Escrevi somente um texto sobre a novela Além da Ilusão, ele foi publicado em 13 de fevereiro, aqui, no blog. Demorou muito, eu sei, mas fui adiando por causa do trabalho e outras coisas mais. Mas eu gosto bastante da novela e a assisto quase que certinho, o máximo que atrasei foram dois capítulos. É meio que um ritual, volto do trabalho, almoço, levo minha filha para a escola e sento para assistir a novela, o capítulo do dia anterior, porque não consigo ver no horário em que está passando, o máximo que faço é ver o que as pessoas estão comentando no Twitter. Como fiquei muito tempo sem fazer um texto, vou ter que escrever muita coisa. Desde já, me desculpo.
No primeiro texto que fiz sobre Além da Ilusão, estávamos terminando a primeira fase da novela. Davi (Rafael Vitti) estava sendo julgado pelo assassinato de Elisa (Larissa Manoela), morta pelo próprio pai, Matias (Antônio Calloni), um juiz corrupto e capaz de tudo para se vingar do moço e esconder seu próprio crime. Matias frauda provas, ameaça a empregada, Augusta (Olívia Araújo), que poderia testemunhar a favor do rapaz e intimida a esposa, Violeta (Malu Galli), que estava na casa do pai gravemente enfermo quando da morte de Elisa, porque ela estava desconfiada de sua história. O rapaz termina sendo condenado à 20 anos de prisão. Matias, no entanto, sente culpa, apesar de acusar a filha caçula, Isadora (Sofia Budke), de ser corresponsável pela morte de Elisa, e começa a manifestar sinais de esquizofrenia.
Depois da condenação de Davi, a família de Elisa vai morar na fazenda do recém-falecido avô (Lima Duarte) em Campos dos Goitacazes, interior do Rio de Janeiro. Como o engenho estava falido, Violeta e a irmã Heloísa (Paloma Duarte) acabam aceitando a proposta de Eugênio (Marcello Novaes), vendem parte das terras e montam uma fábrica, a tecelagem Tropical, em sociedade com ele. Heloísa, conforme comentei no primeiro texto, tem uma filha perdida e que precisa ser encontrada. Ainda na primeira fase, chega a Campos o misterioso Leônidas (Eriberto Leão), que vira uma espécie de enfermeiro de Matias. Chegam, também, Joaquim (Thiago Voltolini), afilhado de Eugênio, e Úrsula (Bárbara Paz), mãe do rapaz e sua governanta. Úrsula quer Eugênio para si e planeja casar Joaquim, então com 15 anos, com Dorinha, quando a menina crescer.
Já Davi consegue sobreviver na cadeia e mostra que não é um mocinho passivo. Ele é capaz de se defender, de armar para se dar bem, de se antecipar aos seus adversários. O protagonista cumpre dez anos de cadeia e foge. Na tentativa de permanecer livre, embarca clandestinamente em um trem que leva um novo funcionário da tecelagem Tropical, que teria a missão de colocar as contas das fábricas em ordem, Rafael (Fabrício Belsoff). Há um acidente, Rafael fica em coma e Davi toma a sua identidade. Mal sabe ele que Rafael foi contratado pela mãe de Elisa. Davi até tenta escapar com o auxílio de Augusta, mas ele reencontra Isadora, ou Dorinha, irmã de Elisa e que, agora, é interpretada pela mesma Larissa Manoela. Ele fica fascinado por ela e descobre que Joaquim (Danilo Mesquita) pretende se casar com a jovem e se livrar dela depois. Davi decide ficar para proteger Dorinha e decide se apropriar integralmente da identidade de Rafael, apesar de todo o risco que corre.
Além da família de Elisa, a novela tem um núcleo de operários e o que gira em torno do cassino. Com o andar da história, alguns personagens vão para a 2ª Guerra, lutar na Itália, e há, também, a LBA (Legião Brasileira de Assistência), que vira uma espécie de subnúcleo ligado ao cassino. Agora, estamos na terceira fase da trama, por assim dizer, com a introdução de novas personagens e subtramas em uma novela que é tudo menos monótona. Todas as questões em Além da Ilusão são resolvidas de forma dinâmica e rápida, sem a enrolação que marca muitas novelas.
Até o momento, Além da Ilusão tem apresentado uma boa história, com um elenco afiado e com vários destaques relevantes, um figurino bonito e bem ajustado e que consegue ser densa em alguns momentos, como na apresentação da doença mental do juiz Matias, ou a guerra, ou o vício em jogo, sem ser depressiva, muito ao contrário disso. Durante boa parte do tempo, a novela é solar, por assim dizer. Outra característica notável é ser a primeira novela da autora Alessandra Poggi, única responsável pela trama, se ela tem auxiliares, eles não são creditados. Há autores, que preferem o trabalho solitário, mas nunca li nenhuma entrevista da autora.
Eu tenho algumas críticas à novela, mas preciso registrar que a trama das seis tem muito mais pontos positivos do que negativos. MUITOS MESMO, basta lembrar da tristeza que foi Nos Tempos do Imperador e do escândalo racista que se revelou quando do seu encerramento. Para se ter uma ideia, Além da Ilusão conseguiu juntar em 2022, Exército Brasileiro, hino nacional e nossa bandeira sem ser algo ofensivo, ou motivo de vergonha. A cena da partida dos Pracinhas foi bonita e patriótica de verdade. Sou muito grata à autora por ela ter nos oferecido este momento, porque, bem, quando vejo bandeira do Brasil, ou verde amarelo tendo a me sentir nauseada. Aliás, parabéns para a autora e a direção, porque eles vêm conseguindo fazer uma guerra minimamente convincente e sem ser algo que nos oprima.
Enfim, quem lê meus textos sabe que não me importo com drama, violência, temas espinhosos, desde que bem articulados e não defendo que novela das seis tenha que ser água com açúcar. A novela tem ido além e tornado até leves coisas que não são sem ser negligente, ou leviana como sua antecessora. Só não há como fazer milagre, como nas cenas da internação de Matias. Instituições psiquiátricas no Brasil não eram instituições humanizadas, o que foi muito bem discutido no filme Nise: O coração da loucura, que começa exatamente no ano em que se passa Além da Ilusão. Mostrar o sanatório como foi feito em Nos Tempos do Imperador é que não pode, ninguém passaria dois anos internado e sairia sem nenhuma sequela.
Enfim, Além da Ilusão tem se saído muito bem, muito mesmo nesse aspecto. E vale para o vício em jogo de Julinha (Alexandra Richter), ela conversando com o retrato de Darcy Vargas (Ana Carolina Rainha), esposa de Getúlio, se desculpando por roubar o dinheiro da caridade para jogar e prometendo trazer de volta foi um primor. Aliás, o núcleo do cassino com Julinha, Arminda (Caroline Dallarosa), a melhor amiga namoradeira de Dorinha, Constantino (Paulo Betti) e, agora, Dona Santa (Arlete Salles), a viúva alegre, é uma delícia. Arminda parece uma desmiolada periguete dos anos 1940, mas é inteligente quando necessário, vide ela desarmando a chantagem de Mariana (Carol Romano) para cima de sua avó, que começou quase uma fanática religiosa em relação à Vargas e sua esposa, e se mostrou uma bela trambiqueira. Ou ainda ela enganando o piloto que está na guerra com falsas cartas de amor escritas por uma menina, porque ela já se apaixonou por Inácio (Ricky Tavares), um garçom sem eira nem beira. Há humor e drama na novela, tudo bem equilibradinho.
Outro aspecto interessante da novela é a sororidade. Dorinha não abre mão da amizade de Arminda, mesmo pressionada pelo então namorado, quase noivo. Macho nenhum vale uma amiga de verdade. Da mesma forma, é muito bonita a relação entre Violeta e Heloísa. No início da novela, bem no comecinho, acreditei que elas seriam meio que rivais, mas, na verdade, ambas as personagens têm tantas camadas e as duas atrizes, Malu Galli e Paloma Duarte, estão brilhando. Semana passada, finalmente Violeta e Eugênio se entregaram um ao outro, ainda assim, ela convive com a culpa do adultério, a fidelidade ao marido doente, e mantém pé firme em relação a sua autonomia. Na cena de amor dos dois, quando ela o interrompe e ele pensa que ela vai recuar, o que Violeta quer e retirar ela mesma o vestido. Aliás, nunca vi nada em Marcello Novaes, o achava canastrão demais, mas ele está muito bem nessa novela. A idade e o figurino parecem estar trabalhando a seu favor.
Alguém pode se perguntar como uma mulher com tanta autonomia, uma feminista para os padrões de sua época, acabou casada com um homem como Matias, ou como um sujeito como ele aceitou uma esposa como Violeta. Ora, há homens machistas que tem feministas de estimação, porque, no fim das contas, a lei permitirá que ele lhe puxe as cordas quando e como quiser. E ele deveria estar apaixonadíssimo por ela, também. A situação de Violeta só pode ser compreendida dentro da época da novela e pelo fato dela não ser uma personagem unidimensional. Já Paloma Duarte é uma das melhores coisas dessa novela, sua Heloísa é de uma riqueza infinita. Ela ama a irmã, ela é a parceira da sobrinha, ambas se unem pelo amor à costura, ela acolhe a menina quando do trauma da perda da irmã, e carrega um segredo terrível. Aqui, abro um espaço para uma crítica, porque realmente o desdobramento me incomodou.
A filha de Heloísa foi fruto de um estupro do cunhado. Porque, sim, foi estupro e se você assistiu a novela e não entendeu isso, é porque só vê a violência sexual em situações nas quais a mulher tem uma arma na cabeça. Heloísa era uma adolescente, e se eu fosse a autora, ainda a colocaria mais jovem, com 15 anos, não 17, e foi "seduzida" pelo cunhado com mimos e elogios quando ninguém estava vendo. Até que, em uma noite, ele invadiu seu quarto e a intimidou. Se ela gritasse, ele conseguiria virar o jogo e acusá-la de ser uma vadia, uma polaca e palmas para a novela pelo uso quase perfeito de gírias antigas. E peço que lembrem da catch phrase da personagem "Eu nunca perco.".
A relação dos dois me lembrou Ligações Perigosas com Cécile sendo "seduzida" por Valmont, porque muitas das histórias de sedução de tempos passados era, na verdade, um elogio ao estuprador, sua capacidade de constranger uma mulher a fazer sexo sem precisar usar de violência física clara contra ela. Nesse tipo de situação, o agressor pode até dar algum prazer físico para a vítima, o que, via de regra, serve para aumentar seu sentimento de culpa. E, claro, a moça engravida e Matias envenena ainda mais o sogro contra a filha perdida, além de ameaçar a jovem. Mesmo coerente, não gosto dessa subtrama.
Matias é mau, a gente já sabe disso. Ele incriminou Davi, ele ameaçou Augusta e lamentou que ela não fosse uma escrava, ele culpou Dorinha pela morte precoce de Elisa. A gente sabe que ele não presta, doente, ou não, ele é um vilão e a autora nos deu uma chance de ouro de ver cara mau sofrendo em vida, porque loucura de vilão é coisa que bate nos 45 minutos do segundo tempo, ou algo que é tolerado durante a trama inteira. Além da Ilusão vem tratando muito bem da esquizofrenia e da demência e Antonio Calloni brilha em todas as suas cenas. Agora, precisava ele ter estuprado a cunhada? Ele poderia ter ajudado o sogro com a papelada, até poderia ter estimulado o velho a punir ainda mais Heloísa, mas ser o autor da façanha? Achei desnecessariamente pesado. Fora isso, o que será da relação dele com Leônidas quando a verdade vier à tona? Esta semana passada, Matias tentou estuprar a esposa, Violeta, o que nas leis da época não seria crime. Vejam, eu não tenho pena de Matias, mas eu sinto pena de Leônidas e, claro, espero que a filha perdida de Heloísa apareça logo.
Falando nisso, tudo indica que Olívia (Débora Ozório) é a filha de Heloísa. Espero que Benê (Cláudio Jaborandy) e a esposa (Patrícia Pinho) não saibam disso, seria triste se eles, que conhecem Heloísa e sua dor, sejam cúmplices no caso. Já Olívia é outra ótima personagem. Ela representa o engajamento político na melhoria das condições de trabalho dentro das limitações da Ditadura Varguista (1937-45). A necessidade que ela tem de fazer justiça e tudo mais, nada é exagerado. Falando nisso, um dos erros da novela acontece sempre em relação à Olívia. A autora coloca Joaquim, que não é nenhum ignorante, a chamando de "pelega", ora, um operário pelego é o que faz o jogo do patrão ou do governo, que evita reivindicar melhores condições de salário e trabalhistas, não o contrário. Seria melhor chamá-la de comunista, vermelha, mas pelega é erro crasso.
De resto, a jovem atriz vem conseguindo transmitir bem a sua angústia por amar o padre, o problema, e é um problema, sim, é que a personagem de Jayme Matarazzo meio que não disse a que veio. É um padre moderninho, mas não conhecemos seus sentimentos. Quando a moça se declara para ele durante a confissão, um recurso excelente, aliás, porque ele precisa guardar silêncio, o impacto foi diminuído, porque nunca vimos Tenório olhar para Cecília de forma diferente. Depois da confissão, não lhe deram cena alguma em que ele pudesse se questionar, ou olhar para ela e desviar o olhar, sei lá. Cancelar as confissões do dia não foi suficiente. Cabe ainda ressaltar que a trama do namoro falso com Rafael/Davi foi bem trabalhado, também, e, como tudo na novela, não foi esticada, mesmo podendo ter durado um pouquinho mais.
Ainda no núcleo dos operários, a novela vem conduzindo bem a redenção de Onofre (Guilherme Silva), que é uma das personagens detestáveis da trama, assim como Emília (Gaby Amarantos) tem se mostrado uma picareta, quero ver até onde ela vai nas suas incursões no cassino. Ambiciosa, será que ela terá a coragem de realmente trair o marido? Enfim, descobriremos em breve. Já Lorenzo (Guilherme Prates) é uma personagem que me causa amor e ódio, mais ódio, porque ele arrastou com uma mentira o melhor amigo, Bento (Matheus Dias), para a guerra. E quando ele descobrir que Lorenzo se alistou ao invés de ser convocado? Enfim, e o casamento fake com Letícia (Larissa Nunes) me pareceu uma das cenas bobas da novela, seria menos, se Bento e a moça tivessem se casado no civil, porque eles podiam.
Do jeito que a novela fez, eles são amigados e parece que todo mundo aceita isso de bom grado. Não seria assim, a moça perderia o emprego, provavelmente seria execrada pelo pai. Faltou um tiquinho de bom senso aqui e meu único consolo é Letícia não ter engravidado de Bento. Aliás, será que ele volta da guerra? Cheguei a pensar que a intenção fosse matá-lo, melhor esperar. A trama na Itália tem sido muito melhor do que eu imaginava, muito mesmo. Falando em falta discernimento, vamos ao cabelo da menina Madalena (Vivi Sabino). Sei que deixar a menina com o cabelo solto tem a ver com empoderamento e realmente seria bem vinda uma discussão sobre o cabelo das mulheres negras na novela, mas do jeito que está, Madá não entraria na escola. Ela teria que prender o cabelo, andar com ele solto e armado seria atestado de desleixo da família.
E eu tinha o cabelo bem crespo e armado na infância, eu fui submetida desde os meus seis anos de idade à "tratamentos", eu sofri bullying por causa disso, quando cismei de ir de cabelo solto para a escola na 5ª série, havia um garoto mais velho que me xingava e puxava meu cabelo. Vencida, finalmente deixei minha mãe cortar e alisar. E eu fui criança nos anos 1980, as coisas eram bem mais feias nos anos 1940. A novela está longe de ser realista aqui, longe demais, eu diria. As meninas, inclusive as com cabelo liso, normalmente mantinham os cabelos presos. Havia o risco de se pegar piolho, também, um monte de coisas. Aliás, no quesito cabelo, a novela meio que patina. Leônidas poderia ser misterioso, o que fosse, mas duvido que usaria aquele cabelo, pois passaria a imagem de marginal. Não era o padrão, aliás, está muito distante do padrão.
E vamos para o que é realmente espinhoso, o romance central. Não sei por qual motivo a autora teve a ideia de inventar de colocar Larissa Manoela no papel de ambas as irmãs, pior, que Davi se apaixone instantaneamente por ambas. Há teorias sobre isso e o pessoal do Coisas de TV fez um vídeo delicioso sobre o tema, talvez, por exemplo, Davi veja a mesma mulher, mas elas sejam diferentes. Infelizmente, não acredito nisso, ambas são idênticas mesmo, não na personalidade, claro, a Larissa Manoela deu um tom bem diferente para a Dorinha e isso é muito bom, o problema é o Davi. Se já era ridículo ele, que não era adolescente na primeira fase da novela, apaixonar-se loucamente por uma mocinha de 18 anos, é pior ainda que ele se sinta irremediavelmente atraído pela irmã da tal menina tendo agora bem mais de 30 anos. E mesmo que a personagem negue, ele não convence.
Sim, a idade de Davi é outro problema e já tive ate discussão com uns alucinados no Twitter por causa disso. A autora quis usar a crise de 1929 como um marco para a falência da família de Davi, que era rica, dona de fazendas de café. OK. O problema é que o rapaz estava já formado, ou se formando, na faculdade na França. Sim, faculdade, quando li a sinopse, imaginei que o "terminar os estudos" era o colegial, o que o colocaria com 20 anos quando conheceu Elisa, talvez, um pouco mais. Mas se ele estava se formando em 1929, quantos anos tem Davi? Um curso universitário comum na França, na época, era de mais ou menos seis anos. Eu chutei que ele fez engenharia, assim como o Rafael de quem ele rouba a identidade.
Exatamente por causa disso, uma desocupada veio me interpelar no Twitter dizendo que a autora tinha dito, não li em lugar nenhum e ela não passou link, que o Davi e o Rafael tinham cursado Administração. Querem saber de algo engraçado? Antes dos anos 1950, não havia curso de Administração (Management) nem no Brasil, nem na França, o curso é coisa de norte americano e se espalhou pelo mundo no pós-Segunda Guerra. Sim, a novela e os desocupados do Twitter me obrigando a aprender coisas. Nem Davi, nem Rafael, poderiam ter cursado administração de empresas. Estabelecido isso, se Davi cursou, ou não, um tradicional curso de Engenharia, ou outro qualquer, menos Medicina (*ou ele já teria dito algo nesse sentido*), ele teria por volta de 23 anos, talvez mais, em 1929. Eu, sendo muito boa, colocaria Davi com 36 anos na fase atual da novela.
Rafael Vitti mal parece ter os 26 que tem, muito menos os 36 anos possíveis. Sexta-feira, definiram que Rafael, rapaz que está em coma, tinha 4 anos quando chegou ao orfanato em 1918. Isso o coloca com 30 anos em 1944. Seria bom que Davi pudesse ter esta idade, mas as contas não fecham para ele. A não ser que se queira criar a tese de que ele era um gênio e recebeu permissão especial para cursar a universidade na França, ainda assim, seria um curso de seis anos, nada menos que isso. Não sei por qual motivo a autora foi buscar o marco de 1929, porque não precisava dele. No geral, o uso das datas na novela tem funcionado a favor da história, neste caso, não. Para que eu compre o romance de Davi com Dorinha preciso fechar meus olhos para essa idade louca dele, não porque tenha problemas com casais de idades tão desiguais, mas porque ele se comporta como um moleque em vários momentos.
Já aprendi a relaxar com os planos infalíveis ao estilo Cebolinha de Joaquim, mesmo ele já tendo 25 anos, pois a coisa beira o ridículo e faz rir, mas é complicado ver o Davi se comportando como um bobão, pregando peças tolas como no caso das alianças, ou no do batom, que foi muito pior por quase ter levado à demissão da secretária, porque é um cara de trinta e muitos anos. Aliás, outro problema é que o ator parecia mais velho em 1933-34 do que é em 1944. Dez anos de cadeia o rejuvenesceram e deveria ser o oposto. Eu até brinquei que colocaria um elemento mágico de verdade na história e Davi teria sangue de fadas. Por qual motivo não funcionaria? Seria um flerte aceitável com o realismo fantástico, porque, bem, algumas das mágicas de Davi não são coisa de ilusionista, mas do universo de Harry Potter.
Só para citar um dos casos, semana passada houve uma sequência em que, pela primeira vez, a novela usou mal o material histórico. Além da Ilusão consegue ser didática sem parecer estar passando uma lição de História do Brasil, mas deslizou ao tocar na autorização de trabalho requerida das mulheres casadas. Matias está louco de ciúmes e é instigado por Bárbara, que viu Violeta e Eugênio se beijando, a impedi-la de trabalhar. Matias chama a polícia e segue para a fábrica sem que Leônidas consiga impedi-lo. Lá, o delegado (Jorge Lucas) exige o tal documento, Matias nunca o assinou, porque já estava lelé quando a fábrica abriu e Violeta é a dona da empresa.
Eu olhei a cena e imaginei que nunca o delegado se prestaria a um papel desse, porque, afinal, todo mundo conhece todo mundo por ali e o drama de Matias é mais que sabido de todos. Fora isso, ele deve estar interditado desde o final da primeira fase, porque Violeta já o internou mais de uma vez durante suas crises mais agudas. Muito bem, ninguém iria cobrar dela um documento como esse e se a autora queria falar desse impedimento, poderia usar um outro expediente. Mas e Davi nisso? Bem, ele pega um documento assinado por Matias e uma autorização de trabalho de uma funcionária. Imaginei que ele fosse falsificar uma assinatura, mas, não, ela coloca as mãos sobre os documentos e os transforma. Ele recorreu ao mesmo expediente ontem, com o documento de Dona Romana. Enfim, isso não é ilusionismo, é mágica mesmo.
Antes de terminar, eu não sou time Davi, nem time Joaquim, porque as pessoas parecem reduzir a análise da novela, um produto da cultura pop a tomar posições a favor, ou contra um ship. Estabelecido isso, eu entendo a relação tóxica com o Joaquim como possível até certo limite. Dorinha quer independência, tm dificuldade em lidar com sentimentos, e identifica a obsessão de Joaquim como atenção e cuidado. Eça vê dentro de casa a relação doentia entre a mãe e o pai, a mãe sempre cuidando do bem estar de todos e não quer uma relação de dependência emocional como essa. Fora isso, há padrões de masculinidade da época, é Dorinha, assim como sua mãe, que têm uma relação crítica com o que se espera das mulheres de sua época. O problema é as mulheres de hoje olharem Joaquim e Davi como homens equilibrados, quando eles dão sinais de não serem nada disso.
Joaquim é possessivo e potencialmente violento. Casado com Dorinha, com a lei a seu favor, ele recorreria à chantagem e à violência física e/ou sexual sem problema e contaria com o suporte da mãe. Já Davi, bem, ele é infantil e no afã de proteger Dorinha poderia tomar atitudes muito questionáveis. São dois problemáticos se relacionando com uma moça que parece mais madura e equilibrada que os dois. Dorinha merecia mais, merecia um cara melhor, ou deveria seguir seu caminho sozinha. Mas é novela, não será desse jeito.
De resto, eu acho graça do povo no Twitter shippando Bento e Lorenzo, porque há mais tensão sexual entre os dois do que deles com Letícia. Segundo o Notícias da TV, a autora ficou assustada com a possibilidade e reafirmou a amizade dos dois e, sim, ela é imensa, e Lorenzo já se mostrou um algo excepcional e péssimo em alguns momentos, ele é humano e complexo e parabéns para a autora por ter construído personagens tão interessantes. Mas o ship é livre, você shippa quem quiser e a internet é terreno aberto para as pessoas escreverem seus contos e fazerem os seus desenhos. Aliás, Além da Ilusão poderia ter uma personagem LGBTQUIA+, porque elas sempre existiram. Vejam bem, não estou exigindo nada da autora, nem a criticando por falta de diversidade, mas representatividade importa. Valeria a pena não se omitir aqui.
Por outro lado, acredito que as questões de gênero, pelo menos no que concerne às mulheres, estão sendo bem desenvolvida sem forçar discussões anacrônicas, as personagens não tem como ir além das suas condições de produção, ainda que tenhamos alguns deslizes, como Violeta assistindo a missa de calças compridas. Já no caso dos homens, temos Eugênio revendo alguns dos seus conceitos a partir da convivência com Violeta e do afeto que desenvolve por ela. Mas volto a isso em um próximo texto. O texto ficou grande e sei que esqueci de muita coisa. Mas chega por hoje. Tentarei escrever de forma mais regular sobre a novela sem deixar acumular tanta coisa, porque assistir Além da Ilusão está sendo um prazer. É uma ótima novela, com personagens interessantes e excelentes autuações. Espero que a autora consiga dar mais consistência ao romance central, mas, se não conseguir, sobra sororidade e outros casais mais interessantes.
2 pessoas comentaram:
Eu lembro muito bem de uma cena na primeira fase que a dona Romana comenta que o David dez medicina na França, se foi administração ou engenharia a autora está meio perdida na continuidade do negócio...
Vou olhar de novo o capítulo em que ela encontra o diploma. Lembro dela ter dito que ele era doutor, mas isso poderia valer para qualquer graduação, então...
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