terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Uma pausa para falar de São Jorge e o Dragão da Vila Isabel!

Não sou pessoa que aprecia o Carnaval, mas reconheço a importância econômica e cultural da festa, assim como acho fascinante as inovações técnicas e o apuro na construção dos carros alegóricos. Esse carro de São Jorge da Vila Isabel ficou espetacular e deve virar instalação permanente.  O cavaleiro e o cavalo se mexem de forma realista, há o dragão soltando fumaça, ficou deslumbrante.  E como eu sou uma medievalista aposentada, decidi fazer um post, porque só faltou a princesa.  E quase sempre esquecem dela...

Jorge da Capadócia (*Ásia Menor, atual Turquia*) é um dos santos mais reverenciados da Cristandade (*Católica Romana e Ortodoxa, Anglicana*), deve ser um dos recordistas como padroeiro de países e cidades pelo mundo, além de ser o patrono da cavalaria de vários países e até das Forças Armadas como um todo. E, claro, o que é importante no Brasil, é reverenciado também nas religiões de matriz africana. Citando o Jornal A Tribuna:


"No Candomblé e na Umbanda, Jorge é chamado de Ogum. O orixá representa a força nas lutas. Seus “filhos” são conhecidos pela coragem e pelo forte senso de justiça.  Segundo a religião, a divindade era conhecida por ser um guerreiro que forjava suas próprias armas.  É considerado o primeiro e principal orixá a vir à Terra após sua criação.  Durante sua vida, teria lutado em várias guerras. Ele teria ensinado aos homens como forjar o ferro e o aço. Seus instrumentos são alavanca, machado, pá, enxada, picareta, espada e faca."

O interessante em relação a esse santo é que sua história foi se enriquecendo e se tornando cada vez mais complexa com o tempo, sendo apropriada pelos cavaleiros cruzados a partir do século XII.  Se a personagem existiu, Jorge foi um solado romano que viveu no século III e morreu no início do século IV, em uma as últimas perseguições aos cristãos dentro do Império Romano.  Sua veneração começou no próprio século IV, ou no seguinte, mas dragão mesmo só aparece na iconografia no século X ou, o que é mais provável, no século XI.  Agora, a versão mais conhecida, mais elaborada da vida do santo vem no século XIII, nda maior coletânea e vidas e santo escritas na Idade Média, a Legenda Áurea, de Tiago de Voragine.   


É na versão da Legenda Áurea que é introduzida a princesa e a vida de Jorge ganha contornos que a gente vê em contos de fada.  A história, agora, se passa na Líbia, há uma cidade atormentada por um dragão e ele precisa de oferendas para se sentir satisfeito.  É tirada a sorte e a filha do rei é escolhida como sacrifício.  O governante tenta barganhar uma substituta, mas ninguém aceita.  Ele oferece tesouros, dá na mesma, ninguém aceita ir no lugar da princesa.  

Quando a princesa estava esperando a morte, aparece o cavaleiro, ele orienta a moça a jogar o seu cinto e ele cai no pescoço do dragão, que passa a se comportar como um dócil cachorrinho.  Jorge leva a moça e o dragão até a cidade.  O rei oferece os tesouros, mas o cavaleiro exige que todos se convertam ao cristianismo.  Aceita a barganha, ele mata o dragão.  Em versões posteriores, a princesa ganha nome e até se casa com o cavaleiro, ou seja, Jorge não morre mais.  Temos agora um típico romance de cavalaria e com um final feliz de bônus.  Abaixo uma pintura Pré-Rafaelita de 1857 do grande Dante Gabriel Rossetti  (1828-1882).

Jorge e sua história fantástica continuaram a encantar as multidões ao longo dos séculos.  E ter sido "cassado" em 1969 pelo Papa Paulo VI por sua pouca materialidade histórica, ou seja, por não se poder provar que ele tenha existido, teve ZERO impacto na sua devoção ao redor do mundo.   E voltamos para o carro alegórico impactante.  Se tudo correr bem, o vídeo estará aí embaixo (*não consegui subir*).  Se não conseguir subi-lo, Tem como ver o carro no Globoplay.

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