Acabei encontrando alguma coisa publicada sobre os 50 anos da Rosa de Versalhes, neste caso, um artigo na edição em inglês do site Nippn de 6 de maio. Como ele é interessante, vou traduzi-lo. Hotta Junji é mangá-ka e publica principalmente mangás josei. O original pode ser acessado clicando no título: 50 Years of “The Rose of Versailles” and Its Enduring Themes of Timeless Love and Female Empowerment. Na medida do possível, mantive a estrutura do artigo original e usei as imagens que lá estavam com as legendas traduzidas. Os links no corpo do texto são das resenhas dos filmes citados disponíveis no Shoujo Café.
50 anos de “A Rosa de Versalhes” e seus temas duradouros de amor atemporal e empoderamento feminino
Hotta Junji
Este ano marca meio século desde a estreia de Berusaiyu no bara (A Rosa de Versalhes), o mangá clássico ambientado nos anos tumultuados em torno da Revolução Francesa. A série foi adaptada para tela e palco e continua a atrair novas gerações de leitores. Hotta Junji faz uma retrospectiva do clima cultural que inspirou a obra seminal da autora Ikeda Riyoko sobre a independência das mulheres.
Temas Românticos Clássicos
O elemento mais importante de qualquer história de amor verdadeira é a adversidade. Afinal, uma trama em que duas pessoas se apaixonam e vivem felizes para sempre sem nenhum tipo de barreira ao romance terminaria bem rápido. A adversidade, portanto, é crucial. E, em vez de fatores pessoais, como a própria indecisão de um personagem, quanto mais externo e intransponível o obstáculo, mais universal o apelo. É isso que faz de Romeu e Julieta, com seu trágico conto de amantes condenados de lares em guerra, um clássico tão atemporal e duradouro.
Essa história envolve os Montéquios, uma família gibelina leal ao Sacro Império Romano, e os Capuletos, de origem Guelph, com juramento de fidelidade ao Papado. Uma comparação adequada da história japonesa seria os clãs rivais que apoiaram as cortes do norte e do sul durante o período Nanbokuchō (1336-92). Ou talvez mais relacionável ainda para os leitores possa ser a relação entre Amuro e Lalah em Mobile Suit Gundam (1979-80). Mas nos últimos anos, essas histórias de amor caíram em desuso. Até a Disney encontrou seguidores para filmes sem narrativa romântica, e em Frozen (2013) o verdadeiro amor no centro da história não é entre protagonistas masculinos e femininos, mas as irmãs Anna e Elsa.
Tendências semelhantes também podem ser vistas no Japão. O mangá Nagi no Oitoma (Nagi's Long Vacation, 2016–presente), transformado em dorama em 2019, retrata uma história de amor muito diferente dos arquétipos clássicos, com a garota deixando o garoto para trás não para reencontrá-lo no final, mas sim para encontrar seu próprio caminho. Pensando bem, essa mudança parece natural. A sociedade contemporânea é modelada muito segundo as ideias descritas por Milton e Rose D. Friedman em seu influente tratado econômico de laissez faire Free to Choose (1980), então segue-se que o romance também deve envolver liberdade absoluta de escolha. E se você é livre para escolher o parceiro que quiser, independentemente de dúvidas, os obstáculos tradicionais se tornam menos importantes.
Alguns sociólogos veem essas tendências como parte de uma incapacidade mais ampla de expressar diretamente afeição romântica, na medida em que muitas histórias de amor modernas ofuscam questões através da introdução de temas como doença, perda de memória induzida por acidente ou até mesmo amantes oriundos de temporalidades diferentes. Outras obras notáveis como os filmes Retrato de uma Jovem em Chamas (França, 2019) e Carol (Reino Unido/EUA, 2015) optam por ambientar seus eventos em épocas anteriores que ainda eram marcadas por fortes preconceitos ou independência restrita para as mulheres. Do ponto de vista atual, essas sociedades históricas são vistas como duras e restritivas. Escândalos que causam pouco mais do que um clamor online no século XXI podem ter sido crimes graves no período Edo (1603-1868), e diversos estilos de vida não eram aceitos como são hoje.
Talvez as barreiras finais à liberdade pessoal tenham vindo na forma do sistema de classes. O pioneiro reformador do período Meiji Fukuzawa Yukichi (1835-1901) pode ter dito que “o céu não cria um homem acima ou abaixo de outro homem”, mas naqueles dias, no Ocidente como no Japão, as fronteiras de classe social separando nobres e plebeus, por exemplo, eram bem intransponíveis. Em 1789, o povo da França se levantou em uma revolução para quebrar essas barreiras. E quase 200 anos depois, em 1972, a antologia semanal de mangá shoujo Shuukan Margaret lançou uma nova serialização, Berusaiyu no bara (A Rosa de Versalhes), cujas representações dramáticas daquela época tumultuada lhe renderiam um lugar de destaque nos anais da história do mangá. .
Uma Obra-Prima Arriscada
A história gira em torno da última rainha da França, Maria Antonieta (1755–1793), e seu suposto amante secreto, o nobre sueco Hans Axel von Fersen (1755–1810), juntamente com dois personagens fictícios: Lady Oscar François de Jarjayes ─ a donzela guerreira criada como seu herdeiro por seu pai militar ─ e seu companheiro plebeua André Grandier. Este romance de época, repleto de personagens fustigados e destruídos pelas marés da história, lutando para inaugurar uma nova era e dando a vida por aqueles que amam, conquistou um exército de fãs apaixonados e viria a exercer uma poderosa influência sobre gerações futuras.
Mas, inicialmente, o conselho editorial de Margaret se opôs fortemente à ideia de executar The Rose of Versailles, duvidando da capacidade de suas leitoras adolescentes de entender e apreciar o conteúdo com temas históricos. Na época, o mangá ainda era considerado como “baixa cultura”, e o mangá shoujo era o mais baixo de todos, com mangá-kas mulheres ganhando apenas metade do que seus colegas do sexo masculino (embora nesse aspecto fosse notavelmente semelhante à Hollywood dos nossos dias).
A autora Ikeda Riyoko nasceu em Osaka em 1947 e foi criada em Kashiwa, Chiba. Em uma época em que muitos ainda questionavam o sentido das mulheres prosseguirem para o ensino superior, ela superou as objeções de seu pai para estudar filosofia na Universidade de Educação de Tóquio (agora Universidade de Tsukuba). Logo após se matricular, ela se envolveu com o vibrante ativismo estudantil da época. E percebendo a hipocrisia em criticar a sociedade e as gerações mais velhas enquanto ainda era sustentada por seus pais, ela saiu da casa da família e financiou seus estudos trabalhando como garçonete, em fábricas e vendendo produtos de porta em porta.
Em 1968, como caloura da faculdade, ela publicou sua primeira tira na Shuukan Margaret. E embora ela inicialmente visse escrever quadrinhos como apenas mais um meio de se sustentar, enquanto rabiscava freneticamente tira após tira apenas para pagar o aluguel, sua popularidade cresceu constantemente, culminando aos 24 anos na serialização da Rosa de Versalhes.
Como mencionado acima, o conselho editorial masculino da revista inicialmente se opôs fortemente à ousadia, temendo que o material histórico fosse incompreensível para seu público. Mas depois que Ikeda defendeu seu novo título afirmando que seria um sucesso e prometeu se demitir se não conseguisse, eles finalmente cederam.
Em janeiro de 2011, a própria Ikeda Riyoko cantou em um recital realizado no Palácio de Versalhes como parte do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême. (©︎ Jiji)
Ideais de empoderamento feminino
Enquanto Maria Antonieta e o Conde Axel von Fersen são figuras históricas genuínas, a bela vestida de uniforme militar Lady Oscar nasceu inteiramente da imaginação de Ikeda, embora inspirada na história real de um sargento da Guarda Real que decidiu ficar do lado dos cidadãos revoltados. Em uma entrevista de 2013 para a revista feminina Fujin Kōron, ela lembrou como a decisão de retratar Oscar como mulher surgiu em parte de sua própria incapacidade de capturar de forma convincente as realidades de um oficial militar do sexo masculino em um mundo masculino. Mas ela também revelou que a personagem pretendia ser um símbolo de desafio contra uma sociedade que ainda não conseguia reconhecer os talentos e perceber as mulheres como indivíduos. No entanto, embora isso possa evocar a ideia de Oscar como uma figura um tanto severa, lutando por aceitação em um mundo masculino, a personagem em si não poderia ser mais diferente.
No livro Ikeda Riyoko no sekai (The World of Ikeda Riyoko), uma antologia publicada em 2012 para comemorar o quadragésimo aniversário da Rosa de Versalhes, Yoshinaga Fumi, uma mangá-ka contemporânea que também se envolveu em temas históricos, incluindo a Revolução Francesa, descreveu o apelo único do trabalho de Ikeda: “Ela retrata uma sociedade idealizada, na qual cada indivíduo vive uma vida autêntica. Mas ela combina isso com um forte foco no entretenimento que não encontra rival em nenhum outro lugar.”
E ninguém é mais atraente do que Lady Oscar. Uma joia entre a sociedade aristocrática, encantando nobres de ambos os sexos com sua combinação de beleza, força e sabedoria, mas também possuidora de uma compreensão dos tempos em que vive, a compaixão para ter empatia com os menos afortunados e a autoridade para dobrar outros ao seu comando. A narrativa romântica da personagem não é menos colorida, começando com um interesse não correspondido por Axel von Fersen até descobrir e, finalmente, retribuir os afetos de André Grandier, seu companheiro de infância, depois criado e, finalmente, subordinado do regimento.
Contra o pano de fundo da revolução, apesar de seu status privilegiado, Oscar nunca cogita a ideia de fugir para outro país. Da mesma forma, André jurou permanecer ao seu lado, e é esse conto de barreiras de classe em uma época de convulsão social que dá à história sua pungência.
Apelo Internacional Atemporal
Desde sua primeira aparição, A Rosa de Versalhes liderou as pesquisas de popularidade dos leitores e, ao longo dos anos, atingiu um recorde de 15 milhões de volumes. O trágico arco de amor de Oscar e André foi particularmente instrumental para capturar os corações do público, e o lançamento da parte em que Oscar finalmente encontra seu fim mergulhou muitos fãs em um poço de desespero.
Até 2014, a adaptação musical da Takarazuka Revue de A Rosa de Versalhes foi apresentada para cerca de 5 milhões de espectadores nos 40 anos desde sua estreia em 1974. Foto tirada em uma apresentação de 17 de fevereiro de 2006 no Tokyo Takarazuka Theatre. (©︎AFP/Jiji)
Em 1974, a história recebeu uma adaptação musical da icônica companhia de teatro feminina Takarazuka Revue. E enquanto o plano inicialmente encontrou oposição de fãs dedicados do mangá, a produção se tornou um enorme sucesso. Isto foi seguido em 1979 por uma série de anime para a TV, que, como as versões impressa e teatral, continua sendo objeto de afeição e discussão generalizada, inclusive na França, onde a série foi transmitida a partir de 1980. Com a paixão dos fãs inalterada, mesmo depois de 50 anos, pode-se dizer que o trabalho de Ikeda tem um apelo atemporal que transcende as fronteiras nacionais e geracionais.
Se você me perdoar por encerrar com o que pode parecer uma digressão repentina, gostaria de falar sobre um colega mais velho meu, que em seu tempo foi amplamente elogiado como um editor genial e ganhou um grande prêmio literário. Ele sustentou por muito tempo que todas as séries de mangá comercialmente bem-sucedidas tratavam essencialmente de temas de amizade homossocial, em vez de amor heterossexual. Devo admitir que achei seu argumento convincente, dada a presença de sucessos como a clássica série de boxe de 1968-73 Ashita no Joe (Tomorrow's Joe), mas sempre senti de alguma forma que os mangás shoujo eram uma exceção. Quando eu fiz essa proposta para uma famosa artista de mangá, ela contemplou a questão por um tempo antes de concluir: “Não, mangás shoujo não são diferentes”.
Às vezes ainda me pergunto se A Rosa de Versalhes, com seus dois arcos de história românticos, pode ser uma exceção a essa regra, mas quanto mais considero a obra, menos certeza tenho. O que você acha?
3 pessoas comentaram:
Dei uma olhada no original e só uma correção: a Riyoko Ikeda publicou pela primeira vez na Margaret quando estava no terceiro ano da faculdade, não quando era caloura. Em japonês está 1968年、大学3年生のときに「週刊マーガレット」誌でデビュー。
Luiz, muito obrigada! Mas acho que o texto em inglês estava com a informação errada, ou fui eu que traduzi errado mesmo? Preciso olhar. Saudades de você.
Em inglês está "college junior". Não lembro se vi isso em um vídeo do Tim Explica ou do Gavin do Small Advantages, mas eles explicaram que chamam os 4 anos do Ensino Médio e faculdade nos EUA freshman, sophomore, junior e senior. ^^
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