Ontem, a grande jornalista Gloria Maria faleceu. Liguei o rádio na CBN, como faço quando vou para o trabalho, e as jornalistas estavam comentando muito emocionadas a importância da jornalista para as mulheres desta profissão, em especial, as mulheres negras. As lágrimas me vieram aos olhos várias vezes, porque ela foi, acredito que para toda a minha geração, a referência de mulher jornalista na TV brasileira.
Gloria Maria foi a primeira jornalista mulher a entrar ao vivo na TV, em 1971, e foi a pioneira em muitas outras coisas, além de ser uma mulher negra orgulhosa disso. Era inédito e ainda hoje é raro, gera espanto e desperta toda sorte de comentários asquerosos por parte de racistas e machistas. Talvez, ela tenha um peso simbólico na TV brasileira e no jornalismo, ao que teve Nichelle Nichols e sua tenente Uhura de Jornada nas Estrelas. Ela estava lá e não estava em posição subalterna.
Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial, irmã de Marielle Franco, se pronunciou, assim como outras autoridades: "Meus sentimentos à família. Quem é mulher negra sabe da importância de tê-la visto na televisão. Glória é considerada a primeira repórter negra da televisão e sempre será lembrada como sinônimo de competência". Lembro, quando criança, de ouvir que ela não era bonita, leia-se branca, ou com cabelo liso, porque ela usou estilos que eram inegavelmente negros e ligados ao "black is beautiful" em vários momentos de sua carreira, ou que era "metida", ou seja, uma mulher negra que não "conhece seu lugar", porque Gloria Maria nunca aceitou rótulos, ou caixinhas. Não me lembro de ter ouvido comentários sobre sua sexualidade, mas ela se comportava de forma livre e corajosa nesse aspecto e escolheu continuar solteira, sem nunca estar só.
As mulheres negras na TV brasileira eram, infelizmente em muitos aspectos ainda são, as empregadas domésticas das telenovelas e as dançarinas de programa de auditório, as mulatas "tipo exportação". Gloria Maria nunca esteve ligada a nenhum desses estereótipos de gênero e raça. Há quem não leve em conta a representatividade quantitativa, mas ela é importante, mesmo que não tanto quanto a representatividade qualitativa. As meninas negras que viam Gloria Maria na TV tinham como mensagem que elas também poderiam ocupar aquele espaço. Ouvir as jornalistas na CBN, e algumas não eram negras, e não entender isso é preciso ser muito obtuso. A presença dela na TV já era militância, já era levantar tantas bandeiras que é impossível reduzir a importância da jornalista a uma coisa só.
Enfim, Gloria Maria sucumbiu a um câncer no cérebro (*e não foi a única esses dias*), ela lutava contra a doença fazia algum tempo. Deixou duas meninas, filhas tardias que servem para ilustrar que uma mulher pode ser mãe na idade que quiser, porque a maternidade não precisa ser biológica (*e eu não comentei o caso do Porchat com a esposa, mas o que li de groselha dita gente "progressista" e até feminista me embrulhou o estômago*). E eu deixo abaixo uma resposta que Gloria Maria deu a uma pergunta no programa Roda Viva. Fala da relação da repórter com o racismo e como passa uma mensagem de empoderamento para suas duas filhas adolescentes.
0 pessoas comentaram:
Postar um comentário