Vai ser uma resenha rápida, mas acho que preciso deixar alguns comentários sobre o filme Scooby Doo de 2002. Não, não tinha assistido. A rigor, não seria o tipo de filme que me faria ir ao cinema, ou sentar diante da TV, mas com a Júlia, minha menina que agora tem sete anos, faz sentido usar uma hora e meia da minha vida vendo como transpuseram o desenho animado para o cinema. Foi um programa de Dia das Bruxas com ela, por assim dizer. E vi dublado e valeu a pena, porque são as vozes que eu cresci ouvindo, Scooby Doo para mim é o Orlando Drummond.
O filme começa igualzinho um episódio do desenho animado, com todos os absurdos possíveis, só que a resolução do mistério leva à dissolução do grupo. Velma (Linda Cardellini) não suporta a atitude de Fred (Freddie Prinze Jr.), que chama para si todos os holofotes, Daphne (Sarah Michelle Gellar) não quer mais ser a donzela em perigo, já Scooby e Salsicha (Matthew Lillard), nem são questionados sobre a dissolução da equipe. Temos um salto de dois anos e o grupo se reencontra em um aeroporto indo para um parque temático onde eventos estranhos estavam ocorrendo. Tudo, claro, foi artificialmente montado pelo vilão, ou vilões. No início, eles querem trabalhar em separado, mas acabam voltando a agir como equipe e resolvendo o mistério.
OK, o filme foi divertido. Foi uma surpresa ver Rowan Atkinson, comediante mais conhecido no Brasil por Mr. Bean, mas que tem uma carreira bem extensa e variada na Inglaterra. Matthew Lillard está perfeito como Salsicha, acho que ele é o mais perfeito de todos. Agora, o filme investe em estereótipos que foram pregados n as personagens ao longo do tempo. Fred e Dafne, em especial, perdem muito com esse tipo de abordagem.
Nos desenhos originais, aqueles que eu assisti por duas décadas pelo menos. Fred era o líder natural da equipe, afinal, era homem, branco e bonito. Ele não era orgulhoso, não era buro, era simplesmente uma personagem masculina padrãozinha que poderia ser encontrada na maioria dos desenhos da Hanna Barbera da época. Transformarem o Fred em louro burro não me agradou muito e eu não consigo ver a personagem no ator que o interpreta.
Falando das meninas, bem, da mesma forma que Fred virou o loiro burro metido, e que fique claro que a coisa nem foi inventada para o filme, Daphne passou a ser a patricinha toda decotada (*no original, ela usava minissaia, meia calça e nada de decoe*) também burrinha, além de eterna donzela em perigo. De novo, Daphne no original não era burra. Nos desenhos dos anos 1960 e 1970 em que havia a moça burra, ela não era a protagonista, que, quando existia, normalmente, era a moça ruiva, como a Daphne, nem era a morena, que tinha uma função de antagonista ou encrenqueira, mas a moça loura.
Em Tutubarão, que é Scooby Doo no fundo do mar, temos a mesma estrutura, o rapaz que é o líder certinho, o grandão ruivo meio bobo, o bicho medroso que dá nome ao desenho, a menina loura meio burrinha, meio genial, meio avoada, e a morena encrenqueira. Em Josie e as Gatinhas, que eu adorava, tínhamos quatro garotas e dois garotos, a estrutura era essa, a ruiva líder, linda e perfeita, a loura burrinha e de bom coração, a morena invejosa e barraqueira, e a novidade, a negra inteligente. E, claro, Alan, o interesse romântico de Josie e Alexandra (*a morena) era idêntico ao Fred. Já o outro rapaz, o empresário, era meio nerd, por assim dizer. Resumindo, Daphne não era burrinha, rica, sim, mas não era cabeça de vento, ou idiota. De resto, nada contra a Sarah Michelle Gellar, ela está ótima no papel.
E a Velma? Ela é o cérebro do grupo, baixinha, com um corpo normal, de óculos. Típica nerd, não é isso? Vamos lá, a atriz, Linda Cardellini, é muito bonita, para mim, até mais que a Gellar, a eterna Buffy. Ela não é baixinha e ela é magra. A personalidade da Velma é a mesma, mas ela está sexualizada. E isso vale para Daphne com seus decotes. Aliás, a Velma, quando é capturada e tem sua mente controlada pelos vilões, retira os óculos, seu pullover e fica com uma blusa justinha, decotadíssima e com barriga de fora. E não somente elas, temos participação especial de Pamela Anderson, toda sensual, e a quase namorada de Salsicha, Mary Jane (Isla Fisher), sempre está com decotes e pouca roupa. Precisava? Não.
E eu achei curioso, porque não há nada de sexual no filme, temos um beijinho muito casto entre Daphne e Fred, os atores se casaram e estão juntos ate hoje, mas as personagens femininas são muito objetificadas. E eu me lembro de ter visto um meme tempos atrás sobre a Velma feminista-feia de algum filme mais recente e a bonita e sexy deste filme e da continuação e que nada tem a ver com a original. Agora, se eu olho o character design das séries mais recentes, é nítido que a Velma está mais magra e mais alta. Foi a fonte de inspiração para o filme, ou a película foi que influenciou os novos seriados? Eu não vou mexer nisso, não, porque tenho mais o que fazer.
Mas este filme tem algo de ainda mais curioso. Para muita gente, e eu não perco meu tempo pensando nisso, Velma é lésbica ou bissexual. No desenho original, ou nas versões mais antigas que começaram em 1969 e seguiram pelos anos 1970, nada se fala ou se toca a respeito desses assuntos. Mesmo quando os desenhos americanos da época indicavam a orientação sexual da personagem, normalmente hetero, eles eram assexuados. Nada acontecia, nem um beijinho sequer. Era uma marca das animações estadunidenses, que foi amenizado com o tempo, mas que mutia gente quer ver de volta, inclusive nos animes. Enfim, nunca vi Velma interessada por ninguém e isso em desenhos daquela época nada indica sobre sua orientação sexual. Nada mesmo.
Agorw, neste filme, Velma arranja um namoradinho, ela é hetero. Eu não teria problema com essas coisas, não fosse a forma como a personagem é construída. Não vou atrás das discussões da época do lançamento, mas dada a construção da personagem no filme, acredito que é para marcar posição mesmo, oferecer fanservice e isso em um filme infantil. Se você faz o inverso, isto é, marca que uma personagem é LGBTQ é o fim do mundo, o apocalipse. Eu não reconheci a Velma, que era a minha personagem favorita de Scooby Doo na atriz que a interpreta.
É isso. Acho que Scooby Doo cumpre a Bechdel Rule, mas eu não tenho como dar certeza, não. O filme é divertido, foi um bom programa de mãe e filha, mas tem esses poréns que, ainda bem, a Júlia não tem como perceber ainda. O filme transformou Daphne, Fred e Velma em caricaturas deles mesmos, algo que está ainda pior no desenho mais recente, eu assisti uns episódios com a Júlia dia desses. No caso de Velma, ela é colocada como um fanservice e há muitos fanarts e cosplays no Google para confirmar isso, assim como a Daphne e a menina por quem Salsicha está apaixonado. Talvez, assista ao filme de 2004 com a Júlia, quem sabe? Agora, essas coisas me parecem muito fora do lugar em um filme que em como seu público alvo as crianças.
2 pessoas comentaram:
Com esse zumzumzum do filme na netlix eu pesquei várias curiosidades aleaórias q surgiram. A ideia inicial do james gunn era fazer a velma ser explicitamente lésbica, mas isso foi barrado pelo estúdio. A Sarah Michelle confirmou que havia uma cena de beijo entre a velma e a daphne q foi cortada. Agora, considerando que Gunn queria que o filme fosse +13 e tiveram que cortar piadas impróprias e insinuações sexuais, cobrir a maioria dos decotes com cgi até o filme ficar 'versão pra toda família' eu tenho lá minhas dúvidas se o Gunn queria uma velma lésbica por pura respresentatividade social, enfim deixa quieto. E o namorado aparece na versão final, após a grande rejeição dos pais nas exibições-testes
Da minha parte, só sei que me incomoda que alguns enxerguem a velma do desenho como lésbica só pq não performa os esterótipos femininos...
Desculpe, mas você viu as outras atrizes que interpretaram a personagem de Velma? Hayley Kiyoko é uma excelente atriz de origem asiática (e membro da comunidade LGBT), sua versão de Velma não era sexualizada, mas esta jovem é tão magra e pequena que estava flutuando em seu suéter! Até a atriz que representava Daphne era mais grossa do que ela. E a série animada que se seguiu (Mystery Incorporated) foi baseada em Hayley Kiyoko, com uma Velma com rosto levemente asiático, super magra e pequena. Mesmo em "Scoob!" o filme de animação lançado recentemente, Velma não se parece com o personagem dos anos 60 ... e é animação. Então, em um ponto, cabe à Warner se posicionar, ou eles respeitam o personagem original ou o modernizam. Infelizmente, quando decidem modernizar um personagem, passa por clichês sexistas. (desculpe pelo meu português aproximado, eu sou francês)
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