Terminou sexta-feira, 4 de fevereiro, sem deixar saudades em boa parte da audiência, a novela Nos Tempos do Imperador. Este texto deveria ser o meu penúltimo sobre a trama, mas atrasei muito e os meus comentários sobre o último capítulo saíram antes. Como o texto estava quase pronto, decidi que não o jogaria fora. Deveria ter sido publicado na sexta à tarde, mas tomei o reforço da vacina e fiquei me sentindo mal até ontem à noitinha. Vamos ao que eu gostaria de ressaltar como pontos negativos, porque amanhã comentar sobre a novela não fará mais sentido algum.
O primeiro ponto é o CASAL ENCONTRO DE ALMAS. Vejam bem, que Pedro II e Luísa Margarida de Barros Portugal, a Condessa de Barral, seriam amantes, era algo que fazia parte da estrutura da própria novela, pouco importa, aliás, as controvérsias entre biógrafos e historiadores da preceptora das princesas, sobre se ela e o imperador chegaram ou não a ter um romance, ou se foram amantes, mas seu relacionamento foi somente platônico. Também não seria um problema transformarem a Barral, uma mulher formidável em sua época e colocada com a estampa de Mariana Ximenes, no único e grande amor do imperador. O que ficou péssimo foi fazerem dois adultos se apaixonando instantaneamente, agindo como adolescentes descontrolados. Fora isso, a correria aumentou a rejeição ao casal, principalmente, porque a audiência tendeu a se posicionar ao lado da esposa traída, que foi muito bem defendida por Letícia Sabatella.
O imperador não pensou duas vezes antes de cortejar a Barral e passou a fugir do trabalho para ficar se pegando com a condessa dentro de sua própria casa. Aliás, este é o ponto complicado, ter amantes não era um problema para um homem casado na segunda metade do século XIX, agora, levar a amante para sua casa, humilhando a esposa, e colocá-la como preceptora das filhas sendo tão displicente a ponto de uma delas descobrir, era, sim. D. Pedro II tentava emular a imagem da família burguesa e esse tipo de comportamento era algo condenável, sim, quase tão absurdo quanto Tonico levar Zayla, na época sua amante, para eventos públicos.
Já a Condessa, que era catolicíssima, também não se mostra culpada, ela termina se entregando à paixão sem grandes resistências. Para cada questionamento de outra personagem, tínhamos algo como "o casamento do imperador foi um arranjo", "ele não escolheu", "somos almas gêmeas", "o que temos entre nós é amor", blá-blá-blá Essa forma de apresentar o romance dos dois foi forçada, porque pouco se construiu de amizade e afinidade entre os dois antes que suas intimidades começassem, então, pelo menos no comecinho, ficou parecendo que era só desejo sexual de dois sujeitos infelizes no casamento. Selton Mello e Mariana Ximenes, assim como o Pedro e a Luísa originais mereciam mais que isso.
Outra coisa que eu gostaria de acrescentar é que a Condessa era nove anos mais velha que D. Pedro. Mariana Ximenes era jovem demais para interpretar a personagem. Se eu tivesse que pensar em alguém para o papel, seria Patrícia Pillar, que tem a diferença de idade mais ou menos correta em relação à Selton Mello. E, claro, por isso que escrevi, vocês podem tirar que a trama da gravidez perdida da Condessa, além de não ter outra função na trama a não ser reaproximá-la de Pilar, era absurda em si mesma.
Continuando, LUÍSA não era DOMITILA. Ao longo de toda a trama os autores tentaram fazer uma ponte forçada entre a Marquesa de Santos e a Barral, como se ambas fossem o mesmo tipo de mulher, ou toda amante fosse igual, sei lá. Por exemplo, Pedro I teve inúmeras amantes, mas somente Domitila mereceu um espaço realmente especial em sua vida, era como uma Maîtresse-en-titre, a amante principal do rei da França, que tinha um status quase oficial, ou uma espécie de concubina, enquanto várias outras mulheres passaram pela cama do imperador, ou ele pelas delas. A Barral nunca foi isso, além do mais, Domitila não era uma mulher refinada e sua presença na corte se justificava somente por ser amante de Pedro I, o que humilhava e tornava a imperatriz Leopoldina muito infeliz. Já a Barral, se amante foi de Pedro II, era discreta, muito refinada e tinha um motivo profissional para estar na corte. Ainda que a Teresa Cristina original tivesse restrições à Condessa de Barral, a preceptora das princesas nunca poderia ser pintada como uma ameaça à posição da imperatriz, a situação era bem diferente, ou deveria ser, mas a novela tentou construir essa tensão que não se sustentava.
A questão da MATERNIDADE e MATERNAGEM foi outra coisa que foi muito mal apresentada na novela, simplesmente por colocarem no passado formas contemporâneas de ser mãe. Projetaram em meados do XIX uma maternidade idealizada dos nossos tempos, que exige que as mulheres dediquem-se integralmente aos seus filhos, ou vivam atormentadas pela culpa. No Brasil da época de Nos Tempos do Imperador, amas de leite ainda eram comuns, pais e mães, pobres ou ricos, tinham várias atribuições, além de muitos filhos tendo que se dividir entre todos eles, sem a exclusividade que famílias pequenas, mais comuns em nossos dias, podem conceder aos pequenos. As crianças pobres começavam a trabalhar muito cedo e tinham pouco acesso a uma educação formal, isto é, frequentando uma escola. As crianças ricas, ou de famílias que prezavam pela educação europeia, sequer tomavam suas refeições com os pais, que podiam viajar por meses, às vezes deixando filhos e filhas para trás com governantas, ou em colégios internos. Isso era o normal, não era demonstração de falta de cuidado, ou afeto. Algo diferente disso é que era surpreendente.
Algo que me incomodou muito foi a Condessa de Barral ser escolhida como modelo de péssima mãe, logo ela que demorou dezenove anos para conseguir ter um filho, e foi esse seu drama pessoal lhe deu condições de ajudar a princesa Isabel, apresentando-lhe médicos europeus que puderam auxiliá-la com seu problemas de fertilidade. A Condessa também educou muito bem seu único filho, que frequentava a Quinta e convivia com as princesas quando criança. A novela a apresentou como uma mãe negligente, que colocou o amante em primeiro lugar (*mesmo negando isso*), e mostrou o colégio interno na Europa como uma espécie de abandono, quando, na época, isso significava o contrário, era a melhor educação possível.
Quando o menino volta com a mãe para o Rio, a novela coloca a Barral como uma egoísta que não conseguia, nem se esforçava, por compreender os sentimentos do garoto. Na verdade, ela tentou manipular os sentimentos do próprio filho, como fazia com várias outras personagens da novela. Curiosamente, a Barral real parecia ser manipuladora e até intrometida, ou, pelo menos, é isso que fica de algumas cartas de membros da família imperial e da fofoca, que foi aproveitada na novela, de que a Barral teria, sim, interferido na troca de noivos que as princesas fizeram. Essa informação vi em um vídeo de um canal monarquista (*que esqueci qual é*) e está em um livro escrito por um bisneto da princesa Leopoldina, o que indica que é uma história que circulava dentro da família Saxe-Coburgo e Bragança.
Clemência foi a outra das péssimas mães da novela. Poderiam ter usado a personagem para uma série de coisas, como discutir como as mulheres comuns se sentem solitárias na sua função de maternar, ou que nem todas nós desejamos ser mães, ainda que aceitemos essa função para agradar marido, ou a sociedade. O problema é que Clemência abandona os filhos com um pai que era ainda pior, mas, ao voltar, entra em uma disputa com Vitória pelas crianças, quando, na verdade, estava era tentando recuperar seu macho perdido. Mesmo o tratamento excelente que a maternagem recebeu no caso de Vitória, ficou perdida com o retorno de Clemência.
Falando das princesas, Leopoldina poderia ter sido usada para discutir perda gestacional, um tema importante, mas pouquíssimo abordado, e como o elo entre as irmãs era forte, porque há uma carta muito tocante que a princesa escreveu para Isabel contando o que havia acontecido. Preferiram ignorar o fato de Leopoldina ter perdido a primeira gravidez, além de não mostrarem seus filhos na novela, e transformar a princesa Isabel em paranóica e invejosa. O drama da princesa Isabel era pesado, pois ela precisava ter filhos, era fundamental para ela como mulher e como herdeira do trono, mas a personagem e seu marido foram construídos para serem irritantes e infantis.
O FIGURINO da novela foi outra decepção. Beth Filipecki, que assina a novela, é uma das grandes profissionais da área e acredito que nunca tenha errado antes, mas, aqui, não tem como dizer que a coisa funcionou. Ela usou do mesmo recurso de Orgulho & Paixão para marcar as personagens femininas, na qual era algo no estilo princesas da Disney, assim, ela escolheu uma cor base para todas as suas roupas. No caso de Nos Tempos do Imperador, temos o verde para a Condessa de Barral, o amarelo para Pilar, o azul do manto de Nossa Senhora para a Princesa Isabel. Ficou monótono, exagerado em certos momentos. Fora isso, as personagens passavam capítulos e mais capítulos com a mesma roupa, mesmo que, dentro da trama, tivessem passado dias, a falta de cuidado com esses detalhes foi assustadora.
E não adianta vir falar em pandemia, isso é desculpa, a Globo não quis foi investir mesmo e houve desleixo na direção da trama. Com o acervo que a emissora tem, bastava pegar algo de outras tramas e modificar. Ou fazer vestidos que fossem desmontáveis, com a blusa podendo combinar com várias partes de baixo, por exemplo. Algo a se pontuar, também, é que roupas que a Barral, a personagem com o melhor figurino, usava em 1856-57, ela continua usando, ou volta a usar, em 1869. A moda mudou e isso é fácil de descobrir. De novo, bastava adaptar roupas pré-existentes.
E não estou reclamando do fato do figurino ser para-realista, isto é, ele tem o pé forte no figurino da época da novela, mas se permite alguma criatividade. Eu não estou cobrando, portanto, fidelidade, mas apontando que o que fica bem em uma novela que não se propõe a ser realista (Orgulho & Paixão) pode não dar certo em uma trama que tem uma proposta diferente. E quem mais foi prejudicada com essa escolha absurda de uma cor única, foi a imperatriz, que só usa azul marinho, preto, cinza escuro, nem eu mesma sei, quando pelos quadros de época ela aparecesse em cores vibrantes. A Teresa Cristina idosa é que vai optar pelos tons escuros. E é tudo para marcar que, diferentemente da Barral, a imperatriz é sem graça, sem gosto para a moda, sem refinamento. Agora, a graça é que quem sempre parece ter se vestido com cores escuras foi a Barral, mas a novela decidiu voar.
As PAUTAS SOCIAIS MAL UTILIZADAS também foram um problema durante TODA a novela, pois, normalmente, sua inserção não era orgânica e parecia algo colocado lá, ou por falta de história, ou para forçar uma identificação com os nossos dias. Em alguns momentos, a coisa ficou pior, porque gravaram cenas de impacto, como quando Guebo deveria ser asfixiado pelo delegado Borges, lembrando o caso George Floyd, mas decidiram retirar a cena por ser muito violenta. OK, mas deixaram cacos nas cenas posteriores, como se estivesse, porque estava, faltando um pedaço. Seria melhor, como decidiram retirar, rever os diálogos das outras cenas, mas ninguém parece ter se preocupado com isso.
No penúltimo capítulo, D. Olú decidiu liderar uma greve de escravizados e libertos, que eu APOSTO que não terá repercussão no último capítulo, foi só para passar um engajamento que a novela NUNCA professou, fora, claro que sair gritando BASTA nas ruas não vai acabar com a escravidão e é interessante lembrar que houve, sim, pelo menos uma greve de escravizados de ganho, isto é, os que trabalhavam nas ruas e entregavam parte de seus ganhos ao senhor. Esta greve ocorreu em Salvador, em 1857. Deve ter servido de leve inspiração para mais esta pauta social mal aproveitada da novela.
Outros exemplos de mau uso de pautas sociais relevantes foram: A criação do casal Clemência e Vitória, aparentemente, por não terem mais o que fazer com elas e a introdução daquele discurso de "o mundo terá que nos engolir". De resto, foi tudo muito abrupto e não ajudou em nenhuma real discussão sobre diversidade e que fique claro que isso nada tem a ver com o talento das atrizes. Aliás, elas tiveram algumas cenas muito boas, mas tudo foi muito abrupto e mal explicado.
Tonico foi inspirado no atual presidente e durante toda a novela frases e atos do atual presidente foram associadas ao vilão. Alimentaram a ideia de que ele seria punido com a prisão para, no fim de tudo, criarem um ridículo "quem matou". Apesar do discurso lavajatista, com a demonização da política e tudo mais, os autores optaram por um final beeeeeeem convencional. Vi reclamações sobre as referências aos nossos dias tornarem a novela datada, ora, esse tipo de coisa é comum nas telenovelas, a questão é sempre o talento em inserir as discussões na trama para que as referências, pelo menos de forma geral, consigam ser compreendidas em reexibições da trama. Não sei se serão, mas não é por estarem lá, mas pela falta de talento mesmo para inseri-las.
Querem ver? A epidemia de cólera foi colocada para fazer uma analogia com a pandemia do COVID-19. Me pergunto se com toda a desgraça que estávamos vivendo, ver essa discussão na novela teve alguma função realmente pedagógica, ainda mais vindo já no segundo ano da pandemia. Foram capítulos torturantes e ainda houve a morte de uma personagem querida, Batista, que não precisava ter acontecido, ou, pelo menos, não da forma como foi.
Já a permanência de Dolores em uma instituição psiquiátrica por obra do vilão, gerando algumas sequências bem angustiantes e cruéis, também não teve nenhuma função didática não produzindo nenhuma sequela na mocinha, que ficou encarcerada por dois anos. Tudo foi tratado de forma muito displicentes, quando poderiam ter aproveitado para discutir a questão manicomial. Da mesma forma, a violência imposta à mocinha pelo marido não foi alvo de grandes reflexões. O estupro conjugal não foi discutido, mesmo que não fosse crime à época, passou em brancas nuvens servindo simplesmente para ilustrar a via crúcis da mocinha. Eu realmente tive esperanças que o casamento entre Tonico e Dolores fosse consumado, que o vilão ficasse incapacitado de alguma forma, talvez por uma praga, como em Os Pilares da Terra. Já a cena na qual Tonico bateria em Dolores, que poderia ser somente sugerida, sem ser mostrada, foi cortada por medo de que a audiência ficasse ao lado do vilão. Como, eu não sei.
Concluindo, porque a coisa já se estendeu demais, a representação de duas personagens históricas, em especial, foi muito problemática. D. Pedro II, que eu temia que acabasse sendo endeusado, foi pintado como um sujeito egoísta, insensível em relação às necessidades de sua família, que não gostava de trabalhar e ainda era um banana, especialmente, se comparado com Solano López. Aqui, o pior, todo o discurso lavajatista contra a política tradicional veio embalada na ladainha de que D. Pedro, o da novela, poderia salvar o país se não existisse parlamento, ou leis que o deixavam de mãos atadas. Por exemplo, D. Pedro teria feito a abolição, se o deixassem.
Se Pedro II passou por preguiçoso e insensível, Isabel, uma mulher, foi pintada como histérica e mimada, além de ingênua, porque não via o que estava diante de seu nariz, o escandaloso adultério do pai dentro da própria Quinta da Boa Vista. A dor da princesa, que desejava e precisava ser mãe, foi transformada em uma obsessão doentia que transbordou para uma rivalidade inexistente com a irmã. Poderiam ter investido em sororidade, mas preferiram envenenar a relação das duas. Não preciso ser monarquista para ver uma grande injustiça na representação de D. Pedro, um estadista, um homem que trabalhava demais e dormia de menos, alguém que envelheceu além dos dias vividos por ter assumido uma carga pesada desde a infância, com o preguiçoso, que agia como adolescente apaixonado e egoísta. Da mesma forma, preocuparam-se demais em não apresentar a Isabel Redentora, e acabaram por manchar a imagem da princesa, tornando-a uma criatura insegura, mimada e chata. Você veria uma novela sobre a Princesa Isabel de Nos Tempos do Imperador? Eu não veria.
Enfim, Nos Tempos do Imperador foi uma novela com uma trama central muito rarefeita, medíocre e com muitas pontas soltas. Na reta final, os autores ainda utilizaram dois dos clichês bem rasteiros, o sequestro, neste caso do filho da Condessa, Dominique, foi levado pelo vilão, Tonico Rocha, e o "Quem matou?", com o assassinato da personagem de Alexandre Nero, e tudo em um combo super rápido. Enquanto isso, deixaram de esclarecer pontos importantes, como se a irmã de Samuel estava viva, ou morta de verdade, e o segredo que o pai de Pilar e Dolores não conseguiu revelar no seu leito de morte.
Também queria pontuar outra coisa que aconteceu na quinta-feira, Lupita, que foi interpretada por Roberta Rodrigues, se despediu ontem da novela com uma CARTA. Eu sabia que ela tinha tido COVID, que isso aparentemente fizera com que o seu final fosse alterado (*final que parecia ser ruim, diga-se de passagem*). Quando comentei no Twitter, me enviaram esta matéria da Folha: Globo recebe denúncia de racismo nas gravações de 'Nos Tempos do Imperador'. Sim, ao que parece, atores e atrizes negros da novela denunciaram tratamento desigual. A mesma pessoa que me passou o link, recomendou ir até o Instagram de Roberta Rodrigues e de Dani Ornellas (Mãe Cândida). Enfim, Roberta Rodrigues afirmou que seu final nada teve a ver com o COVID. Espero que tenhamos mais detalhes desse rolo em breve.
O que fica de Nos Tempos do Imperador, pelo menos para mim, é esse gosto amargo na boca e essa sensação de que a novela foi um fiasco tanto ao tentar discutir temas sérios, quanto no esforço de ficcionalizar a História do Brasil. Como escrevi em outros textos, espero que a Globo não arrisque fazer a terceira novela proposta por Alexandre Marson e Thereza Falcão. E peço desculpas pelo atraso do texto. Só o publiquei mesmo, porque estava quase terminado.
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