Léa Garcia faleceu na última terça-feira, não teremos mais o seu expressivo olhar e sua fala sempre firme conosco. Foram 90 anos de vida, ela desejava chegar aos 100, infelizmente, ou talvez fosse hora, ela não chegou lá. Em uma entrevista quando do seu aniversário, ela comentou de seus problemas de saúde e planos para o futuro. Teve a bênção de ver o nascimento de uma tataraneta. A atriz morreu em Gramado, cidade do maior festival de cinema do país, seria uma das homenageadas do dia. Seu neto recebeu o seu merecido troféu.
Léa Garcia estreou aos 18 anos e o site Extra-Classe fez um excelente memorial de sua carreira. Em 1957, foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes por sua personagem em Orfeu Negro, filme vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro naquele ano. Conquistou quatro Kikitos no Festival de Gramado, com Filhas do Vento, Hoje tem Ragu e Acalanto. Manteve-se atuante nos últmos anos, apesar de problemas para se locomover. Em 2022, atuou nos longas Barba, Cabelo e Bigode, Pacificado e O Pai da Rita. Ela iria assinar com a Globo para participar do remake de Renascer.
A atriz participou do Teatro Experimental do Negro e militava contra a discriminação racial dentro e fora dos palcos. E é bom marcar isso, porque estamos em uma época de produções açucaradas que tentam mascarar o racismo violento e atroz de outras épocas, por falta de vergonha ou reflexão, ou para atacar mesmo pelos que militam pela igualdade racial. E o Arts And Culture me trouxe uma informação a mais sobre Léa:
"Apesar de atuar no teatro, cinema e televisão, Léa Garcia ao longo de sua carreira foi também servidora pública no Ministério da Saúde. Na década de 1960, ela ingressou no Departamento Nacional de Endemias Rurais, indo em seguida trabalhar no Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, no Rio de Janeiro, onde permaneceu até a década de 1990. Diante da inconstância do trabalho nas artes cênicas, o emprego público ofereceu-lhe estabilidade financeira e melhores condições para criar seus filhos. No Pinel, ela desenvolveu atividades de teatro terapia com os pacientes, possivelmente inspirada naquelas realizadas pelo TEN para aliviar os efeitos do racismo."
Ser artista no Brasil, quando não se nasceu em berço de ouro é difícil, ser artista neste país tendo nascido pobre e negro é desafio maior ainda. Enfim, eu conheci a atriz pelo seu trabalho em Escrava Isaura (1976), ela foi Rosa, a escravizada que usava de todos os meios para sobreviver sem ser tortura, que gostava (*sim*) de sexo e que era o contraste com a casta mocinha. Rosa personificava as estratégias possíveis em um mundo de violências contra as mulheres e, ainda mais, contra as mulheres negras e escravizadas. Foi odiada, a morte da personagem foi celebrada e a atriz falou sobre isso em várias entrevistas.
Outro papel que me impressionou foi o de Dona Cida do remake de Anjo Mau (1997). Olha, eu lembro quase nada da novela, não gostava dela inclusive, mas a cena em que Léa Garcia finalmente expõe que era mãe de uma filha socialmente branca que a escondia de seu marido, foi incrível. Sua neta racista era interpretada por Alessandra Negrini, que discriminava e perseguia a personagem de Taís Araújo.
"Rest in Power", grande Léa Garcia. Não queria estar fazendo tantos "RIP" este ano. E eu estou postando na quinta com data retroativa, porque minha vida está muito agitada (*trabalho, semana de provas da Júlia e por aí vai*).
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