Este é meu sétimo (*1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6*) e último texto sobre Além da Ilusão, novela das seis da Globo que terminou na última sexta-feira (19). Eu queria ter escrito este texto no mesmo dia, mas tinha que preparar provas para os meus alunos, entre outras coisas e que sei que costumo escrever demais. É a vida! Começo pontuando que gostei da novela, ou teria abandonado faz tempo. Por exemplo, larguei Éramos Seis na virada da primeira para a segunda fase e nunca tive ânimo para retomar e, olha, que eu maratonei quase trinta capítulos de Tempo de Amar, quando perdi semanas de novela. É só para vocês terem uma ideia.
Começo com um elogio para a autora, porque é a primeira vez que eu me lembro de ver uma novela que teve um arco final tão bem estruturado, com os finais das personagens sendo construídos sem correria de último capítulo. Houve poucos esquecimentos e injustiças, poucos mesmo. Grande mérito aqui. Nada pior em uma novela, e a maioria, as boas e as nem tanto não fogem muito disso, do que aquela correria de último capítulo, fora os eventos de sempre, como casamentos e nascimentos. Além da Ilusão não teve nada disso. Houve casamento no fim da novela, mas foram saudados como coroamento da trama inteira, sem serem repetição do mero clichê. Fora isso, ela conseguiu manter a agilidade da trama, criando pequenos arcos que davam destaque a um problema, ou grupo de personagens. Praticamente nada se esticou demais, ainda que algumas situações pudessem render mais. Outro acerto foi o uso, normalmente correto, de gírias de época que davam um sabor especial aos diálogos. Houve deslizes, mas eu os comentei em outros textos.
Outro elogio vai para Larissa Manuela. Ela é muito competente, porque recebeu uma personagem difícil. Ao longo da novela, Dorinha mudou de personalidade várias vezes. Eu ficava me lembrando da Lara (Glória Menezes) de Irmãos Coragem e de como ela parecia ter múltiplas personalidades. Para quem não viu Irmãos Coragem, clássico de Janete Clair, e eu assisti o compacto do original e o remake muito fraco, a mocinha tinha três personalidades, Lara, a mocinha tímida e reprimida pelo pai; Diana, que era doidona e desinibida; e Márcia, que era equilibrada e madura. O mocinho (Tarcísio Meira) ficava perdido diante das mudanças de humor, aparência e comportamento da moça, porque não sabia do problema de Lara. Pois bem, em Além da Ilusão, a autora nos deixou perdidos com as alterações de Dorinha.
Dorinha era forte e racional, nada romântica (*como forma de se proteger*) no início de trama, além, claro, de ter ideias modernas. Tão avançadinha era, que transou com Rafael/Davi (Rafael Vitti) sem culpa e várias vezes. Moças de família não deveriam fazer isso, não quer dizer que algumas não faziam, mas foi tudo de forma muito natural. Daí, por necessidade de roteiro, Dorinha virou uma conservadora (*hipócrita, na verdade*) que apontava o dedo para os/as outros/as que não seguiam a moral padrão da sociedade. Abandonou o noivo no altar ao descobrir que ele teria feito sexo com outra mulher (*não foi nada disso, aliás*), enquanto ela estava rompida com ele e em sua lamentável fase rebelde. E Dorinha virou rebelde, em uma das subtramas mais fracas da novela, depois, foi frágil e indecisa, teve amnésia em relação aos desvios de caráter de Joaquim (Danilo Mesquita) e ainda casou com ele. E a pobre Larissa Manuela ainda teve que dar sentido a alguns dos textos mais cafonas da novela. Ela estava excelente e mostrou que pode fazer qualquer papel que lhe joguem no colo, afinal, em Além da Ilusão ela interpretou uns cinco ou seis diferentes.
Sem falar nos veteranos, e já elogiei em outros textos Paloma Duarte e Antonio Calloni, os dois maiores destaques da novela, eu diria, fiquei muito surpresa com o desempenho de Danilo Mesquita. Primeiro, porque ele também foi premiado com uma personagem ingrata. Joaquim passou boa parte da trama metido em planos dignos de Cebolinha e que não ajudavam a novela a seguir adiante. Ainda assim, ele conseguiu encarar os altos e baixos da personagem com um vigor muito grande. E, depois do assassinato de Abel (Adriano Petermann), conseguiu passar em pequenos gestos o trauma e a culpa que estava carregando. O final de Joaquim, que recebeu a redenção, foi um tanto abrupto, em especial, o reencontro com o pai biológico. Foi a única correria do final da trama, eu diria.
Falando em redenção, vi gente reclamando com razão no Twitter que os homens receberam muito mais complacência da autora, que as mulheres. Joaquim teve uma redenção completa. O juiz Matias, não se arrependeu de nada do que fez, mas demonstrou amizade por Leônidas (Eriberto Leão) a ponto de salvar-lhe o filho e libertá-lo para ir concluir seu curso de medicina em Londres, simulando sua morte. E Matias, o juiz autoritário e homem perverso, acabou se tornando o grande protagonista da novela. Não fosse Antonio Calloni o monstro de ator que é, seria muito mais difícil nos arrancar alguma pena, ainda que parte da raiva dele em relação a Davi no início da novela, fosse justificada. Afinal, anos 1930, em três dias (*sim, foi isso*), ele se apaixonou loucamente por Elisa, uma menor, pois tinha 18 anos e a maioridade era com 21, e a desvirginou. Isso deixaria qualquer pai ensandecido e poderia terminar em tragédia mesmo. De qualquer forma, a autora se esforçou para humanizar um ser desprezível e dar-lhe um final de grande impacto.
Outro homem que se redimiu foi Onofre (Guilherme Silva), que chegou a cometer crimes em conluio com Joaquim, mas se tornou um homem virtuoso, ainda que com o mesmo humor meio torcido. Já para Emília (Gaby Amarantos), a autora reservou um castigo exemplar, mesmo que, no finalzinho, tenha lhe dado algum alívio. Emília merecia mais, especialmente, em uma novela na qual 90% das personagens tinham quebrado alguma lei, e mesmo Giovanna (Roberta Gualda) abrindo cartas alheias cometeu delito passível de pena. E Úrsula, bem, eu não gostava de Bárbara Paz no início, a achava muito exagerada e fora do tom, mas ela conseguiu tornar a personagem muito divertida. Ela também foi punida e com uma morte ridícula e impressionante, porque envolveu maldição de cigana e engasgo com pipoca. O coroamento foi a mulher estatelada no chão em uma composição que parecia um quadro Pré-Rafaelita.
Mas, enfim, o peso da punição foi muito maior para as mulheres, em especial, a que era preta, pobre e com um marido que a rebaixava por ela ousar sonhar. Já Iolanda (Duda Brack), que nunca teve realmente uma história para chamar de sua, também foi redimida, ou, simplesmente, a autora não quis perder tempo com ela. Deu-lhe um final feliz e a personalidade dela voltou ao que era no início, como se a fase vilão louca não tivesse existido. E, no fim das contas, o fato dela ter abusado de Davi, quando este estava embriagado, foi mesmo vendido pela autora como algo consensual, quando não foi mesmo. De resto, eu gostei da atriz, espero que ela tenha melhores oportunidades.
Falando em outros finais, Olívia (Débora Ozório) e Tenório (Jayme Matarazzo) não receberam a atenção necessária. O único momento mais importante para os dois foi o casamento. Sem direito a uma cena na noite de núpcias, que poderia ter sido fofa, já que o ex-padre rejeitou os avanços da mocinha e não lhes mostraram os filhos adotivos, algo que seria importante na trajetória dos dois. Débora Ozório brilhou na trama, ela teve uma personagem forte e com uma boa trajetória como filha perdida de Heloísa, líder sindical e ponte para ajudar na redenção de Matias. Merecia mais, aliás.
Agora, a trama de Tenório sempre foi muito fraca, mesmo não sendo protagonista, histórias de padre apaixonado sempre podem render muito. Sua dúvida em largar a batina foi resolvida em menos de uma semana de internação no seminário, quando deveria ser uma grande luta interna, fora o fato de ter recebido o apoio de um padre veterano. A igreja investe muito na firmação dos seus quadros e era um escândalo trocar os votos por causa de uma mulher. Além disso, mesmo sendo um dos sujeitos mais bem formados da história e em um país de analfabetos, foi ser operário. Na verdade, para a época, ele deveria nem retornar para a sua paróquia, teria que partir. Era a regra, fora que seria muito constrangedor ter que permanecer no mesmo lugar, na mesma comunidade, sendo conhecedor de seus segredos de confissão. Enfim, ele deveria ter se tornado, pelo menos, professor da escola, já que terminou acolhido por todos. Afinal, depois que Letícia (Larissa Nunes) partiu, quem assumiu a função?
O triângulo Bento-Letícia-Lorenzo, que era muito complicado, porque envolvia dois boys lixo e muitas mentiras, acabou tomando um rumo bem conservador. Letícia casa com um, mas, ao descobrir que Lorenzo (Guilherme Prates) mentira sobre o recrutamento para a guerra, acabou voltando para Bento, que enganara a todos com sua morte. Letícia deveria terminar sozinha, ou com o Dr. Elias (Alex Brasil). Claro, como havia quem torcesse por Lorenzo, decidiram que ele se tornaria um bruto consumido pelo ciúme e pela culpa. De qualquer forma, foi bem patético ter Bento (Matheus Dias) descartando Silvana (Thayla Luz), depois dela ter vindo da Itália atrás dele e o sujeito a assumir como no Brasil? Continuou trabalhando no jornal de Tenório? Fora que Letícia, professora casada, se beijando com o ex na porta da escola onde trabalhava, resultaria em demissão.
A autora, aliás, decidiu tratar de forma leviana o desquite, que era um tabu na época e poderia resultar em exclusão social. O divórcio só foi aprovado em 1977, permitindo o recasamento, e, ainda assim, isso não quer dizer que a Igreja Católica acolheria aqueles que romperam seus laços de matrimônio. Aliás, é um problema até hoje. Em um momento dos capítulos finais da trama, Dorinha chega a chamar desquite de divórcio. Na cabeça de muita gente que assiste a novela, não existe essa compreensão de como era difícil optar pelo desquite, do estigma social, especialmente, se você era pobre, ainda mais, no interior. E, repito, Letícia seria demitida. Preta e pobre, seria abertamente discriminada. Mas a autora decidiu ignorar tudo isso, assim como fez com o uso de calças compridas por mulheres na missa. Violeta casou usando calças, aliás, o que faz com que seja absurdo ela ter se assustado quando viu Dorinha, em sua fase rebelde, usando esta peça de roupa.
Uma coisa curiosa da trama foi a quantidade de gente que enriqueceu na reta final. Tivemos Inácio (Ricky Tavares), que terminou, finalmente, casando com Arminda (Caroline Dallarosa), a amiga da mocinha que sempre foi bem mais interessante que a personagem de Larissa Manoela. Houve Mariana (Carol Romano), que tirou a sorte grande na loteria graças a uma simpatia de Manuela. E Lorenzo, também, ainda que a gente só possa inferir que ele enricou. De qualquer forma, ele foi o único caso de enriquecimento fora do núcleo de humor, que em Além da Ilusão foi uma das melhores coisas. Não gostei do sheik falso, achei que a autora perdeu um pouco da inspiração no caso de Constantino (Paulo Betti}) e Julinha (Alexandra Richter), mas o elenco do núcleo de Arminda, e nao esqueçamos de Arlete Salles, era tão bom que mesmo quando a qualidade caiu, a diversão continuou garantida. Caroline Dallarosa e Carol Romano estavam excelentes em todos os momentos. Aliás, descobrir o segredo da avó surda de Mariana foi realmente uma surpresa.
Acho que falta falar de Davi, não é mesmo? Ao longo de toda a trama, a autora se esforçou para justificar todas as atitudes do mocinho, sempre na base dos excessos de amor. A correria com Elisa, já foi indefensável, mas a forma como ele se apaixonou por Dorinha, sem nenhum dilema moral, angustia, ou o que seja, pareceu falsa demais. Daí, ele engrena cometendo vários crimes para ficar perto da moça, esquecendo do principal, provar a inocência por um crime que não cometeu, neste caso, matar a irmã da moça. Quando teve nas mãos as provas para neutralizar Joaquim, ele preferiu comprar mais tempo com Dorinha, do que fazer o que era certo e entregar o pilantra. E, salvo por Manuela (Mariah da Penha) e Violeta, que era outra com muitas contradições ao gosto do roteiro, todo mundo acreditava nele de imediato, em sua inocência, em seu caráter, no amor que ele sentia primeiro por Elisa, depois, pela irmã.
A autora nos fez esquecer a enorme diferença de idade entre Dorinha e Davi, o fato dele ter desvirginado as duas irmãs, no caso da mocinha da novela, simplesmente, para marcar território e passar na frente de Joaquim. As mágicas de Davi, que iam do banal ao Harry Potter nível Hermione, poderiam ser fundamentais aos eventos, ou nem acontecer, tudo dependia da boa vontade da autora. E, no fim das contas, ainda tivemos o advogado de Davi me sacando o Estado de necessidade (*atualmente, art. 24 do Código Penal*) para dizer que todos os crimes que ele cometeu (*estelionato, falsa identidade, sedução de menor mediante fraude, registrar filho com nome alheio, casar usando falsa identidade etc. etc. etc.*).
Em um passe de mágica, Davi ficou ficha limpíssima e eu com um gosto amargo. Continuo achando a trama central, o romance de Davi com as duas irmãs, lamentável. Já Dorinha comprando as ideias do amado, como fingir-se de fantasma da irmã, foi um tanto demais para mim. É novela, mas ninguém cogitar o quanto seria cruel expor Violeta ao trauma de ver a filha materializada, foi bem absurdo. Fora isso, já era muito absurdo, só para repetir a palavra, ver violeta duvidando dos malfeitos do marido. Quando da morte de Elisa, ele a ameaçara quando ela desconfiara dele, mais tarde, houve o terrível quase feminicídio, além de outras coisinhas aqui e ali, como tentar matar uma bebezinha. Como Violeta poderia ficar na negativa da culpa de Matias em relação à Heloísa, foi muito difícil de engolir, também. De resto, Malu Galli estava muito bem e era a mulher mais elegante da novela.
Aliás, o Rafael verdadeiro assumiu Iolanda e o filho, imagino. Será que usou as falsificações de Davi para não dar trabalho? Não lembro de ver Toninho no final, depois de cinco anos. Outra criança sumida foi Clarinha, a irmã de Inácio. Simplesmente, só fizeram colocar a menina no fundo na cena do casamento de Inácio e Arminda. Ela estava no colo de um homem que deveria ser o pai de Inácio. Custava nos situar das coisas? A menina era importante para a trama de Inácio e, de repente, desapareceu e foi somente isso.
No final da novela, o pessoal do cabelo e figurino meio que chutou o mínimo de rigor para com a época. E nem falo de Leônidas, que nunca se ajustou, falo da roupa futurística de Iolanda em Vestido de Noiva e nos cabelos, maquiagem e mesmo roupa do resto do elenco. E houve as escolhas ruins, como a barbinha de Davi nas suas últimas cenas. Da mesma maneira que a autora chutou a moral da época quando lhe foi conveniente, parece que, no final, decidiram dar uma largada no figurino, que era um dos pontos interessantes de Além da Ilusão. De resto, atentem para este tuíte abaixo:
Pois é, tudo isso por causa de um beijo entre Leopoldo (Michel Blois) e Plínio (Nikolas Antunes) que era tão inadequado para a época quanto os desquitados festejando seu amor publicamente, ou o ex-padre com a esposa na mesma comunidade na qual foi sacerdote. Eu achei fora de compasso o beijo de Leozinho e Plínio, porque ele deveria ter acontecido lá atrás, quando a autora o censurou, no final, ele foi um desagravo covarde, mas se esse tipo de gente homofóbica, e que finge se importar com verossimilhança histórica, se incomoda, eu acredito que valeu o beijo. Espero que a autora se saia melhor da próxima vez, mas do jeito que ela defende suas ideias e escolhas nas redes sociais, acho difícil. Espero que, pelo menos, ela aprenda a não descartar personagens depois que elas cumprem seus quinze dias dentro da novela. Em alguns momentos, faz sentido, na maioria dos casos, não.
Sentirei falta de algumas coisas em Além da Ilusão. Espero que Antonio Calloni e Paloma Duarte, que foi figura dominante nos últimos capítulos da trama, sejam indicados a vários prêmios e que os jovens talentos da novela tenham muitas oportunidades. Aviso que não assistirei Mar do Sertão, porque a trama me pareceu chupada de outras novelas, como Cordel Encantado, acho o autor muito fraco, e só poderia comprar a história se ela fosse uma trama de época em um universo tipo o de Cordel Encantado. Não será. Aproveitarei para ser seriados e novelas antigas. É isso. Meu texto já veio meio que tarde demais.
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