Essa conversa já está rolando faz dias, mas decidi fazer um pequeno post, porque saiu matéria na Folha comentando da insatisfação de elementos do governo, em especial o presidente da Fundação Palmares, em relação à nova versão. Vamos lá, já escrevi um, ou mais posts, sobre as polêmicas relacionadas ao Sítio do Pica-Pau Amarelo antes, achei dois posts de 2010 (*1 - 2*). Apesar da desgraceira toda que aconteceu em nosso país desde então, minha opinião segue a mesma, a obra original não deve ser mutilada, deve estar disponível nas bibliotecas escolares com o acréscimo de notas de rodapé e uma introdução crítica explicando o racismo do autor.
Sim, ponto importante, Monteiro Lobato era racista e em um nível além daquele que era socialmente comum na época em que viveu. Lobato era militante e sua obra foi rejeitada nos EUA, vejam só, por esse motivo, o que o deixou furibundo. Para se ter uma ideia, Monteiro Lobato louvava a Ku Klux Klan. E segue um trecho de uma carta do autor para ilustrar: "País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos [...] Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca — mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva".
Isso vai fazer com que eu pegue a obra dele e diga "Jogue fora!". Não, mas não podemos ignorar isso de forma alguma. Com o passar do tempo, infelizmente, eu me sinto cada vez mais tentada a duvidar que muitos professores e professoras estejam habilitados a perceber o racismo do autor, por um lado, sem negar a importância do mesmo para a literatura nacional, por outro. Eu não vou romantizar minha classe profissional, tenham certeza disso. É complicado, sim.
Voltando à essa versão depurada da “A Menina do Narizinho Arrebitado”, eu achei as ilustrações muito fofas, mas, se tiver que escolher uma edição para a Júlia, optarei pela original, porque, sim, ela continua disponível. Não se trata, como muita gente, inclusive os membros do governo que criticaram parece acreditar, que a versão original será tirada de circulação. Compre a que quiser, ou não compre. Vou reproduzir as palavras de Cleo Monteiro Lobato: "A gente queria uma versão atualizada, cujo teor fosse compatível com os valores sociais contemporâneos, mas que mantivesse o estilo do Lobato (...) Nós não a desvirtuamos, porque a original continua lá, existindo e disponível. Se eu tenho a possibilidade de me posicionar de maneira positiva, eu escolho a mudança.”
Há inúmeros livros, de vários autores e autoras, que são adaptados e vendidos faz décadas. Provavelmente, há várias versões reduzidas e adaptadas de Monteiro Lobato no mercado, mas nenhuma feita pela bisneta do autor e corrigindo conscientemente as passagens racistas do original. Eu já comentei por aqui que a primeira edição de Little Women (Adoráveis Mulheres, As Filhas do Dr. March) lida por mim na adolescência não mostrava a morte da Beth. Era da coleção Elefante da Ediouro. Nem lembro mais qual o malabarismo feito, mas Beth não morreu. Quando assisti o filme de 1949, fiquei meio que em choque com a morte da menina e o sofrimento de Jo. Vejam, alguém lá nos anos 1960, 1970, achava que a morte da personagem em um livro infanto-juvenil poderia ser omitida, uma morte que era fundamental para o andamento da história. Não havia movimento social algum clamando por isso, enfim.
Voltando ao presidente da Fundação Palmares, há poucas pessoas nesse governo atual que me causem tanta repulsa. Trata-se de uma autoridade que tem particular apreço em disseminar o racismo, perseguir desafetos e descredenciar causas sociais importantes. Sua última ação a ter grande divulgação midiática, foi a desqualificação do cabelo crespo, atiçando ainda seus milhares de seguidores contra um rapaz na internet. É horrendo. E basta abrir os jornais todos os dias e ver o quanto o racismo é presente em nosso país e que não precisamos de autoridades disseminando esse tipo de comportamento social escudando-se no fato de ser ele mesmo um homem negro. Racismo é crime e deveria ser punido sempre.
1 pessoas comentaram:
Estou vendo sua discussão só agora, depois de mais de um ano ausente nas leituras aqui do blog, mas agradeço seu posicionamento, Valéria.
A maioria de nós lemos obras, como você mesmo mencionou, reeditadas e nem sabemos o que pode ter mudado em relação a obra original mas nem por isso deixamos de ler. Quem tem interesse em pesquisar e ler ambas as versões, que o faça. Quem optar por uma delas, que o faça. O que não havia era necessidade dessa figura, colocada para presidir a Fundação Palmares e outros adeptos de ideias do mesmo naipe que ele, fazerem críticas a algo que em nada fere o direito de escolha no interesse literário social, e que se trata de uma decisão que coube estritamente aos descendentes do próprio autor da obra, e não dele. Muitos que criticaram nunca devem sequer ter se importado em ler Monteiro Lobato, principalmente com a facilidade que as adaptações televisivas do Sítio do Pica-pau Amarelo trouxe.
Nem é preciso dizer o quão estúpido foi da parte dele fazer uma crítica negativa a essa versão editada da obra. Se ainda pudesse estar vivo, Monteiro Lobato nem teria simpatia pelo presidente da Fundação, ainda que ele estivesse em sua defesa.. -.-
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