sábado, 9 de setembro de 2023

Eu disse que iria falar de Barbie novamente... Vamos lá!

Está disponível no Prime Vídeo um minidocumentário sobre a produção do filme Barbie (*resenha*Shoujocast*), é aquele tipo de material que viria como extra em um Blu-ray ou DVD e que mostra aquele trabalhão que dá para colocar nas telas um bom filme.  Sim, goste dele, ou não, Barbie é um bom filme, além de muito lucrativo para o estúdio e para a Mattel e demais envolvidos.  Becoming Barbie tem a seguinte descrição "Mostrando como Margot Robbie, Greta Gerwig e equipe deram vida à Barbie."

O documentário foca em como colocar a boneca na tela.  Ela deveria parecer uma boneca?  Deveria ter as articulações à mostra e o andar robótico?  A resposta foi que poderia ser divertido por alguns minutos, mas não funcionaria por um filme inteiro.  Concordo.  E algo que eu odeio na Barbie em oposição à Susie são as tais articulações à mostra. A outra coisa é que as Babies não têm calcinha.  Como ninguém teve a ideia de colocar uma calcinha na boneca?  Enfim, sigamos.

Margot Robbie deveria parecer uma boneca, a nº1, a estereotipada.  Decidiram que ela iria alternar vários looks e teria uma maquiagem o mais natural possível.  E o cabelo?  Aqui, a discussão ocupou um bom tempo do curto documentário.  Ivana Primorac, responsável pelos cabelos e maquiagem no filme, tem grande destaque no minidocumentário, tanto quanto Greta Gerwig e Margot Robbie.  Foram 23 perucas ao todo, uma para cada look vestido por Margot Robbie.  Quiseram dar uma aparência de cabelo plástico, optaram por manter, no início, o tom de louro da boneca nº1, mas modificando-se com o andar do filme.  No mundo real, o cabelo da Barbie deveria parecer mais humano.  

Eu não me atentei para isso, mas quando rever, porque eu vou ver de novo quando estrear no streaming, vou prestar mais atenção para isso.  Algo que eu aposto é que Barbie será indicado a melhor figurino, direção de arte e, depois da informação das perucas, cabelo e maquiagem no próximo Oscar.  Acredito que leve indicação de diretora, mas Hollywood não é gentil com as mulheres na direção, mesmo que goste da Greta Gerwig.  E eu gostaria de Ryan Gosling indicado pelo Ken, porque ele foi muito mais divertido no filme do que a protagonista.  E recomendo o minidoc, ele tem menos de sete minutos.

Agora, queria discutir dois comentários que encontrei no grupo Women's Rights News sobre o filme.  O primeiro, dia o seguinte: "Pensando em como a Barbie foi capaz de ser assertiva sobre seus limites com o Ken todas as vezes em que ele tentou avançar sobre ela, porque ela nunca  viveu em um mundo no qual as mulheres temem as consequências de dizer "não"."

Olha, são muitas as reflexões que a gente pode fazer a partir o filme Barbie.  Há críticas, e eu fiz algumas, mas, no geral, o filme é muito sensível quando se trata de representar o que poderia ser o mundo sem que as mulheres tivessem que ter medo da violência machista e/ou misógina, ou aceitarem migalhas de reconhecimento por aquilo que fizeram.  Dizer "não" e ter o "não" aceito é um privilégio.  Até hoje, e eu tenho um texto antigo sobre isso, parece vigorar a premissa de que "Sua boca diz 'não', mas o seu corpo diz 'sim'", em muitos dos materiais feitos para o consumo feminino (*filmes, mangás, seriados, novelas, livros etc.*).  

É uma espécie de endosso da cultura do estupro, na medida que legitima o assédio.  Basta ter um corpo feminino (*não importa a sua idade, ou mesmo, aparência*), basta estar em um lugar público sem um homem do lado (*às vezes, até com um*), ou aceitar a gentileza de um homem.  Você estava pedindo.  Apesar da sua evidente frustração, Ken aceita a negativa de Barbie e ela não precisa temer que ele se torne violento.  A parte dos homens, dos que se manifestaram contra o filme na internet pelo menos, a aceitação por parte do Ken da negativa da Barbie foi lida como sintomático de uma falta de virilidade, um homem de verdade não aceita um "não" como aquele.  Se não aceita, o que ele faz?  Um?  O quê?  

Mais adiante, quando estamos não mais na Barbielândia, mas na Kenlândia, as coisas mudam e é recomendado que Barbie não seja tão assertiva, porque, bem, os homens não gostam disso, mas preferem mulheres subservientes e gentis.  Os Ken tinham liberdade na Barbielândia desde que não tentassem se impor às Barbies e tentar ser mais do que assessórios da boneca, sim, é isso que eles são naquele mundo, não percam isso de vista, mas eles não eram mantidos em completa opressão.  Completa, guarem esta palavra.

Enfim, este comentário sobre o filme foi ótimo, mas achei outro, no mesmo grupo, que era péssimo.  Ele diz o seguinte: "Os Kens não eram oprimidos na Barbielândia. Quando as Barbies estavam governando a Barbielândia, todos os Kens podiam decidir o que vestir, se comportar, jogar, ir para a praia.  Mas quando Ken a transformou no "Reino do Ken", todas as Barbies foram privadas de suas funções e de suas roupas - vestidas como empregadas domésticas e obrigadas a servir os homens.  Existe uma diferença entre um mundo com as mulheres por cima e um mundo construído por cima das mulheres.  Esta é a diferença entre feminismo e patriarcado."

Eu realmente não compartilho da visão de mundo feminista da autora da afirmação, porque eu vejo opressão na Barbielândia.  Os Kens são assessórios, esta é uma realidade do universo da própria boneca, que fique claro, e, no filme, os homens não têm horizontes a perseguir.  As Barbies ocupam os postos de mando, de poder, de status e os Ken são menos que zangões ao seu redor.  

E vejam que curioso, não sabemos onde as Barbies que fazem os trabalhos subalternos e braçais moram (*as lixeiras, operárias da construção civil que aparecem no filme*), porque o filme só nos mostra as casas das Barbies que ocupam postos importantes, não sabemos, também, onde moram os Ken, mas sabemos que existem excluídas nesse mundo perfeito.  Midge e Allan, as Barbies e Kens que não deram certo, a Barbie Estranha, todos estão às margens dessa sociedade ideal, são discriminados abertamente.

Em um mundo feminista, a diversidade deveria ser respeitada, mesmo quando ela não pode ser enquadrada, normalizada.  Há uma Barbie interpretada por uma atriz trans com passabilidade, isto é, sem o devido aviso (*ou uma dublagem brasileira sugestiva*), eu duvido que alguém iria dizer que não se trata de uma mulher cis no papel.  Por outro lado, a Barbie Estranha é vista como alguém que não pode estar na Barbielândia, ela prejudicaria a beleza do ambiente.  E, repito, onde moram as Barbies proletárias?  Elas se divertem?  Elas frequentam as festas?  O filme não nos mostra, porque a Barbielândia não questiona o capitalismo, tampouco, reflete sobre ele.

Voltando aos Ken, eles são na Barbielândia quase uma versão das esposas e filhas das classes ociosas do final do século XIX até meados do século XX nas sociedades capitalistas avançadas.  Digo quase, porque elas têm tudo, desde que não contrariem as expectativas da sociedade e dos homens que a dominam.  Elas têm lazer e luxos, mas estavam obrigadas a casar e procriar, era seu destino.  Os Ken não tem essa obrigação, mas, de igual modo, não podem ocupar postos de mando e poder, eles são um deleite para os olhos, sua vida é estéril, por assim dizer.  Mesmo no final do filme, quando fica exposto que os Ken são infelizes por não terem vida própria, a igualdade lhes é negada, afinal, é a Barbielândia.

A Mattel deveria investir, estou pensando em termos capitalistas mesmo, em Kens com profissão, já houve alguns, até para caminhar junto com o filme.  O fato é que a Barbielândia seria o mais próximo que eu diria de um matriarcado, porque, sim, no feminismo, as mulheres não deveriam estar por cima, porque esta noção de hierarquia e subordinação, mesmo que amena, gentil, condescendente, não deveria sequer ser aventada.  Concordo que mesmo o patriarcado galhofa construído no filme é horrível, mas a gente não deve defender um modelo ruim, porque há outro pior.

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