Um dos casos mais importantes do momento são as denúncias contra o diretor Marcius Melhem de assédio sexual e moral contra mulheres, atrizes que trabalhavam com ele e subordinadas a ele. Por isso mesmo, ele vai representar dois dias desses 16 dias de campanha pela eliminação da violência contra as mulheres. Melhem revolucionou a área de humor da Globo, revitalizando o moribundo programa Zorra Total e criando uma versão moderna e com um humor que agradou público e crítica. Enfim, a matéria da Piauí que caiu como uma bomba entrevistou 43 mulheres, duas vítimas de assédio sexual de Marcius Melhem, sete vítimas de assédio moral e três vítimas dos dois tipos de assédio, o sexual e o moral.
A atriz Dani Calabresa, uma das estrelas do Zorra, levantou sua voz publicamente, mas a maioria das outras vítimas pediu anonimato. Motivo? Temem perseguição e que suas carreiras sejam prejudicadas na Rede Globo, já que pessoas em posição de autoridade que podiam ter impedido que esses abusos acontecessem, mulheres, inclusive, não fizeram nada por elas. No caso de Dani Calabresa, Daniela Ocampo, braço direito de Melhem, lhe aconselhou que "(...) fizesse terapia e viajasse para o exterior para relaxar". Fica evidente que, para Ocampo, o problema era da atriz e o chefe estava certo em assediá-la e boliná-la. Agora, supondo-se que ela, a atriz mais importante a sofrer com esses avanços, tivesse se calado, os abusos continuariam com outras vítimas. E vejam pela foto abaixo, como o sujeito gostava de debochar dessas coisas, porque só pode ser deboche.
A matéria também comenta sobre um grupo que se formou dentro da Globo envolvendo atores e atrizes do núcleo de humor da emissora para pressioná-la a agir. Um dos nomes mais importantes, Marcelo Adnet, ex-marido de Dani Calabresa, foi declarado de omisso, quando seguiu a orientação dos advogados de evitar expressar opiniões publicamente sobre um caso que poderia colocar em risco carreiras e expôr pessoas. Mais tarde, ele declarou que“Há que se entender o seguinte. Não posso sair falando o que as vítimas me contaram em segredo. Devo a elas a discrição que me pediram, para que elas não sejam expostas.”
Adnet foi linchado nas redes por motivos políticos. Sendo um homem de esquerda, que se coloca a favor dos direitos das mulheres, que se expôs ao assumir publicamente que havia sido abusado sexualmente e fez mea culpa por ter traído Dani Calabresa quando ainda estavam casados, ele se tornou alvo da turba que não está nem aí para abusos contra mulheres, mas quer expôr a (suposta) hipocrisia dos inimigos políticos. O caso também é um prato cheio para quem quer atacar a Globo, claro. Poderia dizer com razão, mas, normalmente, o objetivo é meramente político.
E o que diz Melhem? Ele nega o assédio moral e sexual (*pode dar cadeia, né?*) e tudo mais do que foi acusado, PORÉM ele admite algumas coisas. "Fui um homem tóxico, um marido péssimo, uma pessoa que cometeu excessos ao se relacionar com pessoas do seu próprio ambiente de trabalho". Diz que se arrependeu e que gostaria de se desculpar com suas vítimas, enquanto, ao mesmo tempo, argumenta que está sendo vítima de perseguição e alvo de vingança e diz que vai processar Dani Calabresa e sua advogada, Mayra Cotta (foto abaixo), que foi procurada por um grupo de 13 pessoas, 6 vítimas e 5 testemunhas, homens e mulheres. Enfim, o arrependimento dele tem limites e continua buscando descredenciar as vítimas.
A entrevista dada por Cotta para a jornalista Mônica Bergamo aponta o modus operandi de Melhem e merece ser lida na íntegra, mas citarei somente parte dela:
Mônica Bergamo: Melhem assumiu a direção do núcleo de humor em 2018, mas há relatos de fatos de anos anteriores, quando ele não era ainda chefe. É possível dizer que houve assédio?
Mayra Cotta: Antes de se tornar chefe, ele era um dos redatores principais dos programas de humor e do “Zorra Total”. Ele tinha o poder de escalar ou não as atrizes escrevendo os papéis para elas. Mesmo não sendo chefe formalmente, tinha posição hierárquica superior. Era capaz de definir quem trabalhava e quem não trabalhava. Tinha o poder de colocar uma atriz na geladeira, por exemplo. Ou de escrever cenas em que contracenava beijando, agarrando a atriz. De usar esse poder de redator, e depois de chefe, para trazer as mulheres para a sua esfera de poder, e com isso as constranger. O homem que tem uma posição de chefia precisa entender que ele não flerta com uma funcionária em posição de igualdade. É muito difícil para uma funcionária falar não para a pessoa que a pode demitir no dia seguinte —como ele fez com algumas das que resistiram, que disseram não a ele. Não é uma escolha legítima dizer “ou você aceita ficar comigo ou eu vou prejudicar a sua carreira”. Não tem consentimento livre, ainda que as mulheres escolham entrar nessa relação.
Mônica Bergamo: Os relatos se assemelham?
Mayra Cotta: Uma coisa que me chamou a atenção, quando comecei a escutar os relatos, era a repetição. Uma mulher depois da outra, eu escutava a mesma forma de ação dele —tentar agarrar e depois falar que foi brincadeira. Mandar mensagem inapropriada. Ficar indo atrás insistentemente, perseguindo. E até caso de trancar numa sala, num banheiro, e agarrar à força. Conversei individualmente com as vítimas, extensivamente, por muito tempo. Ouvi em detalhes as histórias. Não é simplesmente um cara apaixonado, com muitos desejos. Não. É um homem que abusou de seu poder para assediar as mulheres.
A Globo retirou do ar todos os programas de Melhem, seja na TV aberta, ou no Globoplay. Também suspendeu os projetos do ator. Torço para que a justiça seja feita, mas sou da mesma opinião que o jornalista Ricardo Feltrin, por um lado, ele afirma, sem usar esse termo, claro, que a questão do abuso é estrutural, o caso Melhem é somente a ponta do iceberg e que a Globo só se posiciona publicamente sobre esses casos quando é impossível abafá-los, por outro lado, ele teme pelo futuro de Dani Calabresa na TV. Ele afirma que foram quase dois anos para que Melhem fosse afastado, quase dois anos desde a primeira denúncia de Dani Calabresa e que o ator está conseguindo passar da condição de vítima à perseguido aos olhos de alguns. Para ele, o risco maior é de Calabresa e, não, de Melhem. Bem, se observarmos a forma como a indústria do entretenimento é complacente com homens abusadores, eu não tenho como discordar.
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