Mais cedo, o Pro Shoujo Spain estava comemorando o lançamento do mangá Majo wo Mamoru。(魔女をまもる。), de Maki Ebishi, na França. A série, que só tem três volumes, e baseada na vida de Johann Weyer (1515-1588), médico holandês, ocultista e demonologista, considerado um dos pais da psiquiatria, porque foi a primeira voz científica (*dentro dos padrões do século XVI, claro*) a defender que boa parte dos incidentes considerados como bruxaria, ou ação demoníaca, eram fruto da ignorância, ou de distúrbios emocionais e/ou mentais, como a melancolia, que poderia abranger uma série de transtornos que são categorizados em nossos dias.
Sim, mangá josei (*poderia ser shoujo, poderia ser seinen, mas dificilmente seria shounen*) sobre um sujeito que se insurgiu contra um pensamento hegemônico da época, que criticou o Maleus Maleficarum (Martelo das Feiticeiras), manual absoluto sobre como identificar bruxas (*porque eram principalmente mulheres*) e como combatê-las. Sobre o tema, Meyer escreveu dois livros, De Praestigiis Daemonum et Incantationibus ac Venificiis (Sobre as ilusões dos demônios e sobre feitiços e venenos, 1563) e o apêndice Pseudomonarchia Daemonum (O Falso Reino dos Demônios, 1577).
Meyer testemunhou em julgamentos sobre bruxaria, no geral, defendendo as acusadas, e era consultado em casos difíceis, nos quais ele aplicou uma visão médica cética em relação às maravilhas relatadas e supostos exemplos de magia ou feitiçaria. Como um sujeito desses escapou ileso de uma condenação por parte de autoridades civis ou eclesiásticas em pleno século XVI? Bem, ele tinha um patrono poderoso, o Guilherme (1516-1592), o rico, duque de Jülich-Cleves-Berg, além de acumular outros títulos dentro do antigo Sacro Império Romano Germânico.
Guilherme foi uma figura poderosa, como seu apelido sugere, que usou de seu prestígio e riqueza para manter uma corte ilustrada em plena Contra Reforma. Não era coisa rara no Renascimento, mas era algo incomum a partir de meados do século XVI. Ele era um católico flexível, seguia as ideias de Erasmo de Roterdam, se casou com a filha do Imperador, uma Habsburgo, e educou suas filhas como católicas e seus filhos como protestantes luteranos, fé de boa parte de seus súditos. Só na corte de uma aberração como essa uma mente crítica como a de Johann Weyer poderia sobreviver e produzir em um pleno século da intolerância (*a tese é do historiador Jean Delumeau, e eu a abraço*).
Quando li Cleves no meio dessa história e vi que o duque era super poderoso, tive um clique, porque nunca tinha ouvido falar de Weyer, pois bem, o patrono do protagonista é irmão de Ana de Cleves, a quarta esposa de Henrique VIII, a única com quem ele casou sem conhecer, sem se apaixonar (*outra figura pitoresca, o rei na Inglaterra*), por mera aliança política entre nobres protestantes (*sim, Guilherme era católico, mas não tanto e a maioria de seus súditos eram protestantes.*). Quem conhece a história de Henrique VIII sabe que o casamento com Ana de Cleves não deu certo, que o rei a acusou de ser feia e desinteressante, que foi enganado. E muitos historiadores repetem essa história, apesar de fontes de época elogiando a rainha, que não tinha recebido uma educação refinada ao gosto do marido, mas era razoavelmente bonita. Enfim, mais fácil culpar a moça do que dizer que Henrique VIII estava velho e podre na época do casamento.
Voltando, não sei da qualidade do mangá Majo wo Mamoru。, mas não acho que a Glenat arriscaria publicar algo ruim, ainda mais sendo mangá feminino, sem anime, sem dorama, ou qualquer coisa que o empurre. O traço é bom, basta olhar, as imagens na internet. Não há scanlations, mas só de ler um pouco sobre a história desse médico, que não nasceu em berço rico, porque medicina não era profissão de gente realmente importante na época, mas conseguiu deixar sua marca na História, já me fez imaginar uma série, ou filme, sobre ele. É isso, mais um mangá que dificilmente aparecerão por aqui.
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