Quarta-feira, estreou no Disney + a série Ms. Marvel protagonizada por Iman Vellani no papel da personagem título, Kamala Khan, uma adolescente comum que tenta navegar entre a cultura norte-americana e as tradições familiares paquistanesas. O primeiro capítulo teve como função apresentar Kamala, sua família, seu amigo Bruno (Matt Lintz), dar um panorama geral de sua escola e vizinhança, e como ela recebeu seus poderes. O episódio também buscou a estética dos quadrinhos, misturando animação e cinema de forma muito competente.
A personagem foi criada pelos editores Sana Amanat e Stephen Wacker, pela escritora G. Willow Wilson e pelos artistas Adrian Alphona e Jamie McKelvie, Kamala Khan é a primeira personagem muçulmana da Marvel a ter sua própria revista em quadrinhos. Khan fez sua primeira aparição em Capitã Marvel #14 (agosto de 2013) e sua série solo estreou em fevereiro de 2014. Kamala é fã de quadrinhos, escreve fanfics, desenha e fantasia sobre seus hobbies.
Achei o primeiro capítulo bem divertido e próximo ao que vemos nos quadrinhos, próximo, porque a série mudou a origem dos poderes da personagem. Se nos quadrinhos ela acredita estar tendo alucinações com a primeira Ms. Marvel, Carol Danvers, a atual Capitã Marvel, e recebe seus poderes depois que uma estranha névoa que invadiu Jersey City, desta vez ela recebe seus poderes de um artefato mágico que sua avó enviara em uma caixa de tranqueiras direto do Paquistão. De comum, temos o fato da menina ter enganado os pais e ido a um evento que não deveria frequentar. No quadrinho, uma festa promovida pelos seus colegas de colégio; no seriado, a primeira convenção dos Vingadores em Jersey City. Kamala e Bruno estavam montando um cosplay da Capitã Marvel e a menina esperava ganhar a competição.
Na série da Disney Plus, a mãe (Zenobia Shroff), em especial, se preocupa muito com o fato da garota parecer viver em um mundo de fantasia. Gostei disso? Não. Ainda que seja coerente colocar a mãe como guardiã das tradições, é também um clichê atribuir às mulheres um papel de reprimir outras mulheres, de enquadrá-las. Faz tempo que li o primeiro álbum, mas se não estou equivocada, essa função era do pai (Mohan Kapur) e do irmão ultrarreligioso (Saagar Shaikh). Ambos eram amorosos, ao pai também não agradava o estilo de vida do filho, mas era ele a estabelecer boa parte dos limites da menina. Na série, pai e irmão são complacentes e tentam negociar algumas liberdades para a menina.
A Disney, e é um produto da empresa, sim, parece ter abraçado em muitos de seus produtos o clichê da matriarca dominadora e repressora. Temos dinâmica semelhante em Valente, em A Vida é uma Festa, em Encanto e em Red, que eu ainda não resenhei (*e lamento, porque seria útil aqui*). O mesmíssimo tipo de relação. O tempero diferente é a desculpa do "é cultural". A mãe da família é a guardiã das tradições, ela não quer que sua filha fique mal falada na comunidade, ela deseja que Kamala seja uma moça paquistanesa típica (ou estereotipada), mesmo tendo nascido e crescido nos EUA. A mãe repete a todo momento que Kamala herdou da avó esse apego excessivo à fantasia, ao mesmo tempo que diz que conseguiu controlar isso em si mesma. Alguém lembrou de Red? Pois é...
Se a mãe teve seu papel repressor destacado, a melhor amiga de Kamala, Nakia (Yasmeen Fletcher), uma personagem MUITO mais importante, foi meio que apagada. Nakia, no quadrinho, é uma garota de ascendência turca, super elegante e um tanto fashionista, e que optou por usar o hijab (*o véu islâmico*), apesar de sua família não ser a favor disso. Ela é tão importante na vida de Kamala quanto Bruno, que, na série de TV, parece ser o grande amigo da protagonista, além de guardião de seu segredo.
Na revista, pelo menos até onde eu li, Bruno é amigo, na série, está mais que evidente que ele tem sentimentos românticos por Kamala. Houve um quase beijo entre os dois. Aqui, temos outro clichê, um homem e uma mulher não podem ser amigos DE VERDADE. Mesmo que Kamala seja somente amiga de Bruno, ele vai reprimir seus sentimentos. De resto, tanto Iman Vellani, quanto Matt Lintz são fofíssimos. Gostei muito dos dois. Na série, o irmão de Kamala parece mais simpático que no quadrinho e o seu casamento deve acontecer mais cedo, também.
Se já alteramos a origem dos poderes, Kamala também os manifesta de uma forma em diferente e somente já no final do episódio, o restante é drama adolescente e choque de gerações. Ainda assim, ela salva a patricinha da escola, Zoe (Laurel Marsden), que é tudo o que Kamala com sua pele morena e costumes "esquisitos" não é. Zoe tem mais espaço que Nakia no primeiro capítulo da série da Disney Plus. No quadrinho, as duas se bicam muito, porque Nakia é muito senhora de si e não leva desaforos para casa.
É isso. Achei bem competente o primeiro episódio, apesar dos clichês e mudanças. A nossa heroína não terá somente que esconder sua identidade secreta, mas driblar os obstáculos culturais e de gênero para cumprir com seu deve. Espero que a série se torne ainda mais interessante nos próximos capítulos. Tentei fazer com que minha filha de oito anos assistisse, porque ela havia gostado do trailer, mas ela largou. Vamos ver se ela decide assistir tudo nos próximos dias. Para quem se interessar, a Panini publica os álbuns de Ms. Marvel e eles estão disponíveis para compra no Amazon.
1 pessoas comentaram:
A questão do romance com o Bruno realmente aparece mais pra frente na HQ. Só não sei dizer a que ponto chega.
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