O Sora News trouxe uma matéria curiosa e preocupante para o Japão. O número de alunos de doutorado no país alcançou índices bem baixos, praticamente metade do que era em 2003, ano em que houve um pico de alunos em programas de doutoramento. Alguém pode perguntar “e daí?”. Enfim, nenhuma nação consegue progredir, ou manter seus índices de desenvolvimento na área científica sem pesquisa e pesquisadores. Fora isso, a fuga de cérebros é um dos resultados da falta de investimento em pesquisa de ponta. Isso, claro, sem falar em mentes brilhantes que são desperdiçadas por falta de oportunidade, incentivo e remuneração decente.
O SN explica que, no Japão, ninguém consegue um trabalho remunerado decente sem um diploma de graduação, porém, ter mestrado e doutorado não estariam nos horizontes da maioria. A tomar pelo que eu li em alguns mangás, em especial Nigehaji, isso pode ser utilizado contra você. A pessoa pode ser acusada de estar enrolando para entrar no mercado de trabalho e seu diploma, no fim das contas, pode não lhe dar maior empregabilidade, ou salário. Afinal, para quê mestrado se você vai ser office lady (*funcionária de escritório*) mesmo? No caso da protagonista de Nigehaji, ela era de humanas, tinha um mestrado em psicologia, mas ela casa com um engenheiro muito competente que troca um emprego seguro e burocrático por uma empresa mais moderna e que valorizava a criatividade. Enfim, a matéria do SN é sobre a área de ciências exatas, biológicas, enfim, sobre o que se chama em inglês de STEM (Science, Technology, Engineering e Mathematics).
O SN alerta que essa queda constante no número de alunos de doutorado, isto é, gente que faz pesquisa é preocupante para as indústrias científicas do Japão, uma vez que os estudantes universitários de pós-graduação são considerados a força vital da pesquisa científica e do desenvolvimento no país. Eles e elas fornecem a força de trabalho central nas indústrias científicas japonesas, incluindo suas empresas químicas mundialmente famosas, que estão entre algumas das mais ricas do país.
Citando o SN: “De acordo com o Ministério da Educação do
Japão, o número de doutorados graduados era 11.637 em 2003, mas desde então
diminuiu quase pela metade, para apenas 5.963 este ano. Já que 2003 foi há 17
anos, você pode pensar que a diminuição no número de doutorados se deve ao
declínio contínuo da taxa de natalidade do país, mas na verdade as estatísticas
dizem o contrário. O número de doutorados por um milhão de cidadãos também
diminuiu; em 2017, era 119, em comparação com 131 em 2008. Compare isso com os EUA, Alemanha e Coréia,
que aumentaram seu número de graduados por um milhão de cidadãos desde 2008.”
Segundo a matéria, o motivo principal para essa queda no número de alunos de pós-graduação seria que os custos não compensam os benefícios. Citando novamente: “Akira Yoshino, Vencedor do Prêmio Nobel de Química, ressaltou que é porque os candidatos ao doutorado estão preocupados com suas perspectivas de emprego depois de se formarem. Yoshino diz que, embora ter um doutorado seja uma vantagem para encontrar emprego na maioria dos outros países, não há tais considerações no Japão. “Acho que deveria haver o reconhecimento da realização do doutorado, bem como o tratamento preferencial e a remuneração dos doutorandos”, acrescentou. Ele também sugeriu que os jovens de hoje não são capazes de se dedicar à pesquisa de longo prazo. “A pesquisa acadêmica é uma busca pela verdade, ou é baseada em algo sobre o qual o pesquisador tem uma profunda curiosidade e que pode seguir obstinadamente. É absolutamente importante ter uma missão na qual se concentrar. Nesse sentido, acredito que é muito importante cultivar um ambiente no Japão onde alguém possa se estabelecer para pesquisar algo por dez anos ou mais e se sentir seguro sobre isso. ” O próprio Yoshino começou a estudar baterias de íon de lítio quando tinha 33 anos e dedicou toda sua energia à pesquisa desse único tópico por quase 40 anos. Seu trabalho árduo foi recompensado quando ele ganhou o Prêmio Nobel de Química em 2019 por seu trabalho impactante com baterias de íon de lítio.”
Hirotaka Sakaue, professor associado de Engenharia Mecânica Aeroespacial da Universidade Notre Dame, enfatizou que ter doutorado não parece ser algo valorizado pelas empresas japonesas. Ele mesmo, que obteve seu PhD na Purdue University, nos Estados Unidos, tentou encontrar trabalho no Japão, todos os empregos disponíveis baseavam-se na idade e não no currículo do candidato, e a experiência que ele adquiriu com seus cursos de doutorado nem sequer foi considerada. Vejam só o absurdo e ele nem falou em gênero, porque deve pesar, também. Segundo Sakaue “Na América, depois que você tem um PhD, seu salário anual muda muito (...) Na minha área de engenharia mecânica aeroespacial, obter um PhD no Japão não tem efeito sobre o seu salário e, portanto, não tem qualquer apelo.”
Outro dado apresentado por Sakaue que as universidades japonesas não costumam dar tantas bolsas de doutorado como programas nos EUA, por exemplo. “Uma vez que eles teriam que trabalhar enquanto estudavam por três anos, não tenho certeza se muitos alunos de mestrado vêem qualquer razão para obter um PhD”. Vejam que o Japão tem mais problemas que a baixa natalidade e a desigualdade de gênero e que o modelo educacional japonês é cheio de problemas.
Segundo o SN, é urgente uma reforma no modelo trabalhista japonês. “A ênfase na antiguidade, em vez da experiência ou qualificações reais, é um problema em muitas indústrias e para muitos trabalhadores, não apenas candidatos a doutorado, mas também trabalhadores estrangeiros e outros funcionários com qualificações especializadas. Dado que ter um PhD tem mérito ao se candidatar a residência permanente no Japão, provavelmente não é uma questão de a sociedade ver o diploma como sem valor, então esperamos que mais empresas possam mudar de tom e começar a trabalhar ativamente para promover a educação avançada em ciências.”
Enfim, o SN é um site muito sério e confiável, mas eu fiquei surpresa com esse panorama da pesquisa no Japão, porque eles oferecem tantas bolsas para estrangeiros. Bolsas de aperfeiçoamento para professores, inclusive. Bem, mas é aquilo, esses programas podem não refletir a realidade mais ampla da da educação no Japão. Agora, procurando, encontrei uma matéria do ano passado do Japan Times comentando a perda de posições nos rankings das melhores universidades do mundo por parte das instituições japonesas, especialmente, em comparação com Taiwan, Coreia do Sul e China. Vou ficar mais atenta e, se encontrar mais alguma coisa sobre o tema, comento aqui.
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