quarta-feira, 29 de junho de 2022

Headcanon não é História: sobre uma pergunta sincera que um aluno me fez durante uma aula

Antes de começar, vou explicar o que é headcanon, conceito que eu aprendi com o Chris Gonzatti do Diversidade Nerd.  Não conhece? Já recomendei aqui.  Muito bem, segundo o dicionário Merrian-Webster, Headcanon "(...) geralmente se refere a ideias defendidas por fãs de séries que não são explicitamente apoiadas por texto sancionado (*o canon do seriado*) ou outra mídia. Os fãs mantêm as ideias em suas cabeças, fora do cânone aceito.".  Explicado isso, headcanon é OK, desde que a coisa não extrapole suas fanfics, fanarts, diversão pessoal.  Headcanon não é História.  Pelo menos, até ontem... 

Eu estava dando aula para uma das minhas turmas sobre Pensamento Social e Político no Século XIX (*Positivismo, Socialismo Utópico e Científico, Anarquismo, Doutrina Social da Igreja Católica).  Um aluno, um dos bons alunos da turma, garoto muito sério, baixou a voz e me fez uma pergunta "Professora, é verdade que o Marx e o Engels eram amantes?"  E eu pisquei os olhos e respondi "Não existe nenhuma evidência de que os dois foram amantes, não.  De onde veio a informação."  "Foi uma professora que falou em sala."  Eu respirei fundo.  "De repente, a sua professora assistiu ao filme Jovem Marx e acabou tendo uma ideia equivocada.""Ah, professora, foi em 2019." "O filme é de 2017."  Parou aí.  

Minha vontade era dizer, "sua professora deve ser uma fujoshi que não separa seu hobby do que é História e surtou no meio da aula.".  Bem, ia dar trabalho explicar o que é "fujoshi" e eu imaginei, também, que ao rotular Marx e Engels de homossexuais, a ideia fosse estigmatizá-los e instilar a homofobia nos alunos e alunas, afastando-os do mal, isto é, do comunismo.  Fiquei me perguntando, também, como uma professora de História diria isso.  Mas será que foi de História mesmo?  

Lembrei que a primeira vez que eu ouvi falar de nazismo foi através da minha professora de Matemática da 5ª série (*6º ano*), Dona Ruth, que parou a aula para elogiar Hitler e dizer que ele estava certo em eliminar os judeus, porque eles eram uma raça maldita que tinha assassinado Jesus Cristo. Isso foi na época que tornaram público o fato de Joseph Mengele ter morrido no Brasil.  Sim, esse tipo de coisa poderia ser dita em sala em 1986 e dar em nada.  Dona Ruth era racista, era cruel e não tinha vergonha de falar esse tipo de coisa.  Não pensem que esse tipo de gente ruim apareceu no mundo agora.

Ao mesmo tempo, eu sabia que iria encontrar fanarts de Engels e Marx, seja por conta do tal filme que citei, ou da animação chinesa O Líder, que saiu para celebrar os 200 anos de nascimento do pai do autor do Manifesto Comunista. Comentei com meu colega de equipe e ele ficou passado, mas eu disse que iria desencavar e sabia onde achar, fui direto no Deviantart.  Enfim, eu até fiquei pensando no horror que isso causaria a certos esquerdomachos por ai... Aliás, eu mesma tinha shippado Robespierre (Louis Garrel) e Saint-Just (Niels Schneider) no filme Revolução em Paris, que me enervou tanto, que acabou me fazendo liberar a fujoshi adormecida dentro de mim.  E eu fui atrás dos fanarts e encontrei. 😁


Enfim, achei uma fã de Marx e Engels no Deviantart (*as imagens vieram de lá*) que shippa os dois e fez muitos fanarts.  Lembrando que é só isso mesmo, um headcanon de História, mas que não pode ser levado para a sala de aula como verdade, nem por professor da disciplina, muito menos por quem não é da área.  E, como pontuei, não sei em qual contexto a coisa apareceu, mas não duvidaria que foi em um de homofobia mesmo. É importante dar visibilidade para personagens que realmente sejam LGBTQIA+, pois muitas vezes eles e elas são ignorados, ou, o que é ainda pior, usados como chacota.   Por isso mesmo, sugiro que esqueçam Marx e Engels, porque é possível encontrar outras personagens que tenham sido de fato LGBTQIA+ sem grande esforço.  

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