Anteontem, assisti ao primeiro episódio do dorama de Ōoku (大奥), que estreou na NHK no dia 10 de janeiro. Trata-se de mais uma adaptação do mangá de mesmo nome de Fumi Yoshinaga, publicado entre 2004 e 2020 na revista Melody. O Ōoku original era o harém o shogun Tokugawa, instituído em 1607 e que permaneceu em funcionamento até o colapso do Shogunato em 1867. A série de TV tem previsão de dez episódios, o que eu considero muito pouco para a proposta de cobrir quatro arcos da série, três que já foram adaptados anteriormente, e o fechamento da história do mangá.
Ōoku é uma série de história alternativa que conta a história do shogunato das mulheres, estabelecido depois que uma doença, a varíola vermelha, dizima 4/5 da população masculina do país, especialmente, os mais jovens. Como resultado, as mulheres terminam por ocupar todos os espaços do trabalho braçal ao comando do estado. No primeiro volume, que pode ser lido como uma obra fechada, estamos 80 anos depois do início da doença, e a velha ordem foi esquecida (*como historiadora, afirmo que é a parte mais absurda da série*) e a 7ª shogun, que é uma criança está morrendo.
Do lado de fora, o jovem Mizuno Yuunoshin (Yuuto Nakajima) não tem grandes perspectivas de futuro. Ele pertence a uma família samurai empobrecida e tem uma mãe e uma irmã caçula, que se esforçam muito para sustentar a casa, com que se preocupar. Além disso, ama a amiga e infância, O-Nobu (Shiraishi Sei), mas não pode se casar com ela, porque a jovem é de uma casta diferente, ela pertence a uma família de mercadores, muito rica, aliás. Sabendo que a vizinha retribui o seu afeto e que não se casará a não ser com ele e que sua mãe e irmã passam necessidade, Mizuno decide entrar para o Ōoku, conseguindo, assim, sustentar sua família e matar qualquer esperança que O-Nobu possa ter em relação a ele.
Em um momento no qual os homens são escassos, ter um harém é uma demonstração de poder e os boatos diziam que três mil homens habitavam o Ōoku. Quando Mizuno é admitido, lhe é informado que não é tanto assim, que são SOMENTE 800. Tokugawa Yoshimune (Ai Tominaga) assume como 8ª shogun quando da morte de Ietsugu. Vinda de uma província distante de Edo (Tokyo), ela é vista como uma "caipira" pelo refinado grande camareiro do Ōoku, Fujinami (Kataoka Ainosuke VI). Yoshimune questiona o excesso de gastos do palácio do shogun e considera boa parte dos costumes vigentes uma bobagem. Ela quer fazer reformas que levem ao progresso do país e melhorem a condição do povo e ignora o mais que pode a existência do Ōoku.
Fujinami confronta Hisamichi (Kanjiya Shihori), o braço direito da shogun, que termina por marcar uma visita ao Ōoku. Fujinami se sente satisfeito e eleva Mizuno, a quem considera igualmente grosseiro, da condição de pajem, e portanto indigno do olhar da shogun, a um dos candidatos a serem escolhidos pela soberana em sua visita ao harém. E o rapaz realmente atrai a atenção de Yoshimune, seja por seu incomum e sóbrio kimono preto (*em oposição ao colorido exuberante dos outros rapazes*), seja por ter quebrado a etiqueta (*não darei spoiler*). Agora, o que nem a shogun, nem o rapaz sabem, é que uma antiga tradição ordena que o primeiro homem a passar a noite com uma soberana solteira (*e supostamente virgem*) deveria ser morto.
Eu me surpreendi ao assistir o primeiro episódio, porque ele resume todo o volume #1, isso comprimiu consideravelmente as tramas paralelas, que foram quase que completamente eliminadas para focar somente em Mizuno e Yoshimune. Temos algum espaço para Hisamichi, claro, ela é o principal apoio da shogun, além as mesquinharias de Fujinami e o fato dele favorecer seu amante, o belo Kashiwagi (Inoue Yuki). O amor de Mizuno por Onobu também é valorizado e temos um vislumbre da amizade que o rapaz desenvolve com Sugishita (Kazama Shunsuke), mas este sequer conhece a shogun, algo que é importante no mangá.
Apesar dos cortes, inseriram algumas cenas novas, em especial a shogun. Quano Yoshimune recebe a notícia de que deverá seguir para Edo e assumir o poder, ela está cavalgando. Há uma cena de Yoshimune incógnita visitando a cidade, assim como conversas entre ela e Hisamichi. Há conversas que foram criadas entre O-Nobu e Mizuno, assim como entre o protagonista e Sugishita, de resto, tudo mais integralmente, ou e forma resumida, veio direto do mangá.
Gostei bastante da atuação de Yuuto Nakajima, ele me pareceu mais convincente como Mizuno do que o ator do filme de 2010, Kazunari Ninomiya. Kataoka Ainosuke VI entregou um excelente Fujinami e Kanjiya Shihori está muito bem como Hisamichi, o único problema é que ela é gordinha no mangá, Fumi Yoshinaga desenha umas mulheres gordas e sorridentes que são bem características. E Hisamichi é uma criatura bem perigosa, ainda que absolutamente fiel à Yoshimune. Quando Fujinami a pega pela gola do quimono, ele não sabe com quem está mexendo. Agora, Ai Tominaga não me pareceu melhor que Ko Shibasaki, eu a prefiro como Yoshimune.
Ainda assim, o efeito geral foi muito bom e para quem não leu o mangá, ou assistiu ao longa metragem e 2010, a nova adaptação consegue entregar o espírito da obra original com uma única crítica relevante e, bem, se você continuar a ler a partir daqui, terei que comparar mangá e adaptações a comentar em detalhes a parte que realmente me incomodou, porque foge do espírito original da obra de Fumi Yoshinaga. E eu fui retomar o volume #1, porque já não o lia fazia muito tempo.
Entre as mudanças significativas neste primeiro episódio, temos O-Nobu sendo apresentada como alguém que recusou vários noivos, porque ama Mizuno e não pode casar com ele. A moça chega a dizer que preferiria se tornar uma freira (budista) a se casar com outro. No mangá, onde Mizuno é quem coloca claramente sua frustração por não poder se casar com a mulher que ama. Ele é de uma família samurai empobrecida, ela de uma rica família de mercadores, há a barreira econômica, mas, também, o impeditivo de casta.
No mangá é Mizuno quem recusa uma noiva vantajosa conseguida por sua mãe e prefere entrar para o Ōoku. No dorama, a mãe o rapaz é uma mulher gentil e não uma matriarca tradicional e cheia de autoridade como no mangá, já a irmã do protagonista na TV é uma criança e, não, uma mulher de vinte e quatro anos e que precisa de um dote para se casar. Tanto para O-Nobu, quanto para a irmã de Mizuno, era absurdo tomar um homem somente para reproduzir, seria humilhante demais. Mizuno faz esse tipo de favor para mulheres pobres e chega a cutucar O-Nobu dizendo que poderia fazer o mesmo favor para ela.
A moça reage indignada, e isso está no dorama, também, mas não a acusação e que essa sua bondade seria desculpa para dar vasão para a sua luxúria. Aliás, Mizuno agradece a mãe por não tê-lo vendido como reprodutor, como outras famílias que passam por necessidade. Isso não está no dorama. Outra alteração é que Mizuno entra do Ōoku graças a uma tia, quando, no mangá, é seu tio que lhe consegue a vaga.
O duelo de Mizuno com Tsuruoka é cortado do dorama. No filme de 2010, foto acima, o duelo tem grane destaque e o rapaz se mata depois de ser derrotado por Mizuno. Só deixam a parte em que o supremo camareiro, Fujinami, fala com Mizuno, mas o rapaz não é mostrado o dojo, que seria a cena imediatamente depois. A conversa entre Kashiwagi e o supremo camareiro sobre as maquinações para colocar Yoshimune no trono é suprimida. O que sobra da conversa é entre Mizuno e Sugishita.
Toda a parte do costureiro apaixonado por Mizuno, que é importante dentro desse volume #1, é cortada, assim como o beijo que o protagonista lhe dá se desculpando com O-Nobu em seus pensamentos por beijar o rapaz. Inclusive a menção que ele faz à Arikoto (O-Man), protagonista do segundo arco da história, quando lhe recomenda o padrão da água corrente para decorar o seu kimono é retirada, ainda que a sugestão do desenho, feita por um costureiro, esteja no dorama.
Uma inversão importante no dorama é que Fujinami informa Hisamichi que o primeiro com quem a shogun dormir deve morrer antes dela passar a noite com Mizuno. Isso altera toda a sequência da história, inclusive a forma como ambos se comportam na noite em que fazem sexo. No mangá, quando se espalha que Mizuno deve morrer, todos comentam e quem questiona a tradição é o menino costureiro e lhe é explicado que a última shogun era a uma criança e as duas anteriores mulheres casadas, então, não se aplicaria. Revendo o volume #1, percebi que ele está conversando com um cozinheiro gay que só aparecerá de novo em um volume muito avançado.
Também temos a primeira, e temporalmente última, aparição, de Manabe Akifusa, que terá papel importante nos volumes #6 e #7 na história. A cena é muito boa e a ministra mais influente nos reinados de Ienobu e Ietsugu é escorraçada por Yoshimune por desejar que a nova soberana se vista e forma luxuosa em um momento e crise econômica. Manabe não queria Yoshimune como shogun, mas, infelizmente, suas conspirações não estarão no novo dorama. Não consegui encontrar o nome da atriz que interpreta Manabe e as legendas em inglês transliteraram errado o seu nome, é Manabe Akifusa, não Kanbe Akifusa.
Há outro diálogo entre Kashiwagi e Fujinami é alterado também, no mangá, fica evidente que o supremo camareiro colocou Mizuno entre os que podiam ser escolhidos para se livrar dele, e que seguiria o costume de qualquer jeito, e que sendo a família do rapaz tão sem importância, ele não teria que explicar a sua morte. Já os outros jovens tinham parentes poderosos e não iria ser fácil convencê-los da morte por doença de seus filhos. No dorama, Fujinami fala que não invocaria a tradição se fosse outro o escolhido, afinal, ela tinha caído no esquecimento. Sugishita se indigna e chora por Mizuno, mas são os dois juntos, não diante do supremo camareiro.
No mangá, quando Mizuno está com a shogun, é ela quem começa a conversa, se desculpa por causar a morte do rapaz, ela está no comando, ela conduz a cena. O mangá faz toda a apresentação de quem seria testemunha do ato sexual nas salas adjacentes, no dorama, fica subentendido a presença das testemunhas e é Mizuno quem puxa a conversa com ela, que se comporta de uma forma quase tímida, lhe perguntando sobre seu gosto por artes marciais e outras coisas. Além da inversão dos papéis de gênero, há uma grande perda nesta cena, o pedido de Mizuno, que a Shogun concede, de chamá-la de O-Nobu, que era o nome da própria Yoshimune. No dorama, ela pergunta o nome do rapaz e lhe diz o seu, Nobu, e ele se espanta.
Quando Yoshimune dispensa boa parte o Ōoku no dorama, ela dispensa os homens mais jovens para que possam se casar, só permanecem os maiores de 35 anos. No mangá, ela manda embora os bonitos. A idade não viria ao caso, porque qualquer um maior de 35 anos não poderia ir para a cama com a shogun. Como o episódio termina aí, fica de fora o capítulo no qual a shogun encontra Sugishita, o acha bonito, se interessa (*sexualmente*) por ele e o pajem lhe informa que é velho demais, porque tem 35 anos, para estar diante da shogun a forma que ela deseja. Ela muda as regras.
O dorama até coloca Yoshimune dizendo para Mizuno que não se interessa por cosméticos, nem roupas luxuosas, mas que gosta e homens, mas nem de longe retrata o quanto Yoshimune gostava de sexo e preferia uns homens que jamais apareceriam diante dos olhos da shogun, como trabalhadores braçais, embora não seja este o caso de Sugishita, que é um sujeito muito bem apessoado, ainda que o ator do dorama não lembre a personagem do mangá.
Como o dorama termina sem este último capítulo, Yoshimune só descobre que houve . O capítulo final do volume #1 dá início ao flashback que explica a peste e o motivo para que as mulheres estejam no poder. Pelo que vi do planejamento do dorama, Yoshimune não irá voltar para a história, porque seu outro arco não será adaptado e isso é uma pena. A julgar por este primeiro episódio, a série é muito bem feita, apesar de menos grandiosa que aa adaptações anteriores, mas será corrida, especialmente, em comparação com as adaptações anteriores. Ōoku merecia mais. Abaixo, o trailer do primeiro arco da série.
1 pessoas comentaram:
Tenho dúvidas sobre o Japão antigo. Os ninjas eram inimigos dos samurais?
O xogum era "imperador de fato"? (sei que havia imperador na época, mas era figura decorativa)
Os ronin eram guerreiros sem "daymio".. O conceito de ronin era próximo do anarquismo ?
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