No dia 25 de maio, data de dois anos de aniversário do assassinato do norte-americano George Floyd, evento que desencadeou o movimento Black Lives Matter, e da negativa do presidente de permitir que o nome de Nise da Silveira, pioneira do tratamento humanitário das pessoas com transtornos psiquiátricos, no livro dos heróis da pátria, o sergipano Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, casado, pai de um menino de 8 anos, como a minha Júlia, aposentado por invalidez por ser esquizofrênico, foi executado publicamente por agentes da polícia rodoviária federal em Umbaúba (SE). Eles criaram uma câmara de gás improvisada usando a viatura e deixaram Genivaldo, que não mostrara resistência, lá dentro, o homem urrou, gritou, até que se calou, morto estava.
Qualquer analogia com o nazismo não é gratuita, afinal, os primeiros a serem exterminados em caminhões câmaras de gás dentro de caminhões fechados (*Gaswagen*) foram os deficientes mentais. Os campos de extermínio de judeus, ciganos e outros não foi o início do processo, foi o seu desfecho. Em 2020, um dos filhos do atual presidente disse que não temos casos como o de George Floyd no Brasil, as evidências apontam para o contrário. Na verdade, vivemos um momento de apologia à violência, de deboche com a morte de pessoas consideradas marginais pelo autor da piada, de avanço de uma cultura fascista que é sancionada pelo discurso dos que estão no poder, não raro, apelando para o uso instrumentalizado da Bíblia (*"Deus vult": Deus o quer*). E, sim, isso no país do racismo estrutural e de uma desigualdade social atroz.
E qual foi o crime de Genivaldo? Estar conduzindo uma moto sem capacete (CBT, Capítulo XV - DAS INFRAÇÕES, Art. 244). A pena é multa e suspensão do direito de dirigir, mas ele foi morto. O crime d Genivaldo foi cometido pelo presidente do país várias vezes sem que ele fosse sequer advertido. Não estou justificando o crime, estou perguntando por qual motivo uns são tolerados, enquanto outros são eliminados. Não há pena de morte em nosso país. Para que alguém possa ser condenado, é preciso que tenhamos um processo e julgamento que pode se desdobrar em pelo menos três instâncias. Os policiais não se importaram com as filmagens, com as súplicas de familiares, com os gritos de Genivaldo. A nota da polícia rodoviária também foi vergonhosa, porque ignorou as filmagens e declarou que Genivaldo morrera por causas naturais.
Mais tarde, foi divulgado um vídeo de um professor de um cursinho preparatório para policiais se deliciando em contar como torturara um preso de forma semelhante. Este curso já foi divulgado pelo nosso presidente e já esteve envolvido em outros pequenos escândalos de propaganda de ideias contra a democracia e de apologia à violência policial, inclusive contra mulheres, crianças e bebês. Detalhe é que a polícia rodoviária federal, sem explicação razoável, havia participado no dia 24 de maio de um massacre ocorrido na Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro.
Há vários protestos acontecendo por causa da morte de Genivaldo, mas nada próximo de um Black Lives Matter, que repercutiu muito mais no Brasil do que a de um dos seus concidadãos. Nossas vidas valem pouco, nossa carne é muito barata e fomos ensinados a perguntar para cada pobre que é morto, e a cor de sua pele é somente um agravante, a pergunta "o que ele/a fez para merecer?". Naseceu pobre e/ou negro em um Brasil que legitima a violência do Estado, eu responderia. Eu ouvi e li a fala de viúva e de outros familiares e testemunhas em vários veículos de comunicação, é de cortar o coração. Se você não sente o mínimo de solidariedade, você não é somente insensível, você carece de caráter, você seria um dos agressores se tivesse chance.
"O ódio é um afeto que se apresenta na política das mais diversas formas. Da mesma maneira que o ódio pode conduzir à morte e à destruição, é também um sentimento capaz de, paradoxalmente, nos levar a lutar por libertação ou a estabelecer formas ativas de solidariedade para com aqueles que sofrem. Dito de outra forma, foi preciso odiar a escravidão e seus institutos para que ela pudesse ter fim; foi preciso odiar os nazistas e seus símbolos para derrotá-los. É imperioso odiar o fascismo e todos que o celebram. É imprescindível repudiar visceralmente e com todas as forças aqueles que humilham e destroem a vida de trabalhadores e de minorias."
O trecho acima veio de um artigo de Sílvio Almeida, o maior intelectual negro brasileiro da atualidade, escrito sobre o caso Genivaldo para a Folha com o título de "Ódio e nojo", ele é uma referência direta ao discurso memorável de Ulysses Guimarães no qual ele disse ter 'Temos ódio e nojo à ditadura'. A maioria dos brasileiros médios, infelizmente, não têm "ódio e nojo" nem à ditadura, nem à violência policia, nem ao racismo, porque se vê como cidadão de bem, somente quando a violência lhe bate a porta, quando ela lhe atinge diretamente, é que a reflexão pode vir. Pode, não necessariamente, virá. Temos a chance em outubro de começar a tentar rechaçar essa naturalização da violência e o fascismo. Se a perdermos, talvez tenhamos que esperar, caso ainda exista Brasil e Mundo, por mais uns trinta, ou cinquenta anos para tentarmos recuperar a humanidade. Para quem quiser ler um dossiê do caso Genivaldo, recomendo esse post do Buzzfeed.
1 pessoas comentaram:
Gostaria de saber qual seria a reação de Bozo e dos asseclas dele se fizessem alguma piada de mau gosto com a morte de mãe dele... e de Olavo... ou até com a facada.... Eles achariam engraçado?
E se algum policial morresse numa operação e fizessem piada também?!
Há uma frase famosa... Quem vive pela espada...
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