Acabei de assistir O Processo (The Trial), documentário sobre os trâmites do impeachment da presidenta Dilma, ocorrido em 2016, disponível na Netflix. É um filme lento, um tanto cansativo, a abertura com os deputados votando "sim" e "não" é uma tortura, olhar para a cara do Eduardo Cunha me causa asco, mas é uma importante exumação do golpe parlamentar sofrido pela presidenta. Golpe, sim, porque apesar do cuidado de dar uma aparência de legalidade, de manutenção do devido processo legal, a forma não consegue esconder os interesses em jogo no processo de derrubada de Dilma Rousseff, e em alguns momentos a farsa se mostrava em toda a sua grandeza, afinal, ponto de partida da acusação eram mentiras.
O filme acompanha as personagens que tomaram parte no processo. Vemos várias reuniões, ligações telefônicas e outros encontros. Em uma dada reunião de políticos do PT, advogados, pessoas reais que estão na vida pública até nossos dias, alguém aponta que, depois de Dilma, o próximo objetivo será encarcerar Lula obstruindo o PT nas eleições presidenciais de 2018. Mais adiante, Lindbergh Farias, então senador pelo PT, confronta Janaína Paschoal, a advogada de acusação, acusando-a de ser muito bem remunerada pelo PSDB e, não, movida por idealismo e sentimento de dever, de fazer política e que ainda a veria candidata à deputada federal. Ele quase acertou, ela saiu deputada estadual e deve tentar ser federal somente agora, em 2022. Há também uma discussão com um representante das rádios comunitárias, ou de outro movimento popular, acusando o PT de se afastar das bases, de agir para reprimir e alienar esses grupos e que foi isso que tirou a sustentação do governo petista. Gleisi Hoffmann, então senadora, fez cara de paisagem e, bem, no geral, o PT continua fingindo que não errou até hoje, infelizmente.
Do lado da então oposição, especialmente, o PSDB, há a fala de que o impeachment nasceu espontaneamente de movimentos populares de rua, sem nenhuma intervenção midiática, ou de potências estrangeiras. Em dado momento, um dos senadores do PSDB diz que o movimento era apartidário, movido somente por ideais patrióticos e por um Brasil melhor. Falácia, mas fato é que havia gente na rua, mais gente pelo impeachment do que contra ele, mas o filme mostra mais o tribunal do que as ruas, não sentimos ao longo da película esta pressão que, quem assistiu os acontecimentos que se desdobraram desde 2013, percebeu muito bem. A graça toda, ou a desgraça, é que o PSDB, que não quis esperar 2018 para vencer no voto, derrubou Dilma, mas não colheu os frutos de todo o esforço e está se autodestruindo desde as últimas eleições presidenciais.
Importante perceber no filme a atuação de Roberto Requião e Kátia Abreu, que foram contra seu partido à época, o MDB, e se colocaram contra o golpe. Ambos foram muito importantes, ele por manter a coerência do discurso ao denunciar o golpe quando este estava em andamento e Kátia Abreu (*gosto dela, me julguem*) por mostrar sua fidelidade pessoal à presidenta até o fim. Eu já escrevi que gostaria de ter Katinha como amiga, nunca como inimiga. E, sim, não se deixa de falar que o golpe foi também misógino, pois Dilma era atacada pela mídia por não se mostrar maleável, como uma mulher deveria ser, e renunciar, por não chorar e, ao mesmo tempo, pintada nas capas de revista como desequilibrada e indigna de governar. Compare com o tratamento que a grande imprensa dá ao atual presidente, não se trata somente de preferência política, é questão de gênero. Nas poucas aparições de Dilma, a mais importante a que ocorre no seu depoimento, a presidenta se mostra firme e destemida.
Há um confronto seu com Simone Tebet (MDB), que foi tão importante na CPI da COVID, que mostra a fragilidade da senadora em questões de economia, o que pode ser comprovado em um do canal da Gabriela Prioli. Tebet, que almeja ser presidenta, continua apoiando a Lava à Jato e se desculpou publicamente com Collor pelo seu impeachment (*foi na CPI, eu assisti, mas não achei link para matéria*), visto por ela como golpe, mas para Dilma nenhuma palavra de retratação. Dilma errou, não era pessoa talhada para a função de presidente, mas era e continua sendo muito corajosa. De resto, o PT continua cego para uma série de críticas válidas que aparecem de relance no documentário.
Dilma participa pouco, os protagonistas são os políticos e advogados e, diferentemente de Democracia em Vertigem, a diretora Maria Ramos se mantém distante, sem intervenções de sua voz para não guiar ou direcionar os nossos sentimentos. São usados letreiramentos secos e só. Claro, isso não pressupõe neutralidade, nem ninguém acredite que é dever de um documentário sê-lo, trata-se de uma seleção de falas, mas estamos depois da Vaza-Jato, da prisão ilegal de Lula, de toda a obra de destruição promovida a partir do governo Temer de nossos direitos trabalhistas e da soberania do país, com o genocídio da COVID-19 ainda em andamento. O filme só não teve como antever, porque houve quem denunciasse as reais intenções do processo contra Dilma, o genocídio, o resto estava já antecipado.
O que o filme de Maria Ramos mostra é que o resultado já estava dado antes mesmo do processo chegar ao fim, na verdade, antes de seu começo. Se ele não nos toca, seja para gostar, ou desgostar, como no caso de Democracia em Vertigem, ou não nos faz chorar, ele impacta de outra forma. De resto, é curioso que até hoje há quem faça malabarismos para provar que não houve golpe, ou justificá-lo dizendo que presidente sem sustentação política deve cair. Bem, não é isso que está na constituição, mas, sim, uma presidenta foi derrubada sem crime cometido e temos aí o resultado do processo. Ao terminar, o documentário expõe em dois parágrafos de texto que todas as reformas e medidas de Temer foram previstas durante o processo de impeachment. Dilma era o obstáculo e ela foi tirada do caminho.
P.S.: Quem quiser comentar apontando qual a lei sustenta o impeachment de Dilma, o comentário será postado. Se for simplesmente para dizer que se pode derrubar governo por ser impopular, escreva seu próprio post, no seu próprio blog, aqui, eu não publico essas obviedades golpistas. E não importa o quão bem escrito esteja o comentário. Presidente impopular deve ser tirado pelo voto. Simples assim. Deveria funcionar para quem eu gosto e para quem eu não gosto. E eu sou a favor do direito à reeleição para presidentes, governadores e prefeitos, inclusive para quem eu detesto. O crivo é o voto, não micareta golpista. Obrigada!
1 pessoas comentaram:
Olá! Concordo com tudo que escreveu e não sabia sobre esse documentário. Vou assistir.Ana Luiza
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