sexta-feira, 30 de julho de 2021

Coreana ganha três medalhas para o seu país, mas é ostracizada por usar cabelo curto

Escrevo pouco sobre Coreia do Sul, porque efetivamente não quero ter que mergulhar em uma outra cultura, sociedade e por aí vai, se bem que estou querendo comentar uns quadrinhos coreanos, mas, enfim, sigamos.  Mesmo não tendo tantas informações especificas sobre a Coreia do Sul, posso afirmar sem risco de errar que o machismo atravessa as diferentes culturas, é comum a todas as sociedades patriarcais e perpetua as desigualdades de gênero, o post é sobre isso.  Pois bem, An San foi a primeira atleta de seu país a ganhar três medalhas de ouro em uma Olimpíada, seu esporte é o arco e flecha, mas o que mais se fala em seu país é do seu cabelo curto, grupos misóginos articulados a acusam de ser anti-homem, ou até um homem e que deveria devolver suas medalhas. E, o pior, esse tipo de ação articulada parece ser algo comum e, não, uma triste exceção.

Vamos lá, ainda durante a competição, os detratores estavam fazendo escândalo em seu país.  A jovem atleta de 20 anos e seu técnico disseram aos repórteres que só responderiam questões relativas aos jogos.  Dentro da Coreia, houve apoio à An San e estão cobrando a federação do esporte que se posicione de forma clara a favor dela.  Sim, a fonte de tudo é o corte de cabelo curto da moça.  E, não, isso não é cultural, é uma expressão do crescimento da misoginia e de como a internet consegue criar grupos de pressão contra minorias e, se encontra terreno fértil, caso que parece ser o da Coreia do Sul, as coisas podem escalar para situações absurdas e humilhantes para as mulheres.


Encontrei uma matéria de hoje no New York Times falando do crescimento desses grupos misóginos anti-feministas na Coreia do Sul e de como eles tornaram a vida de uma publicitária, casada, mãe, não envolvida com qualquer movimento feminista, e que trabalha para a gigante GS25, um inferno.  Ela fez uma campanha sobre acampamento ao ar livre e que mostrava uma salsicha, o aparente produto, com uma mão com os dedos em pinça.  Grupos misóginos identificaram o sinal e a propaganda como um todo um deboche com os homens.  Os dedos em pinça indicando um órgão sexual pequeno.  Sim.  Ameaçaram boicote por isso.  A funcionária veio à público se desculpar, mas não foi suficiente, a empresa a puniu e fez desculpas formais.  Segundo o NYT, esse tipo de ação coordenada contra qualquer coisa que ofenda a frágil masculinidade dos homens vem se tornando comum e os recuos, também, inclusive do governo. Agora, vou citar um trecho da matéria do NYT.  Posso traduzir tudo, se vocês quiserem.

"A Coreia do Sul pode ser considerada internacionalmente como uma potência econômica, tecnológica e cultural, mas essa reputação esconde o pouco poder que confere às mulheres. A disparidade salarial por gênero é a mais ampla entre as economias mais avançadas, com 35%, e o recrutamentos de empregos sexistas são abundantes. Mais de 65% das empresas listadas na Bolsa de Valores da Coréia não têm mulheres executivas. E o país é consistentemente classificado pelo The Economist como tendo o pior ambiente para mulheres trabalhadoras entre os países da OCDE.

As mulheres reagiram, montando o que poderia ser considerado o movimento MeToo de maior sucesso da Ásia. Mas o acerto de contas colocou a sociedade em um estado de alta tensão: a Coreia do Sul ficou em primeiro lugar entre os 28 países pesquisados ​​pela Ipsos este ano em conflitos entre os sexos.

Agora, na corrida para a eleição presidencial de março de 2022, o partido conservador de oposição do país parece estar planejando um renascimento explorando essa divisão. No mês passado, Lee Jun-seok, um cruzado pelos direitos dos homens que amplificou a acusação de ódio aos homens contra o GS25, foi eleito líder do Partido Poder do Povo, de direita. Argumentando que os jovens de hoje são alvos de "discriminação reversa", espera-se que Lee exerça uma influência considerável no partido e angarie um grande apoio para seu candidato. (O Sr. Lee tem 36 anos; os candidatos devem ter pelo menos 40.)

O Sr. Lee explorou um poço profundo de ressentimento entre os jovens que dizem ser vítimas do zeitgeist. Sua afirmação característica é que a disparidade de gênero é exagerada e as mulheres recebem tratamento especial demais. Ele fez pouco caso das mulheres jovens que protestaram contra a discriminação acusando-as de terem uma "mentalidade de vítima infundada" e quer abolir o ministério da igualdade de gênero. O clima político tóxico que ele criou pode colocar em risco muitas políticas favoráveis ​​às mulheres, como a contratação de mais mulheres para cargos de chefia e o combate à violência de gênero, independentemente de o atual Partido Democrático do presidente Moon Jae-in ser destronado.  Mas Lee tem motivos para estar confiante: na eleição para prefeito de Seul, em abril, cerca de 70% dos homens na casa dos 20 anos ou menos votaram no candidato conservador - quase o mesmo que os votos conservadores de homens com 60 anos ou mais.

À medida que a resistência contra as mulheres se intensifica, a excitação sentida pelas feministas millennials que impulsionam o movimento recente foi substituída por medo e desespero. Mulheres me disseram que se sentem sufocadas, ansiosas para não enfurecer as massas online. Outra designer comercial, em uma tentativa tragicômica de evitar o gesto de pinça com os dedos, me disse que estava pensando em usar pauzinhos para apontar para produtos. Uma escritora freelance disse que removeu todos os trabalhos relacionados ao feminismo de seu portfólio.  Embora muitas das mulheres com quem conversei se sintam sitiadas e isoladas, elas estão determinadas a seguir em frente."

Torço para que esse retrocesso consiga ser segurado de alguma forma, porque, ao que parece, a situação parece ser muito ruim, até pelo nível de agressões que as mulheres vem sofrendo, caso da campeã do arco.  É isso. Essas Olimpíadas têm oferecido suas doses de machismo, racismo, homofobia e outras coisas tenebrosas, mas esse caso me parece o mais insano e é mais uma demonstração de que a misoginia é algo tão profundo que os feitos das mulheres, mesmo que revertendo para o progresso do país, da economia, o que seja, pouco importam, porque o ideal é que elas permaneçam em silêncio e submissão.

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