Ontem, foi o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra as Mulheres, uma data reconhecida pela ONU desde 1999 e que é o ponto de partida de uma campanha de 16 dias que se fecha com o Dia dos Direitos Humanos, data estabelecida também pela ONU, em 1950, dois anos após a Organização das Nações Unidas (ONU) adotar a Declaração Universal do Direitos Humanos como marco legal regulador das relações entre governos e pessoas (*Este documento cai em vestibular, atenção!*). Mas por qual motivo lembramos o 25 de novembro? Vou citar o meu post de 2020, porque ficou bem enxuta a explicação:
"Nesta data, em 1960, as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”, foram brutalmente assassinadas pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As três militavam contra o regime do ditador e foram encontradas no fundo de um penhasco em um jipe. O acidente era uma fraude, claro, elas haviam sofrido uma série de violências e o carro foi atirado com as três já mortas, ou perto disso. As irmãs entraram no radar do ditador quando Minerva se formou em Direito, em 1949, e conheceu o ditador, que desejava tê-la como amante. A jovem recusou e a primeira retaliação foi negar-lhe a licença para exercer a profissão. (...) o escândalo ajudou a derrubar a ditadura que perdeu o apoio norte-americano, afinal, já bastava uma Cuba, a revolução fora em 1959, e um ditador a três décadas no poder e tão escandalosamente violento poderia abrir caminho para outra revolução."
Em 2011, sim, este blog é velho, fiz um post por dia mostrando casos de violência contra as mulheres no Brasil e pelo mundo até o dia 10 de dezembro. É fácil conseguir os dados, se eu ficasse somente com os feminicídios em nosso país, os noticiados pela mídia, eu teria mais de um caso por dia em muitos dias. Não sei se tenho estômago, sabe? De qualquer forma, sempre me esforço por escrever esse post do início da campanha. E não vou falar mais uma vez do Afeganistão, onde as meninas voltaram a ter o seu direito à educação negado e as mulheres não podem mais frequentar os parques do país, ou do Irã, sacudido faz semanas por protestos por causa do assassinato pelas forças do Estado da jovem Mahsa Amini acusada de não estar usando o véu (*hijab*) da maneira correta.
É sempre um deleite para os que desprezam os países islâmicos que a gente fale dos dramas das mulheres por lá, aliás, não raro eles mandam um "queria ver essas feministas mimizentas irem defender os direitos das mulheres em XXXXX (*insira aqui o país não-ocidental ditatorial, ou autocrático, com políticas misóginas que desejar.*) No Brasil, é fácil, porque, aqui, elas tem só mordomias." Pois bem, falemos de nosso país. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, liberado em março de 2022, tivemos uma queda no número de feminicídios, - 2,4%, e um aumento no número de estupros de mulheres, incluindo de vulneráveis (*qualquer menor de 14 anos, pessoas com alguma limitação que as impeça de consentir*) de + 3,7% somando 56.098 vítimas. Estupro é crime subnotificado, como fica claro na notícia que comentarei a seguir.
Vítima sem nome do descaso do Estado pelas mulheres do Maranhão.
AOS 12 ANOS, SEMPRE É ESTUPRO. O fato é que em caso de estupro, a legislação brasileira garante o direito ao aborto legal. DIREITO, não DEVER. Mas uma menina pobre dos interiores do Brasil dificilmente terá acesso ao que a lei lhe garante. Nos últimos anos, graças ao governo (pseudo) conservador do Sr. Jair Bolsonaro, vários casos de meninas estupradas e constrangidas por religiosos e mesmo representantes do Estado a levarem adiante uma gravidez fruto da violência vieram à tona. Um dos meus temores, ele ainda existe, claro, é que mesmo os casos de aborto legal fossem criminalizados em nosso país, mas o fato é que a exclusão quando se trata do mínimo da cidadania é enorme. A menina sem nome de Tanque, Joselândia, no Maranhão, deveria estar viva. Ela deveria estar estudando, sonhando com um futuro, não sendo iniciada precocemente na atividade sexual por violência ou engodo, tampouco, caso ocorresse, ela deveria ter o direito a interromper a gravidez em um lugar seguro e com profissionais de saúde, não de forma improvisada em qualquer lugar. A ênfase das notícias parece ser muito mais no ritual, o que já aponta para uma estigmatização de religiões brasileiras, seja de matriz africana ou indígena, do que na preocupação com a morte da criança, ou da falta de suporte do Estado.
Mas a notícia do dia ontem não foi a morte trágica de uma menina maranhense, mas dois ataques à escolas em Aracruz, no Espírito Santo. Aconteceu aquilo que os norte-americanos chamam de mass shooting, quando um sujeito (*geralmente é um*) do sexo masculino (*na maioria das vezes, branco*), pesadamente armado, invade uma escola, igreja, shopping, mercado, boate, show whatever, qualquer lugar onde exista muita gente, não raro com um perfil específico mais evidente (*mulheres, negros, latinos, LGBTQIA+ etc.*) e abre fogo. Não gosto da tradução "tiroteio" para mass shooting, porque quando penso em tiroteio, penso em troca de tiros. Mass Shooting é massacre mesmo, um cara armado atacando pessoas desarmadas, ou incapacitadas de responder à altura.
Enfim, um adolescente de 16 anos, a idade dos meus alunos, pegou as armas e o automóvel do pai, um tenente da PM, que compartilhou em suas redes sociais imagem do livro "Minha Luta" (ou Mein Kampf, em alemão), de Adolf Hitler, uma espécie de ponto de partida para as propostas nazistas de extermínio de judeus, pessoas de esquerda (comunistas, socialistas) e os inferiores em geral, invadiu duas escolas e matou e feriu pessoas. No primeiro ataque, à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, ele se dirigiu direto à sala dos professores e abriu fogo. Foi contido quando teve que recarregar a arma, mas escapou, pegou o carro e seguiu para a escola particular Centro Educacional Praia de Coqueiral (CEPC), no mesmo bairro. Atingiu várias pessoas. Mais tarde, o pai ligou para as autoridades e entregou o filho. O assassino vestia roupa camuflada com símbolos nazistas, capuz, máscara e usou para cometer os crimes um 38 e uma pistola .40. Tanto meu marido, quanto um amigo, comentaram que o tipo de arma, com cano longo, cromada, é coisa de aficionado. Não é arma comum.
A polícia investiga as causas, mas na escola estadual, onde o garoto estudou e saiu por não se ajustar, a direção vinha recebendo ameaças. Certamente, irão revirar as redes sociais do jovem para saber se ele está ligado a algum chan, mas o Mein Kampf dividido pelo pai, já me sugere um ambiente no qual as práticas e discursos nazistas não fossem rechaçados. Resta saber a extensão da coisa. O jornal Folha de Vitória, e eu fui procurar mais detalhes em veículos do Espírito Santo, apontou que este foi o terceiro incidente este ano em escolas do estado. Citou dois casos, um de uma criança de 11 anos que fez ameaças, que eu considero algo muito diferente de abrir fogo, tal e qual outro incidente no mesmo estado ontem mesmo com um estilete, com um estilete; já e outro no qual um sujeito entrou muito bem armado e conseguiu ser contido.
Mas por qual motivo eu estou colocando esse caso dentro de um post sobre o Dia da Não-Violência contra mulheres, porque algo está me sugerindo que trata-se de um novo Realengo. Em primeiro lugar, se alguém via matar gente em uma escola de ensino fundamental e médio no Brasil, a pessoa sabe que provavelmente, irá encontrar mais mulheres do que homens. A maioria dos docentes das classes iniciais e funcionários de escola são mulheres. Em segundo lugar, temos que olhar as vítimas. Há dezesseis feridos no hospital, não sabemos o sexo biológico das vítimas, mas estão em estado grave três professoras, e em estado gravíssimo há um menino de 11 anos e uma adolescente. Já as vítimas fatais são duas professoras, com idade próxima a minha, poderiam ser eu mesma; e uma menina de 12 anos, que tinha toda a sua vida pela frente, ela poderia ser a minha filha.
Professoras Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos (Matemática); Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos (Artes); e a estudante Selena Sagrillo Zucoloto, de 12 anos.
Para quem é novinho, no Massacre de Realengo, em 2011, as testemunhas apontaram que o criminoso atirava nas meninas para matar, nos meninos ele mirava nos membros superiores e inferiores, nas meninas, ele alvejava a cabeça. Foram doze mortos, dez eram meninas e não foi por acaso. Algo me diz que estamos diante de um novo Realengo, mas sem os dados dos feridos, é prematuro afirmar. Fascistas odeiam mulheres, trata-se de uma ideologia misógina. Eles as toleram, porque as veem como receptáculo de esperma, elemento necessário tanto para a sua reprodução, quanto para o seu prazer. Se não tem a cor certa de pele, o formato esperado de corpo, se recusam o interesse de um deles, se não são dóceis, se não estão dispostas a servir, elas não servem. Aliás, mesmo as mais solícitas podem se tornar alvo pelo simples fato de serem mulheres. Como de costume entre os criminosos pertencentes à "famílias de bem", já apareceu a alegação de que o garoto fazia tratamento psiquiátrico. Motivo maior, eu diria, para o pai ter cuidado com suas armas e com o próprio filho.
Quantos mais atentados teremos, aliás, desde o 2º turno, houve vários de diferentes tipos (*crianças que perderam cirurgias e tratamento para o câncer; adolescentes agredidos dentro de ônibus escolar; motoristas constrangidos a parar em barreiras etc.*) , este nas escolas foi o pior. ainda que não tenha ligação com as manifestações, é fruto do momento de violência que vivemos e que não deve se amenizar nos próximos dias. Aliás, pergunto sinceramente se o nosso ainda presidente já se solidarizou. Eu não vi nada. O novo, o que foi eleito, deixou uma mensagem, mas o dever era de ambos e da classe política em geral.
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