sábado, 2 de abril de 2022

Shoujo Kakumei Utena completa 25 Anos

Em 2 de abril de 1997, estreava no Japão, na TV Tokyo, a série Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ), fruto da obra do coletivo Be Papas, cujos dois nomes mais importantes são a mangá-ka Chiho Saito e Kunihiko Ikuhara, que é diretor, escritor e outras coisas mais.  A série acompanha a protagonista, Utena, na Academia  Ohtori, onde ele termina sendo envolvida com uma sociedade de duelos cujo campeão almeja se tornar o noivo da rosa, Anthy Himemiya, e, em algum momento futuro, conseguir o poder de revolucionar o mundo.  Utena tem também um passado que a levou a entrar para essa escola.  Após uma tragédia pessoal, ela recebe um anel, que tem o mesmo símbolo da tal escola, de alguém que a então menina pensa ser um príncipe.  O rapaz lhe pede que ela não se deixe morrer, que cresça, busque se tornar alguém nobre por suas virtudes e que eles voltariam a se encontrar no futuro.

Utena toma para si as palavras do seu príncipe e deseja crescer para ser como ele e, não, uma princesa que precisa ser salva.  Utena se recusa a se enquadrar, começando com sua reinterpretação do uniforme da Academia Ohtori, misturando elementos femininos e masculinos, e na forma como busca sempre fazer o que é bom e correto.  Nesse afã, sem que seja por sua vontade, ela acaba derrotando o então noivo da rosa, Saiounji e recebendo Anthy como seu prêmio.  Utena se horroriza com o caráter submisso da moça e deseja protegê-la da brutalidade dos que desejam tomá-la para si.

O fato de Utena ser a noiva da rosa, atrai contra ela a ira dos outros duelistas e sua curiosidade, também.  Ao longo da série, que tem 39 episódios, a garota enfrenta vários oponentes e tenta manter-se digna em um ambiente corrompido.  A série tem tons surrealistas, cheia de simbologias, e discute uma série de temas ligados à gênero (papéis atribuídos a homens em mulheres em uma dada sociedade) e sexualidade, isto é, desejo, além de tabus como o incesto.  

No mangá, e quando escrevi artigos sobre a garota-príncipe discuti este ponto, a personagem usa o eu masculino "boku" (僕), mas grafado de uma forma diferente, ao invés de usar o hiragana (ぼく), afinal, é uma palavra japonesa e o séroe saiu em uma revista com furigana (*o suporte de leitura usando kana*), ela usa o katakana (ボク), que é usado para palavras vindas de outra língua.  Utena é uma personagem queer, alguém que não se enquadra nas expectativas heteronormativas sem que a série de TV, em nenhum momento, chegue a se posicionar sobre a sua sexualidade.  

Utena não se deixa enquadrar por ninguém.  Utena ama Anthy?  Se a resposta é "sim", seria algo mais que amizade?  Utena se envolve com Akio, o vilão oficial da série, e quase é corrompida e dominada por ele.  Touga, o playboy da série e presidente do conselho de estudantes, deseja Utena, mas, ao mesmo tempo, está envolvido com Akio e, talvez, com seu melhor amigo Saionji.  Yuri é apaixonada por uma colega do colégio, que brinca com seus sentimentos e, também, passa pela cama de Akio. O fato é que a série se tornou uma das mais queridas do público LGBTQUIA+ e com razão.  Para muita gente, Utena foi seu primeiro anime yuri.  A série permite muitas discussões, ou, simplesmente, que você a interprete e lembre dela como bem quiser.

Alguns episódios trazem uma boa dose de humor, mas a série se destaca mais pelo drama, que é muito bem explorado em vários momentos.  No final da série, Utena vence o vilão, não no sentido clássico, mas ao provocar a ruptura do ciclo dos duelos.  Quando Utena se liberta, Anthy, que é uma personagem dúbia, enfrenta Akio e vai embora em uma cena na qual pega sua boina, o mascote Chuchu e mostra que não quer mais ser joguete nas mãos de macho.  Ela rompe o ciclo de duelos em uma dos momentos mais feministas da história dos animes, eu diria.  Ela encontrará Utena?  Não sabemos, imagino que sim.  Tenho um amigo de duas décadas que tem uma teoria sobre a série, a Academia Ohtori é, na verdade, um purgatório.  Todos, ali, estão mortos e não sabem.  Alguns poucos, como Utena e Ruka Tsuchiya, que foi presidente do conselho de estudante e noivo da rosa, além de Anthy, conseguiram se libertar daquela prisão.  

Assisti Utena há muitos anos, quando consegui a série, ainda em VHS, no tempo da internet à lenha, preciso rever com os olhos de hoje.  A série me impactou tanto que eu usei durante muito tempo o apelido de Utena, algumas pessoas que me conheceram lá nos anos 1990 ainda me chamam assim.  Só consegui ver toda a série, porque um colega do grupo Anime-BR do Yahoo gravou para mim, depois, ambos decidimos conseguir trazer as fitas da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) de um fansuber no Canadá.  Sim, foi por causa de Utena que conheci tanto a Rosa de Versalhes, quanto o meu marido.  A série tem grande importância na minha vida, também.  Aliás, Utena é cheia de pequenas referências e homenagens à Rosa de Versalhes, começando pelo uniforme da protagonista e as rosas que estão em todo o lugar.  No mangá, Utena também começa loura e seu uniforme é quase vermelho, como um dos usados por Oscar ao longo da série de Riyoko Ikeda.

Utena tem outras versões.  O  mangá com cinco volumes começou a ser publicado em 1996, na revista Ciao, uma das publicações shoujo para o público mais jovem, e consegue discutir gênero, mas é mais convencional e não traz boa parte das discussões mais complexas da série de TV.  No mangá, Chiho Saito é quem controla o produto, quem conhece a obra da autora percebe isso.  Já no filme animado de 1999, que chegou a ser lançado no Brasil, é a mão de Ikuhara que tem mais peso.  Nesta versão, Utena é bissexual, ou lésbica, a coisa nunca é muito clara, e Anthy apresentada como ainda mais dúbia e uma espécie de prostituta.  E há o mangá do movie, no qual, mais uma vez, é Chiho Saito quem tem mais influência.  Neste caso, prefiro o mangá.  Utena teve gaiden comemorativos dos seus vinte anos publicados na revista Flowers, além de mais de um musical.  Acredito que ainda veremos uma peça do Takarazuka baseada na série.  De repente, até nesse ano comemorativo.

Como o aniversário de 25 anos da série de TV bate com os quarenta anos de carreira de Chiho Saito, certamente teremos material relacionado saindo este ano.  Utena é uma das séries mais importantes dos anos 1990 e conta com uma animação de alta qualidade para a época e uma trilha sonora muito impactante.  Se você não assistiu, recomendo muito.  Abaixo, deixo o vídeo que fás da série fizeram de uma versão em português da abertura, Rinbu Revolution.  Ficou boa.  Ficou, sim.

4 pessoas comentaram:

Assisti Utena pela primeira vez em 2008, quando eu tinha acabado de completar 18 anos e logo virou um dos meus animes favoritos de todos os tempos. Até hoje gosto de rever alguns duelos e ouvir a trilha sonora. Meus duelos favoritos são os da Juri no primeiro e terceiro arcos. As únicas coisas que eu não gostava: em TODOS os duelos a J.C. Staff colocava frames repetidos (Utena rolando no chão, Utena recebendo o poder de Dios, Utena ficando em guarda... até o grito final da Utena era repetido) e a qualidade porca do fansub brasileiro, o que me desanimou a indicar para amigos e conhecidos (infelizmente, nem todo mundo tá disposto a ver anime legendado em inglês, ainda mais shoujo, que sofre um preconceito generalizado)

Às vezes eu sonho em um remake com uma animação mais moderna, mas tenho até medo do que possam fazer. Sailor Moon Crystal foi trauma suficiente pra mim hahahahahah

Magnífico post! sempre precisamos de mais conteúdos sobre Utena. Seria bom ver mais sobre o que você pensa sobre os arcos do anime, o mangá, e as peças teatrais. Utena recebeu adaptações para diversas mídias, inclusive com alterações interessantes. Um grande abraço do Apolo, Valéria


Nunca li um mangá ou assisti a um animê com incesto. Já li com sentimento incestuoso, tipo irmã apaixonada por irmão, mas só o sentimento mesmo sem acontecer nada. E sei que realmente o Japão tem obras que vão até o fim nesse tema.

Sim, há incesto em Utena, mas não é apresentado como um relacionamento saudável. O irmão envolvido é o vilão da história.

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