Consegui reassistir a versão de 1949 de Little Women ontem à tarde, era meu desafio de Natal. Esta adaptação, a primeira em cores, foi a que me apresentou a história completa, quer dizer, eu acredito ter assistido no final da infância, mas, pensando bem, não tenho certeza, talvez, eu já tivesse uns 13 anos e lido a versão adaptada do clássico da Coleção Elefante (Ediouro). O filme de 1949 usou o mesmo roteiro do filme de 1933 como base, por isso, há sequências (*inventadas*), que são absolutamente iguais, no entanto, os novos roteiristas, Sally Benson e Andrew Solt, modificaram alguns detalhes do original premiado com o Oscar de Victor Heerman e Sarah Y. Mason. É um bom filme, mas podando comparar com o de 1933, o mais antigo é melhor. E peço já minhas desculpas, se eu começar a voar demais e fazer comparações ao longo do texto.
Little Women (*aqui, As Filhas do Dr. March, Adoráveis Mulheres, Quatro Irmãs ou, ainda, Mulherzinhas*) é a obra mais conhecida da escritora norte-americana Louisa May Alcott (1832–1888) e foi escrito entre 1868 e 1869. Trata-se de um livro semiautobiográfico, colocando muitas situações vividas pela família da autora dentro da história, sendo que Jo, a protagonista, é inspirada diretamente na própria escritora. Para quem nunca ouviu falar este livro, ou viu qualquer uma das suas adaptações, Little Women conta a história das quatro irmãs March (Meg, Jo, Beth e Amy), mostra seu amadurecimento e a transição da adolescência para a idade adulta com suas alegrias, dores e desafios (Bildungsroman) durante o período da Guerra de Secessão (1861-65). Eu amo Little Women e tenho resenha do filme de 1994, da série da BBC de 2017, da versão da Greta Gerwig e do filme de 1933 no blog. Esta agora é a última que farei de uma adaptação já existente do clássico.
O filme começa com Marmee (Mary Astor), a mãe das meninas, lhes dizendo que não haverá presentes naquele Natal, porque precisam investir tudo que tem no esforço de guerra. As meninas, Meg (Janet Leigh), Jo (June Allyson), Amy (Elizabeth Taylor) e Beth (Margaret O'Brien), ficam tristes, mas logo aparece a rabugenta Tia March (Lucille Watson) com um dólar para cada uma delas. As quatro se animam e saem para comprar presentes para si mesmas, mais tarde, porém, enquanto a mãe está atendendo uma família de imigrantes pobres, os Hummel, elas se arrependem e trocam seus presentes por algo para Marmee. As garotas deixam os presentes embaixo da árvore de Natal. Na versão de 1933, não havia essa decoração e acredito que a moda das árvores de Natal não tinha se espalhado ainda, fora que a pobreza das March não lhes permitiria comprar decorações para a casa; Só que, em 1949, imagino que a produção via o adereço como um signo importante para marcar que era um filme natalino.
Antes de trocar os presentes, as irmãs são mostradas em casa. Jo chega correndo e pulando a cerca, se estabacando no chão, como uma forma de estabelecer que ela é uma tomboy e desastrada. Meg, que está costurando as próprias roupas, reclama da pobreza, como no livro, e dos modos da irmã. Amy se estranha com Jo, critica seu comportamento masculino e é ridicularizada pela protagonista por tentar falar difícil e usar as palavras de forma errada. Enquanto isso, Beth é mostrada arrumando a árvore de Natal e tentando apaziguar as coisas. Jo se mostra curiosa sobre o garoto que agora é seu vizinho e que sempre as observa da sua janela, mas Meg, apesar de curiosa, acha inapropriado ficar espiando. Jo acena para Laurie (Peter Lawford), que retribui o cumprimento, o que faz com que a garota fique um tanto envergonhada e Meg feche as persianas. Ainda na véspera de Natal, as meninas são mostradas ensaiando uma das peças de Jo, a garota sonha em ser escritora.
No dia de Natal, elas têm um café da manhã especial, mas ao saberem que a mãe está atendendo os Hummel, que eles tem um bebê recém-nascido e passam fome, decidem presentear a família com sua refeição. A única que resiste é Amy, mas ela é voto vencido. É interessante que quando falam do café neste filme, fazem referência ao Brasil, o item se tornou um luxo, porque em tempos de guerra, os navios devem se mobilizar para o esforço bélico e, não, para importar o produto. No caminho para os Hummel, elas encontram com Laurie, o vizinho, e o John Brooke (Richard Stapley), seu tutor, que olha insistentemente para Meg, que se sente desconfortável. Nesta versão, o Sr. Lawrence (C. Aubrey Smith) não manda uma ceia especial para as meninas como uma forma de compensá-las pelo ato de bondade. É estranho, porque este é um momento importante do início da história para mostrar que o velho vizinho não era rabugento, mas um cavalheiro gentil, fora que esta parte do livro está presente em todas as adaptações.
Ainda no dia de Natal, Jo e Meg comunicam à mãe que irão trabalhar para ajudar a família, a irmã mais velha como governanta de quatro crianças e a protagonista como acompanhante de Tia March. Já Amy é punida na escola por fazer uma caricatura do professor, que foi interpretado pelo mesmo ator (Olin Ross Howland) nas versões de 1933 e 1949. Ele quase bate na menina e, depois do susto, Amy esnoba as colegas, que estavam do lado de fora esperando para saber se ela tinha apanhado, mas nada é dito sobre Amy ser retirada da escola após o incidente. No livro, ela recebe castigos corporais e é tirada da escola por Jo. No livro, o incidente se presta a fazer uma critica ao tipo de educação que era oferecida às crianças em geral e às meninas em particular. Jo defende que Amy irá aprender mais estudando em casa com ela.
Por fim, Jo decide visitar o neto do vizinho. A garota, que queria ser um homem e lutar na guerra, estava fascinada pela história de que Laurie teria fugido da escola, mentido a idade e se alistado para lutar, ferido e descoberto, fora devolvido ao avô. Olha, isso não está no livro e a história não é nem desmentida por Laurie, nem confirmada por ele. Laurie, no livro, morava na Europa, ficou órfão de pai e mãe e foi mandado para a casa do avô, que não queria o casamento de seus pais e não vê com muitos bons olhos os hábitos e aspirações do garoto, que deseja ser pianista, como a mãe. Bem, nada disso está no filme. O fato é que Laurie e Jo se tornam bons amigos.
Laurie não se importa de Jo ser uma tomboy, nem a repreende como sua irmã mais velha, Meg, faz. Além disso, este Laurie parece deixar meio evidente desde suas primeiras cenas, que não vê Jo somente como uma amiga. É nesta visita que o problema de Jo com as lareiras é apresentado, ela já chamuscou mais de um vestido por se sentar perto demais do fogo. No Ano Novo, as meninas são convidadas para um baile na casa do Sr. Lawrence. Jo tem que ir com um vestido remendado por causa de uma queimadura e suas luvas estão manchadas. Meg diz que não irá se Jo não tiver luvas e troca uma das suas com uma das estragadas da irmã. Não era considerado adequado que houvesse contato direto pele a pele, por isso, homens e mulheres deveriam usar luvas durante a dança. No livro, a festa foi na casa da Sr.ª Gardiner e somente Jo e Meg comparecem, as outras irmãs são jovens demais para bailes.
Assim como na versão de 1933, o Sr. Lawrence conhece Amy e Beth, a quem convida para ir até sua casa tocar o piano que está sem uso (*nada é dito sobre o desejo de Laurie ser pianista, como a mãe italiana, o que desagrada o avô*), no baile em sua casa. Enquanto isso, Meg tem a chance de conversar e dançar com John Brooke. As meninas saem cedo da festa, porque Beth cai em prantos após ouvir uma conversa da Sr.ª Gardiner (Isabel Randolph) com a filha acusando a mãe das meninas de tentar enredar Laurie para que ele se case com Jo (*no livro, a conversa existe, mas em relação à Meg e a autora do insulto é a Sr.ª Moffat*). Meg esquece uma de suas luvas e Brooke passa a carregá-la em seu bolso como um tesouro. Nessa primeira parte do filme, Jo vende seu primeiro romance por um dólar e Laurie se espanta por ser muito pouco. Era mesmo, mas não podemos esquecer que o rapaz nascera rico, enquanto elas eram muito pobres. Fora isso, Jo fala do prazer em ganhar seu próprio dinheiro, algo que parece um conceito estranho para um rapaz que nasceu privilegiado. Quando Jo descobre que Meg e Brooke estão apaixonados, ela se desespera, porque o casamento significaria a separação das irmãs.
Chega um telegrama de Washington avisando que o pai das moças está doente. A Srª March manda Jo pedir dinheiro emprestado para a tia-avó, que humilha a garota. O tempo passa e Jo não retorna. Tia March vem em pessoa entregar o dinheiro e a apreensão em relação ao sumiço de Jo aumenta. No fim das contas, a protagonista retorna com uma boa quantidade de dinheiro, porque vendeu o cabelo para que a mãe tivesse recursos na viagem. Todos ficam consternados, Laurie se espanta e diz que ela está parecendo um porco-espinho atraindo a ira das outras irmãs, enquanto Jo finge que não se importa. Enquanto a mãe está fora, Beth adoece de escarlatina, pois continuou visitando os Hummel a pedido da mãe, enquanto as outras irmãs haviam esquecido da promessa. Jo, Meg e Hannah (Elizabeth Patterson), a empregada, mergulham no desespero, porque Beth parece estar vivendo suas últimas horas. Já Amy, que no livro e nas outras versões é enviada para a casa da Tia March, porque nunca tivera a doença, fica esquecida nesta parte do filme.
No fim das contas, a menina sobrevive, a mãe chega em tempo de ajudar na sua recuperação. Essa chegada em tempo da mãe acontece graças a um telegrama que Laurie enviou sem avisar ninguém. Quando Jo fica sabendo, ela abraça e beija o rapaz para depois se desculpar. Mesmo sendo amigos íntimos, esses arroubos não eram normais. Laurie, por outro lado, diz que gostou e, mais uma vez, lança para ela um olhar apaixonado. A marcação dos sentimentos de Laurie é muito mais forte nesse filme, do que na maioria das adaptações. Dias depois, Jo e Maeg carregam Beth para a sala, ela não está andando ainda. É engraçado, porque na versão de 1933, a Jo de Katharine Hepburn carrega sozinha a irmã e a atriz era uma adulta e bem mais pesada que a menininha do filme de 1949. É neste momento que o Sr. March (Leon Ames) retorna da guerra com o Sr. Brooke.
Laurie presencia o reencontro da família e olha apaixonadamente para Jo, ele deseja pertencer àquele grupo não somente como amigo, mas como parente mesmo. Apesar dos sofrimentos, a família está unida, no entanto, as meninas estão crescendo. Meg e Brooke, que acompanhara a mãe das moças até Washington, o que serviu para aproximá-lo dos pais dela, terminam por se casar. Jo recusa o amor de Laurie, despertando a revolta do rapaz. Neste ponto, as falas de Laurie no livro, e que não estavam no filme de 1933, são colocadas no filme para enfatizar o quão magoado ele está. Só que Jo não o ama, quer ser escritora, e não cede nem quando ele argumenta que seu avô apoia o casamento dos dois. Já Amy sonha em ser uma dama e se torna a sobrinha favorita da tia velha, já nessa primeira parte do filme é possível vê-la lançando olhares para Laurie, o que só é possível porque ela não é a mais nova das irmãs, explicarei isso logo abaixo. E Beth,? Ela permanece em casa, com sua saúde permanentemente debilitada, não há muito espaço para que ela possa sonhar com um futuro seja ele o casamento, ou uma carreira.
A adaptação de 1949 fez uma alteração inédita e que nunca foi repetida por nenhuma outra, ela inverteu a ordem de nascimento das irmãs. No início da trama, Meg tem 16 anos, Jo tem 15, Beth tem 13 e Amy está com 12 anos. No filme, Beth é a caçula e não sabemos bem a sua idade, aliás, acho que em nenhum momento é dito a idade de ninguém. Elizabeth Taylor tinha 16 ou 17 anos quando o filme foi rodado e, claro, faz alguém mais jovem nessa primeira parte da história, no entanto, Margaret O'Brien tinha somente 11 ou 12 anos, e era uma menina bem mirradinha. Assim, imagino que a ideia no filme é que Amy tem 13 ou 14 e Beth 10 anos, se muito. O'Brien era efetivamente uma criança e, mesmo assim, ela é um dos destaques do filme, seu nome é o terceiro nos créditos, compondo uma Beth que é adorável e trágica ao mesmo tempo. Agora, é estranho que o tempo passe para todos e ela permaneça presa em um corpo infantil. De qualquer forma, sua última cena do filme, quando interage com Jo, é uma das partes mais bonitas da película inteira.
Falando em idades, mais uma vez, a atriz que interpreta Jo é a mais velha de todas as irmãs. June Allyson tinha 32 anos quando o filme foi lançado e interpretou Jo dos 15 aos quase 30 anos. O problema é que ela aparenta a idade que tem, poderia passar por mais velha até, e mesmo compondo bem a Jo adolescente, basta que a câmera enfoque seu rosto para evidenciar sua idade, porque ela tinha muitas marcas de expressão. Já Janet Leigh tinha 22 anos e poderia aparentar menos tranquilamente. Ela convence como uma moça de 16 anos. Foi uma escolha complicada. Nessas primeiras adaptações, a gente sempre tem que se esforçar para aceitar que atrizes adultas, e que parecem adultas interpretem, Jo. Enfim, já que estou comentando as idades das irmãs, vou falar dos cabelos de Jo e Meg.
Temos a cena de Jo dizendo que não queria crescer e soltando os cabelos depois que Meg comenta, lá no início do filme, que ela já é uma moça e até está usando os cabelos presos. Uma moça de 14, 15 anos, já estaria usando cabelos presos no século XIX, mas apesar da fala mantida de Meg, a mais velha usa os cabelos soltos praticamente o tempo inteiro. O penteado de Meg neste filme é uma versão do que a adolescentes usavam em 1949 e, bem, essa opção foi MUITO ruim. A tomboy Jo de cabelo preso e a corretíssima Meg exibindo suas madeixas louras por aí. Além disso, esta versão coloca uma espécie de namoro entre Brooke e Meg precedendo o pedido de noivado, inclusive com os dois se tratando pelo nome e passeando por aí. Isso não está no livro, nem na versão de 1933, nem na de 1994, 2017 e até a versão de Greta Gerwig foi mais correta nesse quesito.
E é um negócio bem básico em uma história romântica de época, chamar pelo nome denota grande intimidade e é um momento muito valorizado nesse tipo de filme, ou livro. Aliás, esse tipo de coisa permanece vivo dentro de alguns mangás josei ou TL, normalmente, com o mocinho insistindo que a amada o chame pelo seu nome. Antes que alguém pergunte por qual motivo não reclamo de Laurie e Jo, bem, a protagonista é informal e detesta as regras da boa sociedade, além disso, no início do livro, eles são tratados quase que como crianças. Já Meg e Brooke começam o filme interagindo dentro de um clima de romance, fora que ele é um homem adulto e ela se vê como crescida.
No livro, quando Meg chama Brooke pelo nome é um momento de imensa emoção para o rapaz, porque tudo acontece quando a jovem o defende das ofensas de Tia March, que ameaça deserdá-la se ela se casar com um homem pobre. Aliás, é a tal cena do guarda-chuva, que eu sempre reclamo se é cortada, quando o plano de Jo para separar os dois fracassa, pois ela tinha contado a história para a tia. O que Jo acaba fazendo é precipitar o noivado da irmã, tanto em 1933, quanto em 1949, talvez o seu casamento, porque assim como na versão de 1933, não há clareza na passagem do tempo.
No livro, são quatro anos de espera até que Meg complete vinte anos, no entanto, o cabelo de Jo já aparece crescido, Laurie está concluindo a faculdade e Amy está usando saias longas. Depois do casamento e de rejeitar Laurie, Jo cai em um estado de letargia e deseja ir para Nova York, ela lembra que a mãe tem uma amiga, a Sr.ª Kirke (Connie Gilchrist), que poderia contratá-la como governanta de suas crianças (*no livro, Jo fala em ser costureira também*). A mãe concorda e diz que irá conversar com o marido. É em Nova York que Jo irá conhecer o Prof.º Bhaer, que virá a ser seu marido. Comparado com o filme de 1933, parece que a fase de Nova York foi ligeiramente menor, mas é pouca coisa.
Eu falei das idades das atrizes, então, o Prof.º Bhaer nos livros é um homem de 40 anos e que se acha velho demais para Jo que tem vinte e poucos. Além disso, ele é grandalhão e o livro talvez sugira que um tanto acima do peso. Neste filme, escalaram o ator italiano Rossano Brazzi, que é simplesmente o homem mais bonito do filme. Fora isso, ele só era um ano mais velho que June Allyson. Aqui, preciso expressar uma opinião, não sei se você, leitor, ou leitora, concorda, mas quando pegamos fotos antigas, as pessoas tendem a parecer mais velhas do que são. A vida tendia a ser mais curta, não raro mais dura, e tanto homens quanto mulheres, elas talvez mais, não viviam obcecados por essa tentativa de parecerem eternamente jovens, empurrando a ideia de morte para o mais longe possível. Ser adulto lhe dava ônus e bônus, que não eram desprezados. Por isso mesmo, um Rossano Brazzi talvez pareça mais velho aos nossos olhos do século XXI do que seus 33 anos reais, mas ele é indiscutivelmente bonito e atraente. O que me fez lembrar de Jane Eyre (1983) e do Timothy Dalton fazendo o "feio" Sr. Rochester e dizendo-se feio. OK.
Mesmo lindo de se ver, ter um Rossano Brazzi como Bhaer é muito incoerente e aproxima o filme de 1949 de versões posteriores, como as de 1994, 2017 e 2020. Em todas elas, escalaram um ator que é muito distante do professor de meia idade que conquistou o coração de Jo, seja no comportamento, seja na aparência. Se em 1933 não é necessário marcar a diferença de idade entre Jo e Bhaer, porque ela é visível, Paul Lukas era bem mais velho que Katharine Hepburn e isso estava evidente na tela, em 1949, isso não faz sentido, porque não há contraste algum. É mais a interpretação de June Allyson que tenta marcar que ela é jovem, cabeça de vento e um tanto ignorante, enquanto ele é um homem culto, vivido e elegante (*o que o Bhaer do livro, não era*).
A ordem das cenas da fase de Jo em Nova York foram alteradas em relação à versão de 1933, além disso, a sequência em que Bhaer dá sua opinião sincera sobre os escritos de Jo, contos sensacionalistas que ela publicava em revistas populares, é mais curta. Algumas linhas de diálogo foram cortadas, com certeza. Já a criada da Sr.ª Kirke, Sophie (Ellen Corby) que, no livro e nas outras adaptações, é uma mulher jovem e é ajudada pelo Prof. Bhaer com coisas pesadas que tem que carregar, o que desperta a simpatia de Jo, é transformada em uma mulher de meia idade e não recebe ajuda dele.
Enfim, nesta adaptação, Bhaer começa a levar Jo para óperas, peças e outras atividades culturais antes da decepção dela com o fato de Laurie não visitá-la em Nova York e Tia March levar Amy para a Europa em seu lugar. Assim, a tentativa de declaração de amor dele é anterior e não há a carta avisando que a saúde de Beth piorou, quem o impede de dizer que ama a moça é a chegada de uma das crianças, que acordou com a cantoria de Jo na escada. Agora, é meio incoerente imaginar que a família de Jo iria mantê-la no escuro sobre a eminente morte da irmã caçula, ela fica sabendo por Amy em um diálogo que parece mais uma indiscrição da irmã tagarela e, nessa versão, um tanto comilona. O fato é que Jo retorna para a família e deixa Bhaer para trás, a diferença é que ela mais de uma vez que eles estão trocando cartas, o que levanta as suspeitas de Meg sobre os sentimentos da irmã por ele.
A parte final do filme é igualmente corrida, a tal ponto que nada que sugira a aproximação entre Laurie e Amy aparece na película. Na versão de 1933 há uma cena somente e já é pouco. Engraçado é que na propaganda do filme, nas fotos que sobreviveram, investe-se muito na imagem de Elizabeth Taylor e Peter Lawford como um par romântico estabelecido. O nome dele é o segundo dos créditos, o de Taylor, o quarto. Enfim, o casamento dos dois é relatado por Meg para Jo, com um agravante, eles continuam na Europa em lua de mel quando, no livro e nas outras adaptações, a notícia da morte de Beth precipita o casamento dos dois e o retorno, que ficou na dependência do transporte marítimo da época. De qualquer forma, não vemos nem Laurie, nem Amy, amadurecerem, como ocorre nas adaptações mais recentes e no original. Aqui, em 1949, também não houve a fase revoltada de Laurie, ele continuou um bom rapaz o tempo inteiro.
Por qual motivo aconteceu isso? Não sei. Fiquei contabilizando o que de novo foi inserido no filme que possa ter comido tempo de tela, mas é coisa muito rápida, cenas de segundos, algumas já comentei e dei destaque. Outras são uma conversa do pai com Jo explicando a doença de Beth quando ela retorna para casa, há pequenos diálogos de Jo com a irmã doente, temos a cena final de Beth, que é muito bonita. Há ainda a conversa entre Jo e Meg sobre o livro, Bhaer e Amy e Laurie, que é mais longa. O que ficou mais mesmo foi o desdobramento da fala maldosa da Sr.ª Gardiner, com as irmãs jurando que nada iriam falar para a mãe (*no livro, elas falam*) e Jo conversando com a mãe sem contar o ocorrido. "Você tem planos para nós?"
No livro, Meg e Jo participam da conversa e ela é longa, nesta versão, a protagonista tem todo o destaque e várias parte do diálogo são unidas. A Sr.ª March quer que as filhas sejam felizes, tenham caráter, sejam úteis à sociedade e se casem com homens que amem, se forem ricos, ótimo, se não forem, é melhor ser respeitada e amada na pobreza. No livro, como a conversa se estica, a mãe acrescenta que é melhor ficar solteirona do que ser desrespeitada e humilhada em um palácio, ou se tornar uma perdida (*não com esses termos*). O filme de 1949 colocou a Sr.ª March igualando casamento e o ser solteira e feliz. Essa modificação, uma junção, na verdade, com redução de diálogo, acrescenta algo de progressista a um diálogo que, no original, é afetuoso, é efetivamente preocupado com a felicidade das meninas, mas que coloca o casamento como único destino, o resto, o ficar solteirona, não era bem uma opção. Salvo o casamento como destino, eu desejo o mesmo para a minha filha. É o melhor diálogo do filme de 1949 e uma das sequências mais importantes do livro. Mas como houve sequências cortadas, também, então, ficou quase elas por elas. E, no geral, as grandes omissões continuaram as mesmas do roteiro original de 1933.
Como no filme de 1933, Jo escreve seu livro semiautobiográfico e lhe dá o nome de "My Beth" em homenagem à irmã morta. Ela envia o manuscrito para o Prof. Bhaer para que ele avalie a qualidade de seus escritos. Ela confia nele e, assim como em 1933, não há nenhum ar de superioridade por parte do professor em relação ao que Jo escreve. Ele reconhece o seu talento, acredita que ela precisa encontrar um caminho próprio e que o material que ela vinha escrevendo era de baixa qualidade. Não existe sequer um discurso moralizador que está no livro, pois a literatura popular, assim como serão os quadrinhos poucas décadas depois, era considerada material pernicioso já que o número de pessoas alfabetizadas aumentava rapidamente e os exemplares dos jornais, revistas e livrinhos eram bem baatos. E, se a pessoa não tinha como comprar, podia tomar emprestado, como a criada, Sophie, fez nos filmes de 1933 e 1949.
Jo nas duas adaptações reconhece sua ignorância e suas limitações como autora e vê no professor alguém que tem condições de avaliá-la sem a condescendência de amigos e parentes. É interessante que na versão de 1949, Laurie não gosta do que Jo escreve, mas o sentimento parece vir mais do ciúme e desejo de posse, além de um desprezo pelo trabalho. Casando-se com ele, ela jamais precisaria trabalhar, com Bhaer é diferente, ele vê potencial em Jo e a estimula a escrever, mesmo que veja o que ela produz no momento como um material de qualidade duvidosa. E, por fim, ele vem até ela com o livro e a sequência final é quase igual a de 1933, sem o guarda-chuva enganchado na porta e Hannah fechando a casa e recebendo o solitário professor na família. O que eu realmente acho curioso é que tenham cortado o beijo, o livro coloca Jo tomando a iniciativa e beijando seu professor no meio da rua e debaixo do guarda-chuva, mas os filmes parecem achar isso escandaloso. É uma omissão bem puritana, eu diria.
Falta falar um pouquinho do figurino. Algo que me saltou aos olhos é que Jo parece sempre estar usando roupas para o dia em qualquer situação. Ela sempre está com gola alta, mesmo que as mangas não sejam longas. É assim no baile na casa de Laurie e ela usa o vestido de gola alta que usou no casamento de Meg para ir à ópera. Na versão de 1933, achei o vestido da ópera de Katharine Hepburn muito rico, mas o usado por June Allyson foi pior, porque era inadequado mesmo (*foto abaixo*). E, no geral, o figurino do filme de 1949 também dialoga com as roupas femininas usadas à época, o que não chega a ser um grande problema, o que ficou ruim foi tomar os cabelos como referência, inclusive para os homens. E como eu odeio essa franjinha de June Allison! A produção de 1949 pode ter sido mais rica, mas a de 1933 me pareceu mais sincera com a época que buscava retratar.
Acredito que mais do que outras adaptações de Little Women, este filme é sobre Jo e o trailer, que está no final, explica que é sobre como uma menina se torna mulher. E o que é se tornar mulher? É descobrir o amor por um homem. A Jo, neste filme, explica para as irmãs, especialmente, Meg, o que é amar, como uma mulher se sente, mesmo sem nunca ter amado. Ela se sente credenciada por ser escritora. Quando Bhaer lhe sugere que escreva sobre o que ela sabe e conhece, ela terá que buscar dentro dela sentimentos que estão lá e abandonar as superficialidades dos romances que ela vinha escrevendo. Ela ama sua família, ela ama os amigos, mas ela precisa entender que ama Bhaer e é o que ela consegue entender no final, algo que Laurie, na sua explosão de raiva, já tinha anunciado. Curiosamente, e falo disso mais longamente na resenha sobre o filme de 2020, Alcott não queria dar um par para Jo, mas o editor forçou a barra, uma mocinha só pode terminar um romance em duas condições, ou casada, ou morta. Jo se casa.
Concluindo, é um bom filme, mas que acabou deixando questões importantes de fora. Lembraram de que Amy usava um pregador para tentar afinar o nariz, mas esqueceram dela durante a doença de Beth, por exemplo. Introduziram diálogos do livro, mas insistiram em bobagens como colocar Amy e Beth em um baile no qual elas não deveriam estar. Jo, assim como no filme de 1933, exclama "Cristóvão Colombo" para horror das irmãs, mas Meg anda de cabelo solto mesmo dizendo que a irmã é uma moça agora e deve prender o seu. E, bem, colocaram um Prof. Bhaer bonito e jovem demais para fazer contraste com Jo e ele nem parecia tão pobre assim, como deveria ser. Continuo, claro, tendo carinho por este filme, mas ele acabou empalidecendo em contraste com a versão que lhe serviu de base. Se der, eu farei um post comparativo das adaptações, quem está melhor no papel, segundo a minha opinião, claro. Para quem se interessou pelo livro, a edição com notas e ilustrada da Zahar está em promoção no Amazon, mas há outras, inclusive gratuitas.
2 pessoas comentaram:
Esses posts me deram vontade de ver o de 33! Little Women não é uma história que adoro particularmente, mas fiquei curiosa, e gosto muito de Katharine Hepburn.
Desse de 49 você menciona Margaret O'Brien como destaque e isso me deixou alegre porque ela é uma das mais atrizes infantis favoritas. Se você puder conferir The Unfinished Dance (1947), que tem ela e Cyd Charisse de protagonistas, eu recomendo. Tem um ar meio shoujo vintage. (E falando nisso, O'Brien era popular no Japão, chegando a rodar um filme por lá junto com Hibari Misora!)
Adoro suas resenhas de filme! Feliz natal atrasado, e feliz ano novo. :)
Olá. Gostei muito desta resenha. Este filme tem passado bastante no canal TCM da tv paga, mas lá ele tem o nome de Quatro Destinos.
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