Segunda-feira, assisti ao filme Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Doctor Strange in the Multiverse of Madness) meio que por acaso. Fui para uma consulta no Liberty Mall e o cinema desse shopping, que normalmente passa filmes fora da casinha, de arte, brasileiros, alemães, israelenses, franceses, decidiu na volta da pandemia colocar cinema pipoca em uma de suas salas. Necessidades, eu imagino, ainda que me pareça uma heresia, mas Doutor Estranho estava legendado (*Amém!*), dava horário e eu fui. Considero a película uma das mais competentes da Marvel, sério, entra no top 10 dos melhores filmes do MCU fácil, exatamente por isso, me dói ter que dizer que, ao mesmo tempo, odiei a película. Se você quiser ler minha resenha, saiba que ela terá spoilers, não tenho energia, nem tempo, para escrever dois textos desta vez.
Muito bem, neste segundo filme do Doctor Strange (Benedict Cumberbatch) temos a introdução de uma nova personagem, America Chavez (Xochitl Gomez), uma adolescente vinda de outro universo e perseguida por seres ameaçadores. Ao encontrá-la, o herói se recorda que já sonhou com ela e a menina lhe informa que os sonhos que teve foram experiências reais de um de seus "eus" de outro universo. Sem saber como lidar com a questão e percebendo que há feitiçaria (witchcraft) envolvida e não somente magia, Strange vai em busca de Wanda (Elizabeth Olsen) em busca de auxílio. Além de conhecer o Multiverso, Wanda tem experiência com feitiçaria. Trata-se, porém, de um erro, porque Wanda assumiu a identidade da Feiticeira Escarlate, e de posse do Darkhold, ela é que está por trás da perseguição à menina.
O filme do Doutor Estranho foi dirigido por Sam Raimi, responsável pela primeira tilogia do Homem-Aranha, que incorporou ao filme uma série de referências de filmes de terror ao mesmo tempo inesperadas e competentes. Tivemos uma versão zumbi do herói; Wanda controlando à distância um eu alternativo seu que lembrava a protagonista de Carry, a Estranha; vários sustinhos aqui e ali, além de uma série de outras referências óbvias para os fãs do gênero e que me escaparam. Vocês acham textos, ou vídeos, listando esse tipo de coisa na internet fácil.
Eu não gosto de filmes de terror, é o gênero do cinema que menos me interessa e só me movo para assistir algum filme desse tipo por algum outro interesse cruzado. Vi A Bruxa e o Lobisomem, porque eram filmes de época interessante; assisti A Colina Escarlate por causa do Tom Hiddleston. Gosto de vampiros, verdade, mas não havia nenhum em Doutor Estranho. O importante do segundo filme do Doutor Estranho é que tudo funcionou bem e o filme supera muito o primeiro que se segurava em uma boa introdução de personagem e em efeitos visuais competentes, mas padecia da falta de um roteiro coeso e de um vilão de verdade. Desta vez, tudo está no seu devido lugar.
Para quem está preocupado com a necessidade de assistir um monte de outros filmes e séries antes, bem, se eu não tivesse visto o último Homem Aranha, não me faria falta, ele não é necessário para a compreensão da história. A série What If... ajuda um pouco, na medida que nos permite entender o motivo pelo qual Christine Palmer (Rachel McAdams) e o Doutor não podem ficar juntos, ainda assim, trata-se do clichê do herói que não pode ter uma parceira, ou parceiro, porque sua vida correrá risco. É fácil entender a dinâmica sem qualquer material anterior. De resto, Christine, seja lá em qual universo esteja, também nos dá uma informação que já temos desde o primeiro filme, Strange é egocêntrico e isso dificulta qualquer relação mesmo que o mala venha com a embalagem do Benedict Cumberbatch.
Até pelo estrago que o Darkhold causa, alguém tinha me dito que seria necessário assistir a série Agentes da Shield para compreender o artefato. Bem, o filme é bem competente em nos explicar. O livro maligno concede uma série de poderes, ou os potencializa, mas corrompe quem se vale dele. Há um preço a pagar pelo poder. De novo, é algo já visto. Seria fácil compreender, também, sem o material de origem. Acredito ser mais urgente ter visto os dois últimos filmes dos Vingadores (*1-2*), porque as menções a eles não são tão óbvias assim. Strange e outros ficaram cinco anos apagados, nesse ínterim, muita coisa aconteceu, mudou a vida de muita gente. Vide Christine casando com outro homem.
E Wanda Vision? Bem, é preciso da informação dos filhos da heroína, PORÉM o filme transforma em terra-arrasada toda a evolução que a personagem teve na série. Ela aparentemente não aprendeu nada, ou não foi capaz de resistir ao que o Darkhold lhe ofereceu. Wanda, a vilã, quer reaver seus filhos. Qual mãe não desejaria isso? Estamos no campo dos clichês de gênero (*papéis atribuídos a homens e mulheres em uma dada sociedade*) e o filme dá um passo além, em todos os universos, Wanda é mãe de verdade, enquanto que no que ela habita, eles são somente fruto de sua imaginação. Aqui, e imagino que alguém já saiba a razão do meu ódio, ela não consegue cumprir o seu DESTINO, ser mulher é tornar-se mãe. Como nossa Wanda é incompleta, ela enlouquece quando se aprofunda no estudo do Darkhold.
Quem lê minhas resenhas sabe que eu sempre reclamo dos vilões da Marvel, que os considero, na maioria das vezes, patéticos. Aliás, um dos piores vilões é exatamente o do primeiro Doutor Estranho. Não há Benedict Cumberbatch lindo e perfeito, que vá me fazer dizer que aquele filme vale o ingresso. Muito bem, temos uma vilã realmente impressionante neste filme, e com make pesdadona de vilã e cabelo de malvada super poderosa e cruel, também, o problema, claro, é que para que Wanda ocupe tal posto, é preciso pisar em toda a sua trajetória em Wanda Vision.
Não tinha ido atrás de spoilers do filme, mas desconfiara que algo ruim acontecera com a personagem pescando alguns comentários no Twitter. O fato é que Wanda é colocada naquele tropo da mulher muito poderosa que, exatamente por ser mulher, enlouquece. Com o agravante, claro, da loucura estar ligada a não satisfação de seu "instinto materno". É um combo machista tão pavoroso, que quando eu vi o que estava acontecendo, esfriei. "De novo essa p***a????" Consegui apreciar o filme, o estou elogiando sinceramente, porque ele é, sim, cheio de qualidades como película, mas como feminista me sinto ofendida, porque, mais uma vez, destruíram sem motivo uma personagem feminina forte. Wanda não voltará ao MCU, salvo se for alguma de suas versões do Multiverso.
A vilã, corrompida pelo Darkhold, deseja o poder de America Chavez, adolescente capaz de abrir portais de um universo para outro. A menina é única, não existe cópia sua em outro universo, e não compreende seus poderes. Strange e Wong (Benedict Wong), que agora é o Sorcerer Supreme, precisam mantê-la protegida, no entanto, nem toda a mágica do Kamar-Taj é capaz de conter uma mãe enlouquecida turbinada por um codex maligno. Wanda, agora Feiticeira Escarlate, perde qualquer amarra moral e é capaz de matar pessoas que conhece, olhando-as nos olhos. Suas vítimas, e o filme é bem violento para os padrões do MCU, tem rosto e ela não se importa. Ela quer seus filhos, ela precisa deles, ela é capaz de usar até o seu "eu" de outro universo para atingir seus objetivos.
E é nesta parte que Wanda utiliza o corpo de um duplo de outro universo (Terra-838) que encontramos os Iluminati e temos uma das melhores lutas do filme, que é feita em etapas, lembrando, também, os filmes de terror em que é quase impossível se livrar da criatura do mal. Strange e America Chavez são lançados por vários universos e chegam a uma versão na qual o herói está morto, as pessoas sabem do Multiverso e seus perigos, e existe um grupo de heróis correspondente aos Vingadores da Terra. Eles estão em busca de outro livro mágico que pode ajudar a derrotar Wanda e o Darkhold, o livro de Vishanti, mas terminam presos e Strange será julgado pelos Iluminati.
O primeiro Iluminati que Strange encontra é Mordo (Chiwetel Ejiofor), o ex-amigo do primeiro filme e que virou seu inimigo sem nenhum motivo justo, e, neste universo, ele tem invejinha do herói, também. Além dele, temos o Prof. Xavier (Patrick Stewart) da primeira trilogia dos X-Men, Maria Rambeau (Lashana Lynch) como a Capitã Marvel, a Capitã Carter (Hayley Atwell) de um episódio de What If..., Raio Negro (Anson Mount), se uma série da Marvel que eu desconhecia, e Reed Richards (John Krasinski), líder do Quarteto Fantástico (*Será que ele repetirá o papel no futuro?*). Ufa! E é um grupo memorável, que é feito de carne moída pela Wanda possuída pela Wanda.
A partir daí, Strange, America Chavez e a Christine Palmer deste universo, precisam continuar sua busca pelo livro de Vishanti, até que, por fim, este plano também é frustrado por Wanda. Enfim, não contarei a reta final do filme, acredito que já deixei claro o meu ponto. É um excelente filme, muito bem executado, com ótimos efeitos, fotografia e figurinos, mas caímos na questão da vilanização e destruição de Wanda. Fiquei até pensando em falsa equivalência depois de analisar o trailer e a fala de Wanda sobre o Doutor quebraria regras e seria herói, enquanto ela se tornaria uma vilã.
Se você viu Wanda Vision sabe que a personagem aprisionou toda uma cidade e colocou os seus habitantes em sofrimento para atender aos seus interesses pessoais, isto é, viver uma vida de fantasia com uma família fruto de sua imaginação, pois não conseguia superar o luto. Strange, por outro lado, quebra regras para ajudar pessoas, no caso dos Vingadores pelo menos foi, ainda que isso implicasse em sacrifício, mas parece não se importar em fazê-lo quando ajuda o Homem-Aranha em seu último filme. Advertido por Wong, ele vai lá e faz, porque ele é fodão e dane-se o mundo. Até aí, ele não sabia das implicações reais de se brincar com o Multiverso. A Christine da Terra-838 lhe explica, no entanto, que esse brincar com o Multiverso, controlar pessoas em outro universo, trafegar entre ele, enfim, pode levar universos a colapsarem.
Wanda torturou os habitantes de Westview, que terminaram libertadas no final, ela matou umas 500 pessoas neste filme do Doutor Estranho, mas ela, quando trazida a razão, se importa de verdade. Strange parece não se importar muito com um ou mais universos inteiros se for para derrotar a vilã no seu universo e salvar Chavez. Outra coisa, Wanda, que já era muito poderosa, é corrompida pelo Darkhold, já Strange controla o livro e só sai com uns efeitos colaterais que, a rigor, parecem significar alguns poderes a mais para ele. Enfim, a mulher enlouquece em contato com um artefato mágico e precisa ser destruída, o homem domina o mesmo objeto, o utiliza e sai fortalecido. O filme é do Doutor Estranho, mas Wanda não precisava ser a vilã. Não precisava mesmo. Poderiam ter pego a Agatha Harkness (Kathryn Hahn) e o efeito poderia ser ótimo.
Antes de concluir, não sei mesmo qual a diferença usada para separar o tipo de mágica que Strange e Wong fazem, daquela que Wanda faz. "magic", "sorcery", "witchcraft", "wizardry", "charm", "enchantment" todos têm o mesmo sentido em nossa língua, acredito, salvo se as regras internas do universo ficcional estabeleçam diferença. A rigor, "sorcery", "wizardry" e "witchcraft" seriam basicamente o mesmo, a não ser que estabeleçamos que bruxas são más e mexem com uns bagulhos pesados demais para o povo ligado ao Sorcerer Supreme, tipo as "dark arts" do universo de Harry Potter. Agora, se assim for, outra opção bem machista, mesmo que tenha sido baseada em material dos anos 1960. Outro ponto esquisito, mais bobo, é que eu não sei quem era o Minotauro no Kamar-Taj, se ele apareceu no primeiro filme, me esqueci. E, sim, America Chavez é a primeira heroína lésbica do MCU e, bem, fez diferença esta informação? Nenhuma. A sexualidade da menina é irrelevante, mas as de suas mães fica evidente.
Enfim, espero que vocês tenham entendido a minha percepção do filme. Trata-se de divertimento de alta qualidade, um excelente filme do MCU, mas uma peça machista de primeira. De resto, adorei ver os filhinhos de Wanda novamente, Benedict Cumberbatch nunca esteve mais bonito, Elizabeth Olsen entra no rol dos grandes vilões dos filmes da Marvel, Xochitl Gomez fez um excelente trabalho, mas não há como defender. Mataram Natasha e, agora, isso. Realmente, duvido que a Feiticeira Escarlate possa retornar ao MCU depois disso e é uma pena. Se puderem, assistam Wanda Vision, porque vale a pena.
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"Outra coisa, Wanda, que já era muito poderosa, é corrompida pelo Darkhold, já Strange controla o livro e só sai com uns efeitos colaterais que, a rigor, parecem significar alguns poderes a mais para ele. Enfim, a mulher enlouquece em contato com um artefato mágico e precisa ser destruída, o homem domina o mesmo objeto, o utiliza e sai fortalecido."
Discordo, pois o Doutor Estranho do Universo 838 foi morto pelos Iluminatis pois usou o Darkhold para achar uma solução para derrotar o Thanos e acabou matando um Universo inteiro. Da mesma forma o último Doutor Estranho (o que está em um Universo destruído) também enlouqueceu com o Darkhold tentando achar um Universo onde poderia ficar com a Christine.
Obviamente, meu texto se refere ao NOSSO Dr. Estranho. Nós não temos, a partir do filme, e é isso que conta na minha resenha, como inferir muita coisa sobre como os outros personagens de mesmo nome se saíram em suas jornadas e como se deu a questão de gênero, isto é, como os papéis femininos e masculinos em uma dada sociedade, ou mundo de fantasia, lhes foram atribuídos. O filme, portanto, reforça o clichê, usando personagens que nos são conhecidas e queridas, que uma mulher com muitos poderes enlouquece. Pode ser a Wanda, a Daenerys, essa é a lógica masculina de autoempoderamento e de reiteração de que as mulheres não pdoem ter poder.
Achei o filme bom, mas algumas coisas me incomodaram.
Eu gostei e odiei a Wanda vilã. Gostei pois é raro ver um vilão (no caso uma vilã) tão poderosa a ponto de você não saber o que vai acontecer. Ela só não me surpreendeu mais do que o Thanos. Mas ao mesmo tempo odiei por causa do WandaVision. Jogaram o arco dela no lixo.
Deixaram o Doutor Estranho meio burro. Na primeira vez, ele pede ajuda a Wanda e acaba se dando mal. Até aí tudo bem, pois a Wanda lutou junto com os Vingadores para derrotar o Thanos, então faz sentido ele confiar nela.
Porém na 2ª vez, quando ele foi no Universo 838, ele confiou de forma meio inocente no Mordo, contou toda a história para ele e acabou sendo preso. Custava ser um pouco mais cauteloso?
Na 3ª vez, mais uma vez, ele confia numa pessoa cegamente. Quando ele vai naquele universo que sofreu com incursão e ficou destruído. Ele conta tudo o que está acontecendo para sua outra versão daquele universo e quase se dá mal de novo. E ele já tinha conhecido 2 das suas outras versões que não eram nem um pouco confiáveis. Novamente, custava ser mais cauteloso?
Acabou que o tal do livro de Vishanti não serviu pra nada, só pra enrolar. O Dr. acabou tendo que usar o Darkhold msm.
Esse lance dele fazer de tudo pra salvar a America me incomoda também. Uma vida mais importante do que a de milhares. Me lembrou os Vingadores fazendo de tudo em Guerra Infinita para tentar salvar o Visão. Parece ser coisa de super-herói, ainda que para mim não faça muito sentido. Acho que eu não seria uma boa heroína. kkkkk
"Obviamente, meu texto se refere ao NOSSO Dr. Estranho. Nós não temos, a partir do filme, e é isso que conta na minha resenha, como inferir muita coisa sobre como os outros personagens de mesmo nome se saíram em suas jornadas e como se deu a questão de gênero, isto é, como os papéis femininos e masculinos em uma dada sociedade, ou mundo de fantasia, lhes foram atribuídos. O filme, portanto, reforça o clichê, usando personagens que nos são conhecidas e queridas, que uma mulher com muitos poderes enlouquece. Pode ser a Wanda, a Daenerys, essa é a lógica masculina de autoempoderamento e de reiteração de que as mulheres não pdoem ter poder."
Entendi, infelizmente eles acabaram seguindo o que tem nas HQs, nas quais ela tem esses "surtos", como um que ela teve e matou vários mutantes, mas nesse filme a 'desculpa' foi o livro. É uma pena o que fizeram com a personagem. Ela merecia um desenvolvimento melhor.
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