Todo ano a gente lê matérias sobre o quanto os jurados do Oscar estariam descolados do que seria a maioria da sociedade dos EUA, sim, apesar de acidentes como Parasita, não se enganem, é uma premiação do cinema norte americano e para o cinema norte americano. O motivo das críticas sempre reside no aspecto da diversidade, pois a maioria dos jurados são homens brancos, ricos e velhos. Mesmo com os lobbies dos estúdios, geralmente fica evidente o quanto esses homens preferem indicar homens, histórias sobre homens (*brancos*), quando se trata das atrizes indicadas, elas tendem a ser brancas, também, às veze em duplicidade, ignorando colegas não brancas que tiveram desempenho elogiado e aclamado por crítica e público. Para cada ano com mais diversidade, temos outro que beira o fundo do poço. Tenho acompanhado o Oscar desde a minha adolescência e leio sobre a história do cinema, então, eu tendo a não me surpreender. Estabelecido isso, vamos para a noticia.
Um jurado afirmou que não iria assistir ao filme independente Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Never Rarely Sometimes Always). Dirigido e roteirizado por uma mulher, Eliza Hittman, o filme discute gravidez na adolescência e aborto. Uma adolescente do interior da Pensilvânia engravida e em seu estado não pode abortar sem a autorização de seus pais. Ela parte para Nova York, onde é possível fazer o procedimento sem que os responsáveis assinem e, claro, fiquem sabendo. O filme fui muito bem recebido em vários festivais que premiam o cinema alternativo, trata-se de uma história sobre uma jovem mulher, feito por uma mulher e que deve ter montes delas na produção. É um assunto atual e o Oscar já cumulou de indicações e premiou um filme sobre o mesmo tema antes, Juno, só que se tratava de um filme alinhado com as ideias pró-vida.
Voltando ao jurado, o cineasta Kieth Merrill, vencedor de um Oscar em 1973 pelo documentário "The Great American Cowboy" e indicado em 1997 pelo curta "Amazon". Ele tornou público o seguinte: "Recebi o filme, mas como cristão, pai de 8 filhos e avô de 39 netos E ativista pró-vida, eu tenho ZERO interesse em assistir a uma mulher cruzando fronteiras para alguém assassinar seu filho. (...) 75 milhões de nós enxergamos o aborto como a atrocidade que é. Não tem nada heroico sobre uma mãe se esforçando tanto para matar seu filho. Pense nisso!"
A diretora ficou indignada e fez um post criticando o óbvio, que "(...) a Academia ainda é infelizmente monopolizada por uma guarda velha, branca e puritana." Se ela estiver usando "puritana" como sinônimo de hipócrita, concordo integralmente. O fato é que a matéria que uso por base explica que os julgadores de melhor filme não precisam assistir todos os pré-concorrentes, por isso mesmo, há todo um esforço de marketing, lobby e tudo mais feito pelos estúdios para que os seus filmes fiquem em evidência, sejam assistidos. Imagino mesmo que é muito filme para se assistir. Partindo disso, alguém poderia afirmar que é direito dele não assistir ao filme. Sem dúvida é, porém, ele não foi ético em divulgar essa informação, ainda mais para fazer campanha de suas crenças pó-vida. Como ele inicia sua afirmativa dizendo-se "cristão", pergunto-me se ele boicota qualquer filme que vá contra os princípios de sua fé, ou somente quando tratam de aborto sob uma perspectiva feminina.
Bastava não assistir e não falar nada, agora, se ele vem à público dizer essa groselha toda, ele compromete a premiação, que já é muito criticada, e expõe o quão sem noção são os sujeitos que avaliam os filmes, porque eles não são indivíduos escolhendo o que assistir com a família no sábado à noite, mas jurados. Eu, no meu blog, resenho aquilo que quero, afinal, o tempo e dinheiro investidos são meus. Agora, se estivesse sendo convidada a julgar uma seleção de filmes, eu teria que sentar e assistir todos com atenção, avaliando-os a partir de critérios razoáveis.
Um filme pode ser muito bom e não estar de acordo com nossos padrões de comportamento, nossa moral sexual, ou religiosa. Agora, é interessante, repito, vir fazer esse tipo de exibição de virtude justamente com um filme dirigido por uma mulher, sobre temas que são importantes para a militância feminista e dos direitos das mulheres. De resto, a questão aqui não é ser pró ou contra o direito de aborto e as regras atinentes a ele em estados diferentes dos Estados Unidos, mas a atitude absurda do jurado e como esse tipo de comportamento compromete a qualidade da premiação. Usando um cara desses como modelo, é possível entender como Green Book levou melhor filme em um ano com concorrentes muito superiores tratando sobre o mesmo tema, o racismo estrutural. Ganhou, porque é confortável para esses homens brancos, velhos e ricos que dominam o quadro de jurados do Oscar.
1 pessoas comentaram:
Homens brancos, velhos e ricos.... "pró-vida"....
parece 1 "puxadinho" das igrejas ou de certos governos (reaças) em Hollywood..
Postar um comentário