O projeto DNA do Brasil, comandado pela pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, da USP, tem como meta analisar o genoma de 40 mil brasileiros. Trata-se da maior pesquisa do tipo já realizada no País, e ela resultará na base de dados genéticos mais abrangente sobre a população do país. In iniciado em dezembro de 2019, ele apresentou os seus primeiros dados na semana passada.
O mapeamento genético fornece dados sobre ascendência dos voluntários. Só nesses 1.247 genomas preliminares já foi possível observar variantes genéticas provenientes de 54 populações ao redor do mundo. Os resultados mostram que sim, o Brasil é extremamente miscigenado – mas que essa miscigenação não ocorreu de forma equilibrada.
Metade dos nossos genes são herdados da mãe, enquanto a outra metade é do pai. É complicado mapear a origem de todos, mas foi divulgado um relatório em cima dos cromossomos X e Y. As mulheres normalmente tem dois cromossomos X e os homens XY. Não é possível saber se um dos X é da mãe, ou do pai, mas o Y sempre é do pai. Da mesma maneira, é sempre a mãe que passa a mitocôndria ao filho ou filha (mitocôndrias são usinas de energia das células que tem seu próprio material genético), então todo DNA das mitocôndrias de uma população foi necessariamente herdado das mulheres. O que foi descoberto sobre essa amostra da nossa população até o momento?
Citando da matéria da Revista Abril: "75% dos cromossomos Y na população são herança de homens europeus. 14,5% são de africanos, e apenas 0,5% são de indígenas. Os outros 10% são metade do leste e do sul asiáticos, e metade de outros locais da Ásia. Com o DNA mitocondrial foi o contrário: 36% desses genes são herança de mulheres africanas, e 34% de indígenas. Só 14% vêm de mulheres europeias, e 16% de mulheres asiáticas. Somando as porcentagens femininas, temos que 70% das mães que deram origem à população brasileira são africanas e indígenas – mas 75% dos pais são europeus. A razão remonta aos anos colonização portuguesa no Brasil. O estupro de mulheres negras e indígenas escravizadas era o padrão."
Não é novidade para mim, historiadoras feministas e não-feministas, também, já tinham apontado a questão, isto é, que ao longo da nossa colonização e além, até porque a escravidão perdurou até 1888 e as violências até os nossos dias, os corpos das mulheres indígenas e negras foram apropriados por homens brancos. Desses estupros resultavam filhos e filhas que poderiam ser livres ou escravizados, mas que formaram essa nossa mistura racial que tantos querem romantizar.
Alguns relacionamentos foram consensuais, mas a maioria não deve ter sido, porque as relações eram de total assimetria, entre homens e mulheres, entre senhores e escravas. É disso que estamos falando aqui. Mesmo em relacionamentos aparentemente consentidos, poderia existir uma mulher que n ão tinha alternativa. E isso valia, também, para as meninas e mulheres brancas que eram enviadas em quantidades ínfimas para casar na colônia e brecar a miscigenação que estava ocorrendo em nossas terras e era denunciada pelos jesuítas desde o século XVI. Órfãs da rainha é a denominação dada para essas mulheres que vieram de Portugal, na maioria das vezes contra sua vontade, com a missão de povoar o Brasil colônia com descendentes de sangue puro. Não quer mergulhar nas fontes de época? Pegue o livro ou o filme Desmundo.
Enfim, mapeamento genético ajuda a reforçar aquilo que historiadores e historiadoras, e outros cientistas sociais, afirmam faz tempo a partir das muitas fontes que temos. Segundo a Folha de São Paulo, "A combinação dos dados revela que a miscigenação no Brasil se deu muito de forma assimétrica, com pouca oportunidade de homens de origem indígena deixarem descendentes, por exemplo." Esse tipo de informação é importante para promover políticas públicas de igualdade e até compensatórias.
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