Se você caiu neste post de pára-quedas, estou fazendo pequenas resenhas diárias dos capítulos de Nos Tempos do Imperador no Instagram e no meu Facebook pessoal, a novela das seis da Globo que supostamente, sim, supostamente, tem sua trama se passando no Brasil durante o governo de D. Pedro II e a relação do monarca com a Condessa de Barral, preceptora de duas filhas, Isabel e Leopoldina. Como tinha avisado em um post anterior, quando achar que vale a pena discutir algo a mais, eu faria um post aqui. Como o capítulo 12 me pareceu um dos mais interessantes até agora e a micro resenha estava virando um texto, decidi que ia ser um post mesmo. E nao saiu ontem, porque minha filha de sete anos me convocou para ver o filme Vivo da Netflix e quer que eu faça resenha, terei que produzir outro texto mais tarde.
Enfim, houve bastante espaço para os vários núcleos no último capítulo e, o mais importante, introduziram uma nova personagem que promete ser muito bem defendida pela excelente Roberta Rodrigues e que tem potencial para se tornar uma possível antagonista para a mocinha. Lupita é seu nome e ela é uma escrava de ganho cheia de lábia que já entra na novela aplicando um golpe em Licurgo. O que era "colocar um escravo ao ganho"? Era permitir que um escravizado pudesse exercer um ofício, às vezes morar por conta própria desde que, de tempos em tempos, desse parte do que ganhava ao seu senhor. Era uma relação típica da cidade. O escravizado poderia ter maiores possibilidades de comprar sua liberdade e, em alguns casos, havia quem alugasse outros escravizados para ajudar no serviço.
A personagem de Roberta Rodrigues parece super empoderada, mas, rapidamente, ela sai de uma posição de força, para a de dominada, porque seu senhor, o policial malvado-obsessivo que persegue Samuel, o protagonista oficial da trama, quer plantá-la na Pequena África como espiã. Apesar da cena não ser explícita, fica super bem entendido que mesmo parecendo mais livre do que os escravizados de um Tonico, por exemplo, ela está à mercê de uma série de violências, inclusive sexuais. A personagem precisa descobrir informações sobre Samuel/Jorge e, como Lupita é uma personagem dúbia, ela deve render bem na trama. É o que eu espero pelo menos.
Na Pequena África, ela é recebida por Abena, que é interpretada pela ótima Mary Sheyla, que sempre se destacou em papéis de comédia, mas faz uma personagem série, uma mulher em posição de poder. Detalhe, aliás, a história da fuga das crianças rendeu um sabão em Samuel, porque usou dois adolescentes para despistar a polícia, o que pode atrair a atenção para eles. Além disso, o capítulo mostrou a participação ativa das mulheres nas decisões da Pequena África. Essa decisão do roteiro foi importante, porque em várias sociedades africanas as mulheres, especialmente, mães e esposas de chefes, participavam do conselho de governo, além disso, em alguns povos existiam guerreiras. Ainda não vi nenhuma na novela, mas quem sabe? Aliás, uma novela que mostrou muito bem essa liderança feminina foi novela Pacto de Sangue, através de Mãe Quitinha (Ruth de Souza), que comandava o quilombo.
O papel das mulheres nas fugas e outras ações contra a escravidão era importante, porque elas circulavam vendendo seus produtos pelas cidades e podiam levar e trazer informações fundamentais. Ponto fraco dessa cena na Pequena África é que ninguém falou em Zayla. A menina sumiu, a mãe deu por sua falta no capítulo anterior e não reapareceu, nem se falou no assunto. Imaginem os perigos pelos quais uma adolescente de 12, 13 anos, negra, bonita, poderia correr naquele momento. Ela poderia ser capturada e vendida como escrava, por exemplo. Aliás, D. Olu e a esposa são personagens fictícias e ele foi colocado na trama para representar outra personagem, Cândido da Fonseca Galvão (1845-1890), ou D. Obá II, príncipe africano que era amigo de D. Pedro, só que mais de vinte anos depois.
O problema é que adiantaram muita coisa que só seria aceitável dos anos 1870 para lá, para a década de 1850, como as críticas virulentas que a imprensa fazia ao imperador. Mas sobre D. Obá II (retrato-caricatura dele em um jornal abaixo), Lilia Schwarz diz o seguinte no livro As Barbas do Imperador:
"Na corte do Rio de Janeiro, bem perto do Paço de São Cristóvão, havia uma região conhecida como "pequena África". (...) lá pelos lados da Prainha, da Conceição e de Santa Rita, (...) Bem nesse local vivia uma realeza africana que se destacava por ser "amiga" do imperador D. Pedro II (...) o príncipe Obá, ou d. Obá II, reinava na "pequena África", liderando festas e rituais locais. Andava pelas ruas como se estas fossem os salões de seu palácio e, devidamente paramentado, era saudado com reconhecimento: "Obá! Ó Príncipe Obá!". Recebido regularmente por d. Pedro, Obá vestia-se, nessas ocasiões, com seu uniforme militar. [ele servira na Guerra do Paraguai] (...)" SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador - D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 285-286)
A outra citação foi mais longa e ficou por conta de Lupita. Para convencer Abena e, principalmente, D. Olu a deixá-la alugar um quarto e ficar na Pequena África, ela virou Isaura e se apropriou da história da mocinha da novela (*resenha 1 e 2*). Foi criada por sua Sinhá Gertrudes (*no livro e na novela, ela se chamava Ester*) como filha, mas quando ela morreu, seu filho, Leôncio, decidiu se impor a ela, apesar de ser casado com Malvina estava tomado de louco desejo pela escravizada. Isaura conseguiu fugir para Recife, lá conheceu Álvaro, o amor de sua vida, mas ele acabou queimado por Leôncio em uma casinha de sapê. Alguém pode dizer que era uma citação ao livro, sim e não. Na novela, Isaura foge para o interior de Minas Gerais (*se não me engano*), mas quem morre queimado na casinha de sapê, junto com Malvina, aliás, é Tobias, primeiro amor de Isaura e personagem inventada por Gilberto Braga. Álvaro foi o segundo amor de Isaura na novela. Bem, eu parei o capítulo para rir, porque foi engraçado mesmo e, bem, Roberta Rodrigues estava espetacular na cena.
Agora, algo que me causou surpresa foi descobrir que Justina ainda era escrava da Condessa de Barral e, não, uma negra forra. Claro, sei que apesar de abolicionista na vida real, assim como tantos outros, inclusive o Tobias inventado por Gilberto Braga, Barral manteve seus escravos por vários anos além do momento em que estamos na novela, mas como Justina era sua confidente, criada de casa, imaginei que ela fosse livre. Pois bem, a Barral se demitiu imediatamente depois de saber das fofocas por Pilar, algo mostrado no capítulo anterior. Decidiu ir para a França com o marido, mas não falou nada com a mocinha oficial da trama, sua empregada e hóspede, que já se matriculou em um curso de parteira, voltando atrás naquele pensamento "ou Medicina, ou nada", e estava planejando ir morar na Pequena África.
D. Olu não a aceita lá, trata-se de um lugar para negros e ela, como branca, teria chances de encontrar outro lugar mais adequado. Tudo certinho, mas a cena ajudou a revelar para Isaura (Lupita) quem é Samuel e que Pilar era sua namorada. Se os roteiristas tiverem imaginação, irão investir em um triângulo amoroso que pode render bem. Agora, o ponto baixo dessa sequência, Samuel me vem com um papo muito feio de “racismo reverso”, que a mocinha rejeita, mas não desmonta de todo. PAra Samuel, D. Olu estava sendo preconceituoso como Pilar, quando, na verdade, além de branca e moça solteira, ela é uma desconhecida e, como já atestamos, não tem freio na língua, é fofoqueira, e tem pouca consideração por aqueles que não estão dispostos a ajudá-la, ou sair do seu caminho. Como alguém bem pontuou no Twitter, ao usar uma escravizada na trama para fugir de Tonico, ela foi a perfeita encarnação do feminismo branco, afinal, o importante é que ela alcance os seus sonhos, o que poderia ser da pobre moça, pouco lhe importa.
D. Pedro passou o capítulo todo deprimido e sem compreender o óbvio para aquela época, uma esposa deve acompanhar seu marido caso ele queira, aliás, ele poderia usar a alei para obrigá-la. E, como estão pintando o marido da Barral como um traste, ele bem poderia fazê-lo, ou levar o filho criança com ele para pressioná-la. Para além dos micro chiliques de sua majestade, tivemos fofocagem de Lurdes com o Mordomo, ambos discutindo o casamento do imperador com Teresa Cristina. Ela com pena de D. Pedro, coitadinho, que nunca teve direito a uma vida (*apesar de somente o vermos na novela cuidando de sua vida privada*), o mordomo lamentando casamentos arranjados, como se fosse a coisa mais estranha do mundo.
O fato é que eles tocam em um ponto que me intriga, depois de ter sido rejeitada pelo marido, D. Pedro II consuma o casamento e o casal tem quatro filhos. Os dois meninos morrem e eles não têm mis nenhuma criança. Eu sempre me pergunto o motivo, mas, aparentemente, ninguém sabe. A maioria dos livros e outros materiais que li, quando sugere alguma coisa como um acordo entre os dois. Não teriam mais filhos (*provavelmente, nem fariam qualquer sexo*), porque o trauma da perda dos meninos teria sido grande demais. Se assim for, é algo que está mais próximo das nossas sensibilidades modernas do que do comportamento de um casal de monarcas no século XIX, ainda mais de um trono tão jovem e que, de preferência, deveria ter um herdeiro masculino. Claro, poderia ser uma aposta em netos, mas era uma aposta um tanto incerta. Espero que, um dia, alguém encontre uma carta íntima, ou entrada de diário comentando esse caso.
Retornando, o imperador recebe uma visita do Marquês de Caxias, porque Jackson Antunes precisa trabalhar, e os dois, obviamente, não vão discutir assuntos de estado, mas a Condessa de Barral, enquanto treinam esgrima. Caxias, promovido a confidente amoroso do imperador, diz que a partida dela é o melhor. O imperador nãos e dá por vencido, porque está apaixonado e tem que ter aquela mulher. A grosso modo, me lembrou a cena-chave inventada para a minissérie Orgulho & Preconceito de 1995, quando Darcy (Colin Firth) está trinando esgrima com um instrutor, vence a luta (*coisa que D. Pedro II não faz*) e diz a frase "I shall conquer this! I shall!" (Eu vou vencer/superar isso! Eu vou!). E, não, não estou dizendo que D. Pedro II pareça o Mr. Darcy, ou que Colin Firth tenha algo a ver com Selton Mello. Enfim, D. Pedro II vai sozinho, à noite, ou de madrugada, para a janela da Condessa que, claro, teve um pressentimento e aparece no exato momento. Olhinho inchado de chorar, cabelinho esvoaçante, uma graça! Só faltava a serenata. Aliás, abençoado capítulo! Além de somente uma cena como Germana e Ligurgo, não tivemos cantoria nenhuma.
Concluindo, a trama de Tonico com o Coronel Floriano, que deveria ser o ponto alto do capítulo, terminou sendo eclipsado pelo furacão Roberta Rodrigues. Ainda assim, claro, o vilão, que é engraçado, moderadamente inteligente e mau, rendeu boas cenas. Resta saber se depois de conseguir se lançar candidato mediante chantagem, vai se livrar de Jerusa, esposa ninfomaníaca de Floriano. Aliás, seria ótimo se ele chegasse dado uns tiros logo no início do próximo capítulo. Cairia muito, muito bem. É isso. Próximas resenhas lá no Instagram ou no Facebook.
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