Mariko Kikuchi é autora de um gênero de mangá que traduzimos (*mais ou menos*) como "mangá ensaio", que flerta com o autobiográfico ao mesmo tempo que trata de temas relevantes. My Lesbian Experience With Loneliness (さびしすぎてレズ風俗に行きましたレポ), de Kabi Nagata, cai nessa categoria, por exemplo, e isso nada tem a ver com a demografia do mangá em si. Já tinha falado de Kikuchi quando comentei seu mangá You to Bakemono ni naru Chichi ga tsurai (酔うと化け物になる父がつらい), que causou comoção ao contar a história de uma menina convivendo durante seu crescimento com um pai alcoólatra e abusivo.
Pois bem, agora, ela estava fazendo um mangá sobre crianças que tinham nascido em lares religiosos e que não tiveram escolha, foram obrigadas, pelo menos na infância, a seguirem a religião da família. Outro tema espinhoso, portanto. Cada capítulo era sobre uma fé diferente e baseada em entrevistas feitas pela mangá-ka.
Segundo a própria autora, série Kami-sama no Iru Ie de Sodachimashita ~Shūkyō 2-Sei na Watashi-tachi~ (「神様」のいる家で育ちました~宗教2世な私たち~) tinha como objetivo dar voz às crianças que foram constrangidas a seguir uma religiã por seus pais. Tema pesadíssimo e controverso, eu teria alguma coisa a dizer sobre isso e adoraria poder ler esse mangá. Tudo ia muito bem, até que a autora decidiu abordar uma seita japonesa chamada Happy Science (幸福の科学, Koufuku-no-Kagaku), fundada em 1986, o grupo vive cerado de controvérsias, inclusive picaretagens ligadas à venda de vacinas espirituais contra a COVID-19.
Pois bem, aparentemente, a seita tem gente em lugares importantes e/ou estratégicos, porque reclamaram do capítulo feito por Kikuchi sobre a seita e, aparentemente, ele foi tirado do ar por causa disso. Pior, em março TODO o mangá foi tirado do ar. Citando da Wikipedia: "Em 10 de fevereiro de 2022, o quinto capítulo do mangá de antologia "Kami-sama" no Iru Ie de Sodachimashita ~Shūkyō 2-Sei na Watashi-tachi~ (Uma vida doméstica com Deus ~Nós, crianças nascidas na religião~) escrito por Mariko Kikuchi foi removido pela editora, Shueisha, após a reação da Happy Science. Os outros capítulos foram removidos em 17 de março de 2022."
Pois bem, segundo o Yahoo Japão, e o Twitter da autora confirma, Kikuchi ficou indignada com a atitude da Shueisha, porque isso se configura em censura clara que atenta contra a leis de liberdade de expressão no Japão. Aliás, o argumento da Shueisha foi que o mangá foi suspenso e retirado do ar por ter ferido a sensibilidade dos praticantes de determinados cultos religiosos. Já a autora diz que seu objetivo era retratar experiências pessoais e, não, atacar cultos religiosos. Bem, a ideia de um mangá como este é fazer refletir e incomodar, as imagens que achei no Google não deixam dúvidas quanto a isso e a autora já tinha um histórico de impactar os leitores com suas histórias. Espero que Kikuchi continue publicando seu mangá em outro lugar e abandone a Shueisha. E, claro, que esta decisão editorial não faça escola.
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