantes à Asford Manor. Beatrice e Katherine eram amantes e o casamento da segunda magoou profundamente a primeira. Ao longo dos dois episódios, as duas fazem as pazes e Katherine termina por convencer Beatrice a ir para a cama com ela e o marido.
Sim, trata-se de pornografia e temos uma sequência de sexo por episódio, a primeira entre as duas moças, a segunda dos três juntos. A transa das duas moças é bem mais explícita do que a que ocorrerá entre o casal hetero da trama, ela é mais intensa, talvez, pelas duas jovens estarem fazendo as pazes depois de uma separação. E se você observar o elenco, verá que série não entrega somente a diversidade étnica, mas a de corpos, algo típico do material da Lust Cinema.
As cenas de sexo são longas, o que é meio cansativo, mas nada que impeça a história de correr. Eu realmente preferia que a coisa ficasse somente com as duas moças, até para reforçar que esse tipo de relacionamento existia e que, muitas vezes, era sacrificado em prol da heterossexualidade compulsória, mas Beatrice é levada para a cama do marido da amada. Este tipo de arrumação me parece uma atitude predatória e que visa os interesses deles e, não, da mocinha. De qualquer forma, a ideia do seriado é defender que o arranjo é feliz para as três partes.
Enquanto Beatrice a Katherine se entendem, Annabel e Willhelm se estranham, estamos aqui em mais um casal inspirado em Darcy e Elizabeth, mais nela do que nele, eu diria. Os dois últimos episódios da série focam neste casal. Annabel se interessa pelo jovem, que é alemão, mas não dá o braço a torcer, ele parece fascinado por ela, mas não sabe bem como agir para quebrar o gelo. Willhelm para se aproximar de Annabel diz que a moça pode usar sua biblioteca particular, ele a adverte, porém, que talvez alguns de seus livros tenham histórias de amor um tanto empolgadas. Annabel vai direto nesses livros, claro, e começa a ter ideias e se masturbar. Willhelm não parece mal intencionado, mas, vai saber, não é? Temos uma cena longa e bem explícita da jovem se masturbando no episódio 3 e outra mais curta e mais contida no seguinte. Me pergunto se a posição da câmera não tinha função didática "Vejam, mulheres, como se faz!". Isso é bem a cara dos produtos da Lust Cinema.
Neste mesmo quarto episódio, Annabel está no campo lendo e Willhelm a encontra. O moço tenta ir embora, alegando que não seria apropriado estar só com ela, como a mesma o advertira em outro encontro ocasional, mas a moça insiste que ele fique. A partir daí, os dois acabam se entendendo e fazendo sexo E a cena é bonita, muito bem dirigida e pouco explícita. É bem diferente do trisal que fechou o segundo episódio, que é marcada mais pelo desejo do que romantismo. Detalhe, Jonte e Nicole Kitt são casados e se conheceram em uma das produções de Erika Lust.
Para ficar parecendo com os livros eróticos que se passam nesse período, faltou um pouco mais de diálogo (*cafonas, de preferência*) durante o sexo e a proposta de casamento do moço. Ele está apaixonado, ele é um cavalheiro, ele tem que casar com ela. É o básico desse tipo de trama, salvo se for um flashback e eles venham a se encontrar anos depois e ela queira vingança. Como acredito que talvez apareça uma segunda temporada, talvez os dois voltem a se encontrar. Algo a destacar é que salvo por um colete que Willhelm usa em um dos episódios e me pareceu longo demais, o figurino é bom e os cabelos das mocinhas estão bem acima da média de séries como Sanditon.
Falando em Orgulho & Preconceito, afinal, está no título do post, já li um bom punhado de variações eróticas da obra de Jane Austen, todas ruins no aspecto fidelidade ao original, mas Ashford Manor me fez ir procurar no Amazon para ver se havia algo novo e que valesse a pena. Para minha surpresa, acabei encontrando Pride and Prejudice: The Wild and Wanton Edition de Jane Austen e Michelle Pillow (*é assim que está na capa*). E fiquei pasmada, porque, sim, dentro daquilo que se propõe o livro é muito bom e eu acredito que a autora perdeu a chance de chamá-lo de Pride and Prejudice and Desire, porque caberia direitinho.
O maior defeito de todo material desse tipo que eu tinha pego para ler que era uma variação erótica e P&P era modificar a personalidade das personagens. No geral, a gente não reconhece Elizabeth e Darcy, são outras pessoas. Isso, claro, quando nao transformam Darcy em Dom e adepto de BDSM-freestyle, coisa que eu odeio. Outro problema é que as autoras sempre querem colocar os dois transando o mais rápido possível, por exemplo, quando Lizie está em Netherfield cuidando da irmã, ou no baile que Bingley promove, ou ainda em um encontro furtivo em algum lugar, às vezes, muito estranho. Resumindo, não há desenvolvimento de história.
Muito bem, Pride and Prejudice: The Wild and Wanton Edition foge disso tudo e preserva quase que 100% do texto original. Os acréscimos de Michelle Pillow vêm sempre em negrito e conseguem se conectar muito bem ao texto e Austen, não se cria nem a ruptura, nem a estranheza, às vezes, temos até textos bonitos mesmo e que nada tem de erótico. E, mais, Darcy e Elizabeth só se beijam pela primeira vez no segundo pedido dele, quase no fim do livro. Antes disso, temos ambos se consumindo de desejo, se masturbando, Lizie tendo sonhos estranhos com Darcy nos quais ele a beija. Só que a mocinha nunca foi beijada de verdade, mas já leu e viu beijos, e tem muita imaginação e desejo dentro de si. A graça é que mesmo quando ela acredita estar se encantando por Wickham e odiando Darcy, ela ainda assim sonha com ele.
Em dado momento, a autora inventa uma estranhíssima conversa em que Mrs. Bennet tenta explicar para Jane e Lizie o que acontece entre um homem e uma mulher que é uma graça e poderia, sim, sair da cabeça de vento da personagem original. Depois disso, Lizie busca oportunidade para conversar com sua tia Gardiner sobre o assunto e temos um diálogo muito crível entre as duas. Mrs. Gardiner conversa com Lizie como uma mãe deveria conversar e não temos nada de grosseiro, ou vulgar. A única coisa que ela ressalta é que com Lizie ela podia ser mais franca, mas que jamais teria uma conversa assim com Jane. Aliás, Jane e Bingley atravessam o livro inteiro sendo como são no original, a única liberdade tomada pela autora com eles é o rapaz dando um rápido beijo na irmã de Lizie quando ele a pede em casamento. Algo bem aceitável, eu diria e os dois se separam rapidamente depois que Lizie entra na sala.
Agora, a parte "Wild and Wanton" (Selvagem e Devasso) do livro fica por conta de Lydia, de Charlotte e Mr.Collins. Lydia é pintada como muito experiente, mesmo em tão terna idade, alguém que teve vários amantes e que engana todos eles fingindo ainda ser uma donzela. Inclusive Wickham cai nessa e, mais tarde, é dito que ele arruma amantes e ela lhe colocou vários chifres, também, com a vantagem de não precisar fingir inexperiência. Lydia é quem faz mais sexo no livro, aliás. Já Mr. Collins é pintado como um pervertido e Charlotte entende que para controlá-lo, ou não tê-lo lhe perturbando, precisa fazer um jogo sórdido. Não há nada de erótico ou estimulante nas aventuras desse pessoal, mas está perfeitamente dentro da lógica do livro.
Voltando para Darcy e Elizabeth, a autora coloca dúvidas bem coerentes no rapaz. Vemos o que ele pensa, muito na linha do Diário de Mr. Darcy de Amanda Granger. Darcy quer fugir de Elizabeth, mas está completamente apaixonado por ela. Ainda em Netherfield, ele se sente consumido de desejo, ousa até tocar em seu rosto em uma cena de grande tensão erótica. Ele a quer para si e é torturado pelo ciúmes de Collins, de Wickham, de qualquer homem, enfim, ele não deseja que ela fique solteirona, mas não quer casar com ela, porque a considera inferior a si. Há um momento em que fala que poderia tomá-la como amante, mas se recrimina, porque isso não seria o destino para uma moça de boa família. Enfim, ele se debate o livro inteiro até que, finalmente, consegue se entender com Elizabeth.
Agora, há, sim, sexo entre Lizie e Darcy e ele ocorre antes do casamento, ambos, aliás, sabem que seria um escândalo e guardam segredo. Lizie não conta nem para Jane. A primeira vez dos dois é muito parecida, aliás, com a de Annabel e Wilhelm em Ashford Manor, mas com os diálogos, os de Austen e os feitos para a obra. Darcy diz não se sentir culpado depois que tudo aconteceu entre os dois, apesar de saber que não está agindo como um cavalheiro, e Elizabeth afirma que ficaria desolada se ele se arrependesse. O fato é que mesmo com a indiscrição, que só vem no final do livro, eles parecem Darcy e Elizabeth e é isso que torna o livro tão interessante. E como acontece comigo, eu conseguia ouvir as vozes do elenco da série da BBC de 1995 enquanto lia o material.
É isso. Eis meu post sobre o Dia do Sexo. E foi o primeiro nesses 18 anos de blog. Precisava comentar tanto Ashford Manor, quanto Pride and Prejudice: The Wild and Wanton Edition, são bons. Agora, é material adulto, não é para qualquer um, não.
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