Acabei de ler que o grande ator Sidney Poitier teve sua morte comunicada hoje. Não há maiores detalhes. Ele tinha 94 anos, uma longa vida e uma carreira de muitos sucessos, e foi reconhecido por seu talento ainda na juventude. Foi o primeiro ator negro a receber um Oscar de Melhor Ator, em 1963, por Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field). Engraçado é que quando falei da morte dele para a minha mãe, ela não reconheceu o nome, mostrei a foto e ela prontamente falou "Aquele do filme das freiras?". Sim, ela lembrou exatamente do filme que lhe deu o prêmio, eu pensei que falaria Ao Mestre com Carinho (To Sir with Love, 1967), que é a minha primeira lembrança dele como ator. Curiosamente, eu ainda não vi o filme das freiras, apesar de já ter lido um tanto sobre ele, ter assistido ao vídeo do Oscar de Melhor Ator daquele ano e saber de como o prêmio de Poitier foi importante.
Poitier teve nasceu em Miami, durante uma viagem de seus pais, que eram das Bahamas. Cresceu nas Bahamas e retornou aos Estados Unidos, mas não suportou o racismo institucionalizado da Flórida, rumando para Nova York. Lá, ele teve dificuldades por causa do sotaque e treinou a voz imitando locutores de rádio, sua carreira deslanchou, sempre que possível fugindo dos papéis estereotipados para negros, tornou-se o ator mais popular dos Estados Unidos no final dos anos 1960, segundo o Diário de Notícias. Acredito mesmo que por ter feito três filmes importantes em 1967, No Calor da Noite (In the Heat of the Night), Adivinhe quem vem para Jantar (Guess Who's Coming to Dinner) e Ao Mestre com Carinho, acabou ficando de fora da corrida do Oscar. Poitier, que militava na causa dos direitos civis, uma vez disse que “sentia como se estivesse representando 15, 18 milhões de pessoas a cada movimento que eu fazia”.
Adivinhe quem Vem para Jantar é um filme importantíssimo, não que os outros não sejam, porque mostra um professor universitário bem sucedido que namora uma jovem branca de família rica e liberal (*no sentido político e dos costumes*) e que ao ser apresentado aos pais da jovem expõe o racismo internalizado dos sogros. É um filme que navega entre a comédia de costumes e o drama, porque ele é tenso em alguns momentos e inverte completamente as hierarquias raciais e socioeconômicas com um homem negro mais velho e melhor posicionado intelectualmente e mesmo financeiramente que a mulher branca. Foi o último filme de Spencer Tracy e deu mais um Oscar para Katharine Hepburn. Vi este filme faz mais de vinte anos, acho, e preciso revê-lo.
O único filme de Poitier que tem resenha no Shoujo Café é Quando só o Coração vê (A Patch of Blue, 1965), um grande drama que mostra a relação entre um homem negro, bem educado, com uma boa profissão, e uma moça branca, deficiente visual e abusada pela mãe e pelo avô. Curiosamente, o filme foi o maior sucesso comercial de Sidney Poitier. Diferentemente do que acontece em Adivinha quem vem para jantar, neste filme Poitier não termina com a mocinha, mas até acredito que a mensagem passada pelo desfecho pode ser lida de forma positiva, especialmente, em relação ao desenvolvimento da personagem feminina.
Enfim, lembro muito bem de Poitier em outro filme, este um dos últimos exemplares Southern Movies, centrado nas mocinhas ricas e belas do Sul antes da Guerra de Secessão. Poitier, lindo e jovem, era o filho adotivo de um ex-traficante de escravos (Clark Gable), que queria limpar sua consciência. A personagem era revoltada por nunca ter sido alforriada pelo "pai", que não via razão em lhe dar a liberdade e acaba fugindo e se juntando às forças do Norte durante a guerra. Ele, claro, não é o protagonista de Meu Pecado foi Nascer (Band of Angels, 1957) e o filme não é muito gentil com ele.
Agora, o último filme que vi com Poitier foi uma produção para a TV de 1995, Children of the Dust, no qual o ator interpreta um caçador de recompensas filho de homem negro com uma mulher Cherokee e que se vê como índio. Ele é contratado por negros do Sul dos Estados Unidos para guiar uma caravana até o Oeste em 1880, onde eles pretendiam conseguir se estabelecer seguindo o que estava estabelecido no Homestead Act. O problema é que os racistas também estavam indo para o Oeste e não queriam negros lá. Foi a primeira produção que eu assisti que mostrava a participação de afroamericanos na Marcha para o Oeste. Enfim, não é uma grande produção, mas a parte mais importante é a discussão sobre identidade centrada na personagem de Poitier, que descobre da forma mais violenta possível que ele é negro, mesmo que acredite que não é.
É isso. Começamos 2022 com uma perda grande, mas Sidney Poitier viveu uma vida longa, foi ator, diretor, escritor e ativista pelos direitos civis com seu valor reconhecido desde a década de 1960 Ele abriu caminho para gerações de atores e atrizes negros que não se acomodaram à personagens estereotipadas e que conseguiram mostrar seu talento e serem reconhecidos por ele.
1 pessoas comentaram:
o ex-presidente angolano Zé Eduardo... é sósia de Poitier.
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