Fiquei três dias sem postar nada no blog, porque realmente estava cansada e ocupada demais para organizar um texto sobre qualquer tema que valesse a pena ser lido. Agora, tenho várias coisas atrasadas, desde os novos anúncios da Newpop, talvez (*é talvez mesmo*) uma ou duas palavrinhas sobre os seinen que a JBC pretende lançar, e temos atualizações sobre o caso da menina de Santa Catarina e as decisões terríveis da Suprema Corte dos Estados Unidos ontem. Estava realmente esgotada para conseguir organizar minhas ideias de pronto, tão esgotada que consegui dormir para além das 7 da manhã hoje. Acho que desde que ela era bebê, minha filha não me acordava pela manhã. E peço desde já desculpas por voltar ao tema "aborto" em dois posts seguidos. Pode pular (*ou esperar*) para o próximo, se quiser, porque serão pelo menos três posts hoje.
Voltando ao caso da menina de Santa Catarina. Ela conseguiu que sua gravidez fosse interrompida. Uma gravidez tardia, sem dúvida, e eu não fico feliz com nada disso, aliás, disse para minha filha de 8 anos, que está a par desse caso pelo menos nos detalhes gerais, que nenhum aborto deveria ser algo a se comemorar. É uma opinião pessoal, você pode ter a sua sobre o tema, desde que não seja defender aqui que uma criança de 11 anos completos, há controvérsias, deva arriscar sua vida e levar uma gravidez até o fim. Os reacionários e zumbis em geral fizeram alarde dizendo que não havia sido estupro, pois apareceu por aí a informação de que a menina teria engravidado de um namoradinho de 13 anos. Vou me estender sobre isso.
Primeiro, se assim foi, fica mais caracterizado que a juíza retirou a criança de casa para impedi-la de interromper a gestação com as supostas 22 semanas e 2 dias. Quem já se informou sobre o tema, ou esteve grávida e foi bem atendida, sabe que esses contagens são bem relativas. Podem dar para mais ou menos, não são necessariamente precisas. Eu sei exatamente o dia em que engravidei da minha filha. Segundo o padrão utilizado, a contagem se fazia a partir da última menstruação, o que acrescentaria quase duas semanas à data precisa. Duas semanas pesaram bastante na decisão da juíza no caso da menina de Santa Catarina, não é mesmo? Segundo ponto, o risco de vida continuaria de pé. A menina não estaria em menor risco se a concepção fosse (supostamente) consentida.
Terceiro ponto, se efetivamente ela engravidou de um menino de 13 anos, e vou usar palavras que enfatizem a juventude do garoto, porque um adolescente desta idade é imaturo e inimputável, mas sua idade não é indicativo de não violência. A menina, na terrível audiência com juíza e promotora, disse não entender o que estava acontecendo com ela. Um tiquinho de educação sexual na escola, coisa que os (ditos) pró-vida abominam, ajudaria um pouquinho na prevenção. Enfim, se você der uma busca pela rede verá que adolescentes desta idade são capazes de estuprar e matar e outras atrocidades (*exemplo*), basta não serem adequadamente orientados, não terem o devido suporte familiar, ou mesmo tenham algo em si que o empurre para esse tipo de violência. É amplamente documentado que psicopatas mostram sinais de sua propensão à violência e frieza emocional desde tenra idade. De resto, gente dessa idade não deveria estar transando, ainda que eu possa apontar que já foi muito comum que meninas dessa idade fossem casadas com outras crianças, ou homens muito mais velhos, e estivessem mortas aos 15 anos em virtude de gravidezes precoces e outras coisas mais.
Seguindo, a legislação do nosso país é clara quanto aos casos permitidos de aborto legal, ou, como gostam os odiadores de mulheres, os casos nos quais a interrupção de uma gravidez não pode ser criminalizada. São eles, risco de vida da mulher, estupro, inviabilidade fetal (*que normalmente pode acarretar riscos à mãe, vide esta caso aqui, que não está ocorrendo no Brasil*), tendo o STF incluído fetos anencefálicos na lista. Vejam bem, em todos esses casos, é necessário que a mulher, ou menina-vítima, deseje interromper a gravidez. Nada mais justo, os processos ocorrem dentro de seu próprio corpo. Em nosso país não existe, porém, a permissão para a interrupção voluntária de gravidez dentro da lei por vontade pessoal. A rigor, o estado tutela nossos corpos e vontade. É aqui que entra toda a discussão feminista sobre direitos (humanos) das mulheres, porque tenham certeza, se homens engravidassem, esse papo seria outro.
Obviamente, mulheres que têm recursos, ou meninas com famílias com recursos, não passariam por situações de constrangimento caso desejassem interromper uma gestação. Para as outras, sobra o risco de morte e de irem parar em um pronto-socorro e serem maltratadas, aliás, uma mulher que tenha perda gestacional, em um ambiente pró-vida fanatizado passa pelo mesmo risco até conseguir provar que focinho de porco não é tomada. Já contei em outros textos que minha mãe me falava que quando estava na enfermaria esperando pelo meu nascimento, em 1976, havia uma moça em uma cama próxima berrando de dor. O que disseram para a minha mãe foi algo como "Deixa ela sofrer. Matou o filho que estava esperando.". Mamãe me dizia "Os médicos sempre sabem dessas coisas.". Só parou com essa ladainha quando eu a confrontei com um "Será?" e a fiz lembrar da minha tia, irmã dela, ávida por ter uma segunda criança, e que perdia todas, mas foi submetida lá nos anos 1980, passou mal, teve que ir para o hospital mais próximo, perdeu seu bebê de uns 5 meses e maltratada e acusada de ter feito um aborto. Tortura é crime inafiançável neste país, mas há quem o pratique livremente por aí até hoje.
A regra da OMS, das 22 semanas e/ou 500 gramas, não valia na época. Bebês tão prematuros eram sempre inviáveis. Hoje, ela ainda não está incorporada à legislação brasileira sobre o aborto legal. O Governo atual se esforça para que seja, talvez consiga ainda nos estertores agir no intuito de dificultar ainda mais o acesso ao aborto às mulheres que tenham o direito, obviamente, enfrentará resistência, porque precisamos resisir. E não estou falando somente do ativismo judicial, porque o caso de Santa Catarina é um exemplo dele, ou o da mulher que teve que ouvir do juiz em Alagoas que risco de vida não é certeza, ao negar-lhe o direito de interromper uma gestação, mas falo de mudanças na lei mesmo.
Então, passemos ao outro ponto. Ontem, a Suprema Corte dos Estados Unidos finalmente derrubou a Roe vs. Wade, decisão de 1973, que definia que "(...) deu às mulheres do país o direito de interromperem uma gravidez em todo o território nacional. Na época, a decisão a favor de uma mulher do Texas baseou-se na Seção 1 da 14ª Emenda da constituição do país que considerou que a proibição de interromper uma gravidez atentava contra os direitos individuais e respeito à privacidade. Os estados poderiam legislar sobre as regras, mas não poderiam proibir a prática antes do fim do primeiro trimestre, ou em caso de risco de morte da mulher." Este é um trecho do meu post de 21 de maio, os links estão todos lá, quando vazou a minuta da decisão de ontem, algo que gerou um rebuliço nas redes, mas eram favas contadas. Obama não conseguiu indicar um juiz da Suprema Corte, pois os Republicanos seguraram por mais de um ano a indicação, dando para o próximo presidente, no caso Trump, esse direito. Já Trump, conseguiu com pouquíssimos meses de perder para Biden, indicar e aprovar um novo nome em mais ou menos um mês.
Ruth Bader Ginsburg morreu em 18 de setembro e Amy Coney Barrett foi aprovada em 27 de outubro. Fora isso, Trump escolheu juízes jovens, o que possibilita, talvez, que eles permaneçam uns bons vinte, trinta anos, no cargo. De qualquer forma, já estava montada a sólida maioria conservadora-reacionária, porque há uma aliança entre esses dois segmentos neste momento, de 6 x 3. Bastava ter a coragem, ou desfaçatez, de derrubar a Tore vs. Wade e entregar aos estados a decisão neste caso. Com isso, que fique claro, o direito de aborto não foi extinto nos EUA, mas caberá aos estados decidir SE, COMO e ATÉ QUANDO. Mais de um estado já tinha leis prontas para entrarem em efetividade assim que a decisão saísse. E, bem, observem o mapa abaixo e vejam que a situação tenderá a se tornar desesperadora para as mulheres, em especial as pobres.
Na mesma fala, ele afirmou que nenhum estado dos norte-americano iria proibir o aborto em todos os casos, porque isso seria irracional, que as leis mais limitantes iriam colocá-los na condição idêntica a nossa. Ele é bem informado demais para não saber, que há estados norte-americanos que já estabeleceram leis limitando o direito de aborto em vários estados, ou dando direitos parentais, e de opinião em caso de aborto, para os estupradores. Enfim, antes mesmo da queda da Roe vs. Wade, havia estados que baniram o aborto a partir do momento em que o coração do feto começasse a bater, mesmo sem atividade cerebral, ou o Alabama que, em 2019, baniu o aborto em caso de incesto e estupro sob pena de prisão de 10 a 99 anos para a mulher ou o médico que praticar o aborto.
Esse tipo de lei levava ao questionamento na Suprema Corte, este era o objetivo, aliás, e já se sabia que era questão de tempo que as coisas iriam resultar na suspensão da Roe vs. Wade. Fora isso, durante anos e anos, as clínicas de aborto em muitos estados tiveram sua atividade obstruída por legislações abusivas, o que resulta em maiores dificuldades para as mulheres. Não é muito diferente do Brasil, aliás, onde a lei existe, mas pode ser difícil de fazer cumprir, vide, aliás, o caso da menina de Santa Catarina. E há, claro, a dificuldade de acesso à métodos contraceptivos, porque isso dá, especialmente às mulheres, uma liberdade sexual que é vista como abominável por grupos religiosos fundamentalistas, que é o povo que mais pressionou pela queda da Roe vs. Wade. Melhor patrocinar grupos que defendem a abstinência sexual.
Obviamente, pode ficar bem pior, porque há o modelo de El Salvador, que proibiu o aborto em todos os casos e que vem criminalizando mulheres que sofrem perdas gestacionais, ou que tem um bebê natimorto. Aliás, criminalizar mulheres por colocar seu feto em risco, o que é algo muito relativo, já é algo que existe nos EUA (*Olha, o Alabama de novo!*). Trata-se de uma aberração, porque nem se está falando de aborto eletivo, que acaba sendo criminalizado por questões de ordem moral (*que ajudam a encobrir o desejo de controlar as mulheres*), mas de qualquer aborto. Qualquer. Aliás, um dos modelos para esse tipo de legislação é a Romênia de 1966 até 1989, durante o governo de Ceaușescu, que proibiu a contracepção (*e vários estados norte-americanos vem agindo nesse campo, também*) e qualquer forma de aborto. O resultado? Um boom inicial dos nascimentos, seguido de uma queda, porque as mulheres buscaram meios de burlar as leis, com aumento da mortalidade infantil e dos abandonos. Depois da queda e morte de Ceaușescu, os orfanatos romenos se tornaram alvo do estudo de vários tipos de profissionais, especialmente, sobre as defasagens de desenvolvimento dessas crianças abandonadas por suas famílias e negligenciadas pelo estado. Esta é uma das tragédias que aguardam os Estados Unidos. E quem quiser que tampe o sol com a peneira, afinal, depois de nascido, o problema não é mais seu.
Esta história da lei de armas de Nova York foi outro escândalo, afinal, era algo de mais de um século, quando eu não imaginava que houvesse tanto bom senso por lá. A lei estabelecia que, para portar uma arma, uma pessoa deve ter um "motivo adequado". Assim, um indivíduo precisava convencer uma autoridade de licenciamento de armas de fogo de que tinha uma necessidade real, e não especulativa, de autodefesa. As licenças também poderiam ser concedidas para atividades como a caça ou a prática de tiro ao alvo, ou seja, se você quisesse ter uma arma, você poderia. A New York State Rifle & Pistol Association entrou com ação na Suprema Corte afirmando que ela feria a 2ª Emenda. Ontem, a Suprema Corte acatou o argumento e estabeleceu que a lei estadual era inconstitucional, o que impactará a legislação de outros estados, como a Califórnia, que têm legislações restritivas. E, vejam, a coragem desses magistrados, porque os EUA vivem uma onda de tiroteios (*mass shootings*) pelo país, que levou os republicanos e democratas a montarem um grupo de estudos para discutir a questão das armas. É muito comprometimento ideológico ampliar o direito de porte de armas neste momento. Muito mesmo.
E o que temos a ver com o que acontece nos EUA? Bem, os Estados Unidos servem de modelo para muitos países. Obviamente, os países desenvolvidos continuarão a ter leis que permitam o aborto eletivo sob certas condições, continuarão oferecendo licença maternidade remunerada, coisa que os EUA não oferecem por lei federal, mantendo suas taxas de mortalidade materna baixas e limitando a posse a porte de armas. Mas e aqui? Há quem diga que basta o legislativo se posicionar. Nos Estados Unidos, o Congresso de lá não vai legislar sobre nenhum dos dois temas neste momento mesmo. Biden é fraco e está com sua popularidade em queda, não vai rolar. Aqui, estamos às vésperas de uma eleição. Se ela acontecer, se não houver golpe, por favor, votem direito. Ainda que o STF daqui tenda a se posicionar corretamente sobre direitos humanos, não é função dele, é do Congresso. Vote direito, porque as nuvens escuras estão se adensando no céu e o nosso horizonte parece ser sombrio.
3 pessoas comentaram:
Que decadência os EUA... retrocederam a lei do aborto. Curiosamente os vizinhos Canadá e Cuba (aprovaram o aborto nos anos 1960) e não mexeram na lei como os EUA...
A Romênia restringiu assim o aborto? Certamente Ceausescu teve algum histórico religioso e conservador na Romênia pré-socialista... e ele carregou isso pro resto da vida.
Via de regra.. a maioria dos estados socialistas permitem o aborto.
A Polônia curiosamente permitia o aborto na era socialista... depois restringiu....
Soube que Bozo resolveu condenar o aborto da menina , se posando de pró-vida... (disse o miliciano que zombou das vítimas da ditadura e da covid etc.)
o mesmo que desejou o aborto de Jair Renan....
É desvio de assunto... o escândalo de corrupção.
Stalin proibiu o aborto na URSS. Isso não precisa ter a ver com religião e tem tudo a ver com controle.
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