Estamos em pleno mês do Orgulho LGBTQIAPN+, sim a sigla segue aumentando, porque o humano é diverso e incluir nunca é o problema, mas excluir, sim. O mês de junho foi escolhido para promover ações visibilidade para a comunidade, assim como cobrar medidas por parte do poder público que promovam a proteção e a igualdade de direitos. A origem do Mês do Orgulho começou com os motins de Stonewall, uma série de motins pela libertação gay que ocorreu ao longo de vários dias a partir de 28 de junho de 1969. Os motins começaram após mais uma batida policial violenta no Stonewall Inn, um bar gay localizado em Lower Manhattan. Na cidade de Nova York. Agora, vamos para a discussão das últimas atitudes da cúpula da Rede Globo.
Mês passado, fiquei sabendo pelo Twitter da jornalista Cristina Padiglione, que a Globo anunciou que Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) iriam se beijar pela primeira vez (*um beijo anterior, foi fingido para afastar assediadores*) e depois cortou o beijo, ela comentou no Youtube. O Zamenza, um twitteiro e jornalista especialista em novelas fez post sobre isso. E há, também, um vídeo excelente da Lui Ponto abordando a censura e apontando um padrão incômodo na representação de relações lesbianas em novelas da Globo, pois sempre temos uma mulher que é humilhada e traída por um homem e que se descobre atraída por uma mulher como elemento presente nos casais. Eu apontaria outro, as duas precisam ser sempre lindas, porque isso mexe com o fetiche do público masculino.
O corte não foi comentado pela autora principal, Rosane Svartman, ela é funcionária, está explicado, mas foi confirmado pela emissora, "Toda novela está sujeita a edição. Uma rotina que atende às estratégias de programação ou artísticas. Isso, inclusive, é sinalizado nos resumos de capítulos divulgados pela Globo". O que os jornalista que vem comentando o caso teorizam é que a emissora não quer ofender o público evangélico, que seria alvo da novela, afinal, finalmente temos uma protagonista dessa fé que, em alguns lugares do Brasil, como o Rio de Janeiro, representa metade da população.
Este mesmo público evangélico, no entanto, parece impermeável aos esforços da emissora, porque foram longos os anos de campanha contra a Globo, em parte, algo planejado para promover a concorrente, a Record, teoricamente comprometida com os valores gerais de um grupo tão diverso, por outro, graças à radicalização política, muitos evangélicos são de extrema-direita, ou são muito receptivos aos seus discursos.
Eu sou de família evangélica/protestante, batista. Quatro gerações pelo lado materno e isso em uma família nordestina é muita coisa nesse Brasil. Cresci com minha mãe e pai assistindo novelas, era um programa de família. Faz muito tempo que eles largaram. Se recusam a ver qualquer coisa nova feita pela Globo e as últimas novelas que assistiram foram da Record. Meu pai parou para ver o Rei do Gado pela terceira ou sei lá que vez, mas se recusou a olhar Pantanal, e só eu lembro do quanto penei sendo obrigada na adolescência a assistir esta novela na Manchete. Meu irmão viu o remake de Pantanal, mas tentei falar dele sobre a trama da conversão de Hugo em Vai na Fé e ele fez cara de repulsa; mudei de assunto.
Pode parecer anedótico, mas meus parentes não são elementos dos mais radicais, não são de extrema-direita, assistem Jornal Nacional todo dia, mas recusam as novelas, como recusariam bebia alcoólica, ou drogas. Imagino que outros evangélicos também recusem a novela, inclusive por perceberem que o objetivo a emissora, ao dar sinal verde para uma novela protagonizada por uma evangélica, era atraí-los, fisgá-los como peixinhos. A graça é que pesquisando para este texto, achei uma matéria lá de janeiro de 2013 com o seguinte título Pastores pedem heroína evangélica à Globo. O nome de pastor que aparece na matéria é o de Silas Malafaia (*respira fundo*). O Brasil do início de 2013 era outro país, talvez, até um universo diferente deste em que estamos agora, porém, há outro nome importante na matéria, Amauri Soares, então coordenador dos projetos especiais da Globo. Hoje, Soares é o diretor geral da emissora, substituindo Ricardo Waddington. Guardem o nome dele.
Já em junho, Mês do Orgulho, portanto, outro beijo entre Clara e Helena foi vetado, só foi mostrada a reação de Lumiar (Carolina Dieckmann). No capítulo de ontem, um beijo entre Yuri (Jean Paulo Campos) e Vini (Guthierry Sotero) foi cortado. Eles já haviam se beijado antes, um selinho, mas foi um beijo rápido, meio que roubado pelo experiente Vini, um rapaz bissexual, enquanto Yuri se mostrou confuso e reticente. Desta vez, o beijo foi de verdade, mas somente descrito, não mostrado em tela. Estamos na mesma emissora que permitiu que fosse construído um belíssimo romance em 2018 entre dois homens na novela Orgulho & Paixão, exibida às 18h. Estamos na mesma emissora que colocou no ar, em 2014, o mais que esperado beijo entre Niko (Thiago Fragoso) e Felix (Mateus Solano) com direito à torcida de quase todo o país.
Parece, no entanto, que voltamos para a novela América de 2005, que gravou e cortou o beijo entre dois rapazes e ainda informou na série documental Orgulho Além da Tela que cenas que não vão ao ar são destruídas. Sim, o Vídeo Show exibiu material inexistente por anos e anos e anos nas tardes da emissora. Mas a censura não parou por aí, semana passada, a Globo cortou, ou mutilou, cenas de beijos e sexo entre Olga (Camila Pitanga) e Ivona (Elisa Volpatto) na série Aruanas, exibida depois das 23h. O material estava fazia mais de um ano disponível no Globoplay na íntegra. A quem a Globo quer proteger e/ou agradar? Quem está determinando esse tipo de repressão à teledramaturgia da emissora?
Enfim, não adianta alardear que é a favor de medidas afirmativas, que é pró-diversidade, fazer documentários e especiais no mês do Orgulho e mutilar sua teledramaturgia. Pior, é que os resumos da novela Vai na Fé já haviam sido publicados, então, há a evidência de interferência pesada da cúpula da emissora na área artística para além do que é aceitável. E digo mais, começaram com os LGBTQIAPN+, daqui a pouco, serão as mulheres. De repente, em breve, tenhamos novelas fazendo apologia ao modelo de submissão vendido pela extrema-direita evangélica, ou com discursos contra os direitos das mulheres. Aliás, não sei como não veio ainda.
De qualquer forma, espero que alguém dê um freio nesse tipo de ação e que quem manda na emissora compreenda que Malafaia e gente de seu naipe não vão louvar as novelas da emissora e fazer propaganda delas se a Globo se negar a exibir os afetos que não são heteronormativos. A extrema-direita não vai começar a produzir vídeos elogiando as produções da Globo e não somente por serem da emissora, mas por odiarem praticamente todos os produtos nacionais. Estão na seara errada e tudo o que está acontecendo é extremamente ofensivo e inaceitável.
P.S.: O documentário previsto para o mês do Orgulho foi empurrado para a madrugada. Só vi a matéria depois de terminar a redação do texto.
2 pessoas comentaram:
Acho que a tendência é perder mesmo o público progressista. Quem vai querer assistir novela por personagens assim, ainda mais com censura, quando você tem excelentes histórias, de todos os gêneros, com protagonistas gays, por exemplo, saindo em tudo quanto é lugar? Love Victor, Young Royals, Heartstopper - para citar as séries adolescentes; Um Crush para o Natal, Fire Island, Bros - filmes comédias românticas; Entre Frestas, Firebird, Great Freedom, filmes históricos etc.
Falando por mim, a última novela que acompanhei na tv foi Cordel Encantado, há mais de 10 anos. Não havia personagens LGBTQIA+, mas eu gostava da história. Porém, quando entrei na faculdade, fiquei sem tempo e perdi o hábito. Depois vieram todos esses filmes e séries que citei acima.
E aí entra a questão dos BLs também, cuja popularidade cresce cada vez mais. O primeiro tailandês saiu em 2014, o primeiro a obter sucesso internacional veio em 2016. A pandemia em 2020 causou uma explosão enorme desse tipo de conteúdo. Só na Tailândia em 2022 foram mais de 100 (!!!) séries. 2023 vai na mesma toada. No Japão, desde a repercussão positiva de Ossan's Love (não é BL, mas o protagonista é gay), também houve um aumento e há várias séries saindo por ano. Na Coréia do Sul também, com sucessos como Semantic Error dominando as plataformas digitais do país. E a diversidade de história é enorme. Tem de tudo: romance, terror, aventura, ação, tramas políticas, séries focadas em relação com pouco beijo/sexo, séries com muitas cenas eróticas e assim por diante. Chegou num ponto que nem os fansubs dão conta mais e estão se dividindo para traduzir o máximo possível. Acho que a maioria das pessoas que são da comunidade ou se interessam por esse tipo de conteúdo acabam parando de ver novelas completamente por encontrarem opções muito melhores na Internet. Não é mais 2005, sabe?
PS: não sei se você sabe, mas a Tailândia lançou o primeiro GL esse ano e foi um sucesso estrondoso. Já tinham aparecido lésbicas em séries/novelas na TV, mas como casais secundários e assim como na Globo, elas tiveram seus beijos censurados. Nisso um dos atores mais famosos de BL resolveu usar a influência e dinheiro dele para tentar produzir um GL porque ele queria mais representatividade do resto da sigla. A série acabou fazendo tanto sucesso no Youtube que agora só tem um BL com mais visualizações que elas. Passaram (quase) todos os homens. ^^ E obviamente agora tem um monte de produtora correndo atrás do atraso e produzindo GLs para ver se conseguem repetir o sucesso.
Não tenho + paciência com TV aberta... que dirá de novela...
antes já foi melhor... É capaz de haver produções fora da TV aberta com cena de beijo LGBT...
se brincar.. os "dramas" asiáticos tão "atropelando" as rivais latino-americanas (novelas) deles atualmente...
TV aberta hoje.. no máximo para ver futebol.. e olhe lá...
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