Vamos lá, "Age Gap", aquelas séries nas quais o casal têm grande diferença de idade, é um gênero bem popular nos shoujo e josei. A menina apaixonada pelo professor, ou o guarda-costas, ou um mafioso, ou o mordomo, um sujeito que parece muito mais jovem que é, porque lhe tacaram um raio shoujoficador, mas que deve ter quase 30 anos, se relacionando com uma adolescente. Há quem curta esse tipo de historia, que, aliás, é comum em material feito para mulheres no Ocidente, também, pode ser fofinha às vezes, mas elas servem de reforço para papéis de gênero e hierarquias sociais tradicionais.
É ideal que a mulher seja mais jovem que o parceiro, de preferência menos experiente no amor, inocente no sexo. Romantiza-se ao extremo o fato da mocinha descobrir o amor nos braços do homem com quem passará todos os dias de sua vida. Não vou demonizar esse esquema, só estou expondo do que ele é feito. Há estratégias de poder permeando essas histórias, mesmo que elas venham cobertas de açúcar. Um homem socializado dentro de modelos de masculinidade tradicionais (*e frágeis*) se sentirá muito mais seguro em um relacionamento assim. Ele jamais será comparado com outro e há uma promessa de fertilidade associada à juventude. O inverso, uma mulher mais velha com um homem mais jovem, pode render excelentes histórias, mas é uma fantasia feminina, salvo se se tratar de narrativas sobre iniciação sexual masculina que, obviamente, não resultarão em casamento.
Enfim, desde o ano passado, a idade de casamento, tanto para moças, quanto para rapazes, passou a ser 18 anos no Japão. Antes disso, somente as meninas podiam se casar, com autorização dos responsáveis legais, a partir dos 16 anos. E muitos shoujo ao longo de décadas mostravam sua protagonista tendo como único objetivo encontrar o amor, em alguns casos, se casando com essa idade precoce e sequer terminando o colegial. Nos últimos anos, dez, quinze, esse tipo de trama deixou de ser tão presente, a mocinha precisa ter outros ideais na sua vida.
@eternalcosmos2 Bed Scene + Intro Wedding - SAILOR MOON COSMOS PART 2 #sailormoon #sailormooncrystal #sailormooncosmos #sailormooneternal #smc #usagi #mamoru ♬ Luz de Luna (From "Sailor Moon")
Ontem mesmo, por causa de umas frames do último filme de Sailor Moon, havia uns norte-americanos (*imagino que sejam*) surtando com as imagens da noite de amor entre Usagi e Mamoru. Em Sailor Moon, eles se casam, é mostrado que eles têm uma vida sexual e está tudo bem, nada é abusivo. Mas há quem considere a diferença de idade de Usagi e Mamoru, que é de três anos, ofensiva. Danem-se eles, aliás, mesmo com essas mudanças todas na lei japonesa, o relacionamento dos dois, não o casamento, claro, seria legal.
Com a alteração na lei, possivelmente, teremos a idade das protagonistas de mangá sendo ligeiramente elevadas quando uma história envolver sexo, eu imagino. Como não li nada a respeito disso, não sei se as editoras e estúdios de animação irão se engajar em qualquer diretriz sobre o tema. De qualquer forma, as autoras de mangás femininos e seus editores costumam estar atentos à sociedade ao seu redor, ou não teriam sido pioneiras em discutir questões como abuso sexual dentro da família, transexualidade, aborto, HIV etc. antes que esses temas fossem tão evidentes assim. E recebiam cartas das leitoras agradecendo. Fico imaginando se o povo que vê gatilho em tudo fosse editar mangá, seria tudo inócuo e irrelevante.
Só que po conta dessa discussão toda, fiquei pensando em Tsukino Omame, porque descobri que seu mangá (*na verdade, projeto de mangá*) chamado Ryo to Mikoto (諒とみこと) tem um casal que mostra uma situação que seria totalmente contra a nova lei. Enfim, eu gosto do traço da autora e amo um dos seus mangás, Koko kara wa Otona no Jikan desu。 (ここからはオトナの時間です。), há resenha dele no blog. A autora faz mangás TL, logo, é material erótico para mulheres adultas e a autora curte brincar com certos tabus. Em Ryo to Mikoto temos um sujeito que parece ser um jovem adulto, mas poderia ser um adolescente, afinal, é mangá, e sua namorada, que acho que mora com ele, e tem uma aparência bem infantil.
Fiquei imaginando que se tratava daqueles casos de mangá no qual a mocinha é bem mais baixa que o seu par. Há vários desse jeito, como há o inverso, que, normalmente, gera situações de humor. Ainda assim, a aparência infantil de Mikoto me parecia exagerada. OK, meu incômodo é somente meu. Mas a autora publicou um organograma com as idades das personagens e Ryo tem 25 anos e Mikoto somente 14 anos. Pela lei antiga, esse relacionamento não seria ilegal.
A autora nunca publicou uma imagem, que eu tenha visto, e eu a sigo no Twitter, de Mikoto com uniforme escolar. Pela lei japonesa, a educação é obrigatória somente até o fim do ginasial, ou seja, ela teria pelo menos mais um ano a cursar. Devo ter me esquecido, enfim. Sei que material erótico trabalha em cima de fetiches, mas me pergunto se a autora, caso publique a obra, irá alterar a idade da menina.
De minha parte, me parece bem complicado brincar com essas questões, pois há um problema social real no Japão, a mudança na lei não foi feita no vazio. Por isso, imagino que as idades vão começar a mudar nos mangás e animes, mesmo que a aparência infantilizada das meninas, algo visto como kawaii, se mantenha. E vejam, não estou condenando o kawaii, mas acredito que a arte, seja ela qual for, tem uma função educativa, mesmo quando não se propõe a tal, além de expressar os valores de uma dada época e sociedade. Por isso mesmo, é preciso assumir certas responsabilidades, juntar age gap com infantilização da figura feminina é, sim, flertar com a pedofilia, mesmo que nada de ilegal esteja sendo produzido.
Não pensem, no entanto, que estou defendendo que o Japão comece a se pautar pelas noias hipócritas dos Estados Unidos, mas que seria interessante repensar certas questões segundo as próprias demandas do mercado interno e da sociedade. Aliás, muita coisa já mudou, basta abrir qualquer revista shoujo dos anos 1990-2000 e ver como as histórias tem muito menos conteúdo sexual do que tiveram naquelas duas décadas. É esperar para ver como as autoras de mangá vão processar tanto a mudança na lei da idade consensual e da legislação sobre estupro. Aliás, já é hora de não termos mais os tais "estupros consentidos", uma aberração que não se sustenta legalmente, como algo visto como excitante ou até romântico.
5 pessoas comentaram:
Essa do "estupro consentido" é confundir feitiche, que sempre gira em torno de dominação ou abrir mão do controle, com realidade prática, o que aliás se aproxima na dinâmica do BDSM no qual os dois estabelecem as regras entre si e palavras de segurança,o que exige uma grande intimidade. Isso dá muito errado quando a pessoa não tem bom senso e acredita que um feitiche íntimo é uma regra social. Sobre a idade de consentimento, não acredito que afete muito,mas ter mais responsabilidade para qual público que está escrevendo, uma coisa é escrever para adultos,aí pode ser porteira aberta, mas com adolescentes precisa ter o cuidado pelo motivo deles ainda não terem estabelecidos de forma firme a distinção sobre realidade social e feitiche pessoal, que ficção por mais próxima ela seja, ela continua sendo apenas uma ficção, uma perspectiva subjetiva de uma pessoa.
Linkei o meu textp sobre "estupro consentido", não estou me referindo a BDSM.
Não, é mais na minha perspectiva sobre esse feitiche e quis fazer comparação com BDSM, e observar como ele é mais sobre a insegurança da pessoa com o sexo, o feitiche de quem se vê estuprador está em ter o domínio total da situação por não saber lidar com o outro enquanto o feitiche do estuprado é sobre a abrir mão do controle por medo de assumir seus próprios desejos aí está o jogo, a maioria desses sempre joga desse forma, mas nunca vão pro realista, que causa repulsa para ambos. Por isso acho interessante o estupro fantasiado por mulheres dentro do BL como a fantasia delas terem o controle absoluto sob o ato sexual por viverem numa sociedade que exige que a vontade masculina sempre seja atendida e que ela,para ser uma boa mulher,não tenha desejos sexuais. Por isso acho que é uma temática de feitiche restrita a público adulto que o público infanto juvenil não tem experiência para compreender isso. Dependendo de como a sociedade vai mudando, espero que para melhor, certos feitiches vão perdendo sentido de existir. Nisso comparando com aqueles livrinhos de banca de homens sem camisa retrata toda uma geração de mulheres que só podiam se casar e depdender financeiramente do marido. Taí um bom TCC fazer abordagem dos feitiches sob um aspecto histórico e sociológico.
OK. Mas livrinhos de banca, estilo Harlequim, não são somente isso que você descreveu. Não sei se você conhece toda a diversidade desse nicho de literatura popular, porque da forma como escreveu, parece a visão de quem nunca sequer ousou olhar um deles. O mesmo tipo de preconceito pode ser aplicado aos mangás, também.
Quanto à fantasias de dominação, salvo se a coisa está clara como um jogo, caso do BDSM e há vários mangás adultos para mulheres (BL/TL) sobre isso, sempre me parece desconfortável, um ato de violência travestido de outra coisa.
Não estou desprezando esses livros, só falando de um recorte temático o qual li uma pessoa falando sobre como os feitiches são consequências de um meio social e vai refletir dentro de uma realidade conhecida da pessoa dentro dessa dinâmica.O twiter em questão: https://twitter.com/laslus_/status/1669080805757407232?s=20
Mas fantasias que não são as nossas sempre vão ser desconfortáveis, isso porque só estamos discutindo um relacionamento numa perspectiva heterosexual, quando entra a minha turma,os LGBTs, a coisa toma outra dimensão e isso sem considerar a turma da corporofilia. Acho que aqui o problema que resulta em morte e violência está no ponto do homem não ser educado a aceitar a rejeição como se fosse uma mácula para sua masculinidade, por isso Mob Psycho 100 é maduro ao terminar com Shigeo sendo rejeitado por uma menina que ele gostava, mas a história não retrata essa garota como alguém vil, mas como uma pessoa legal. Enfim, a fantasia da dominação está marcada em um temmpo social que ficará para trás e novos feitiches vão surgir nas novas dinâmicas sociais de relacionamente com pessoas mais independentes e autônomas.
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